Dezesseis partidos políticos que participaram das eleições de 2022 não conseguiram ultrapassar a cláusula de desempenho e, como consequência, irão perder acesso ao fundo partidário e à propaganda partidária e eleitoral a partir de 2023. A informação é do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão que conduz a organização e fiscalização do pleito no país.
Essa situação afeta, no Rio Grande do Sul, legendas integradas por mandatários como o deputado federal Marcel van Hattem (Novo), que novamente ficou entre os mais votados, o deputado estadual Elizandro Sabino (PTB) e o vereador de Porto Alegre e dirigente partidário Claudio Janta (SD). Os três, até o momento, encaminham a permanência nos partidos, apesar da situação de adversidade (veja detalhes abaixo).
Uma minoria de 12 organizações políticas, entre três federações e nove siglas que disputaram isoladamente, venceram a barreira e mantiveram seus direitos plenamente.
Entre os que não alcançaram, está uma legenda histórica e com identidade entre os gaúchos, o PTB, e outra que já se apresentou como emergente no cenário local e nacional, o Novo. Além desses dois, outros 14 não tiveram o desempenho mínimo: Agir, Avante, DC, Patriota, PCB, PCO, PMB, PMN, PROS, PRTB, PSC, PSTU, Solidariedade (SD) e UP.
A cláusula de desempenho foi introduzida a partir de uma emenda constitucional de 2017, com o objetivo de reduzir o número de partidos no Brasil. Para a eleição de 2022, a norma previa que cada sigla deveria obter pelo menos 2% dos votos válidos na eleição à Câmara dos Deputados, somando 1% dos eleitores em nove Estados, ou eleger 11 deputados federais, desde que estivessem distribuídos em um terço dos Estados, no mínimo.
— Os partidos que não superaram a cláusula de desempenho seguem existindo, mas param de receber o investimento público do fundo partidário, que é a verba de custeio, a principal fonte de financiamento. Trocando em miúdos, seca a fonte. Sem dinheiro e estrutura, não se faz política. Os partidos precisam de sede, de serviços contábeis, jurídicos e de comunicação. Sem recurso, não se sustenta — avalia o advogado Rafael Morgental, especialista em direito eleitoral.
Passada a eleição, as legendas que ficaram atrás do mínimo exigido têm alternativas: podem passar por processos de fusão, incorporação ou constituição de federações. Quando isso ocorre, se os votos válidos somados ultrapassarem as previsões da cláusula, as novas agremiações mantêm o acesso ao fundo partidário e às propagandas na rádio e TV.
Estamos lambendo as feridas, cometemos erros nas últimas eleições, mas a incorporação nos faz atingir a cláusula e segurar quem está no partido.
CLÁUDIO JANTA
Vereador de Porto Alegre
O primeiro a fazer esse movimento foi o SD, que anunciou, na segunda-feira (17), a incorporação do PROS. Somando as votações de ambos, o mínimo exigido será alcançado e haverá manutenção de direitos.
— O PROS vem para dentro do SD, que vai manter a sigla e o número de urna. Estamos lambendo as feridas, cometemos erros nas últimas eleições, mas a incorporação nos faz atingir a cláusula e segurar quem está no partido. Hoje a política tem dois extremos e, se não participa de nenhum deles, tu ficas isolado — lamentou o vereador Janta, presidente estadual e tesoureiro nacional do SD.
Para as legendas que não atingiram o mínimo previsto, permanece assegurado o recebimento de um percentual do fundo especial de financiamento de campanha (FEFC), conhecido como fundo eleitoral. Pela legislação, a fatia de 2% do total da verba é dividida igualmente entre todos os partidos que disputam a eleição. O restante é partilhado conforme o tamanho das bancadas no Congresso: quanto maior o partido, mais recursos ele recebe.
Confira abaixo, sob a ótica das lideranças regionais, a situação de outras agremiações que ficaram retidas pela cláusula de desempenho.
Novo
O partido tem oito deputados federais na atual legislatura, mas elegeu apenas três para a próxima. De caráter liberal, posicionado à direita ideológica, o Novo alcançou 1,24% dos votos válidos na eleição nacional para deputado federal — abaixo da linha de corte de 2%.
Mesmo com as limitações impostas, o presidente estadual do Novo, Bernardo Howes, diz que “não estão nos nossos planos fusão, incorporação ou federação”. Ou seja, a sigla vai encarar os próximos quatro anos sem direito à cota do fundo partidário — da qual abre mão, assim como do fundo eleitoral — e sem a propaganda eleitoral no rádio e na TV. Caso o cenário não mude, as restrições valerão, inclusive, para a eventual candidatura presidencial de Romeu Zema (Novo), governador reeleito de Minas Gerais, em 2026.
— Nossos filiados fazem contribuições mensais porque acreditam que o trabalho que o partido desenvolve os representa e tem poder de transformação. Espaços de TV e rádio têm impacto limitado nos dias de hoje, nossos candidatos têm presença muito forte no digital e estamos muito mais conectados com um voto de opinião, com filiados e apoiadores que fazem campanha para nós voluntariamente — afirma Howes.
Deputado federal reeleito com 256,9 mil votos, Marcel van Hattem (Novo) confirma que já recebeu convites para trocar de partido. A lei permite que o parlamentar eleito por legenda que não cumpriu os critérios migre para outra que saiu vencedora sem prejuízo ao mandato.
Estamos até vendo como oportunidade de o partido se reposicionar como direita liberal.
MARCEL VAN HATTEM
Deputado federal
— Fico honrado (com os convites), tenho atendido telefonemas, mas, neste momento, não tem hipótese de saída do Novo. Estamos até vendo como oportunidade de o partido se reposicionar como direita liberal — afirma van Hattem, fazendo referência a escolhas que considerou erradas do fundador da sigla, João Amoedo.
Amoedo foi candidato do Novo à Presidência em 2018 e, recentemente, citando riscos à democracia, anunciou voto em Lula (PT) na disputa ao Palácio do Planalto, o que pôs fogo no partido.
Com três parlamentares apenas, o Novo deixará de ter direito aos destaques na Câmara, mecanismo que permite aos partidos votarem os projetos com emendas de ampliação ou supressão dos textos. Essa é uma consequência regimental. A ideia é se juntar com outra legenda apenas no Congresso, nos chamados blocos, para poder retomar essa garantia em plenário. Van Hattem reconhece que a polarização e a força do bolsonarismo levaram para o PL uma parcela de votos que poderiam ter garantido melhor desempenho ao Novo.
— Acho uma pena, fizemos trabalho técnico na Câmara e esses votos (para o PL) acabaram elegendo vários deputados do centrão. O futuro do Novo passa muito pelo Romeu Zema. É nosso candidato à Presidência em 2026 e esperamos que ele consiga fazer um segundo mandato tão bom ou melhor do que o primeiro — afirma van Hattem, que considera a hipótese de disputar o Senado daqui quatro anos.
PTB
Sigla histórica no Brasil, berço do trabalhismo e dos ex-presidentes Getúlio Vargas e João Goulart, já havia sofrido forte esvaziamento recentemente em razão da condução de Roberto Jefferson, cacique que determina os rumos do partido nacionalmente. Jefferson buscou transformar o PTB em um abrigo para bolsonaristas, ao longo do processo de ruptura do presidente Jair Bolsonaro (PL) com o antigo PSL, e isso levou diversos parlamentares com sólida trajetória a deixarem o partido no Rio Grande do Sul, que era um dos diretórios estaduais mais robustos.
Jefferson ainda tentou ser candidato a presidente em 2022, mas teve a candidatura barrada no TSE com base na lei da ficha limpa. O resultado foi duro: o PTB fez apenas um deputado federal e alcançou 1,30% dos votos válidos nacionais para o cargo.
— Sou filiado ao PTB há 29 anos. Essa situação me entristece. Gostaria muito que estivéssemos em outro cenário. São circunstâncias da política — avalia Elizandro Sabino, presidente do PTB gaúcho e deputado estadual reeleito.
Havendo uma fusão, precisarei fazer uma análise do cenário, a tendência é de permanecer, mas sempre aberto ao diálogo.
ELIZANDRO SABINO
Deputado estadual
Ele diz que a agremiação tem negociações adiantadas para buscar uma fusão que permita ultrapassar a cláusula. Existem conversas com o PSC e, principalmente, com o Patriota. Diante do vislumbre de penúria financeira, a fusão é considerada alternativa única. O PTB, há tempos descaracterizado face ao antigo trabalhismo, poderá inclusive trocar de sigla.
— Nas reuniões, a informação é de que haverá, possivelmente, uma mudança de nome. Está sendo estudado — diz Sabino.
No Rio Grande do Sul, o PTB tem, no momento, 34 prefeitos e 370 vereadores. Sabino considera “plenamente possível” que os mandatários deixem o partido caso não seja solucionada a cláusula de desempenho com uma fusão. Ele, por ora, projeta a continuidade.
— Havendo uma fusão, precisarei fazer uma análise do cenário, a tendência é de permanecer, mas sempre aberto ao diálogo. Tenho sido procurado por outros partidos, inclusive de matriz ideológica parecida com a do PTB — afirma.
Avante
O partido elegeu sete deputados federais e fez 1,99% dos votos válidos nacionais, o que significa 0,1% a menos do que o previsto na cláusula. Dirigentes consultados pela reportagem chegaram a dizer que o Avante atingiu a meta, o que não é confirmado pelo TSE.
A tendência é de que a legenda incorpore outra menor e alcance, sem maiores dificuldades, o patamar de 2%. Há conversas em andamento com o Agir. O Avante é a sigla do deputado federal reeleito André Janones (MG), que tem obtido destaque na campanha presidencial de Lula (PT) ao liderar uma guerrilha virtual que, por vezes, se vale de distorções.
PSC
A sigla fez seis deputados federais e atingiu 1,78% dos votos válidos. Também ficou próxima de alcançar a cláusula de desempenho e, agora, buscará uma aliança que lhe garanta plenos direitos.
— O fundo partidário faz falta porque é o que mantém mensalmente o partido. É importante a fusão com parceiros. A ideia é conversar e buscar a melhor solução para todos — diz Bernardo Santoro, presidente do PSC no Rio Grande do Sul.
PRTB
O partido chegou a ensaiar uma projeção a partir de 2018, quando teve nomes como Hamilton Mourão eleito vice-presidente da República e Janaina Paschoal deputada estadual por São Paulo. Em Porto Alegre, Fernanda Barth sagrou-se vereadora em 2020 pela sigla. Contudo, as movimentações políticas fizeram com que Mourão e Fernanda saíssem, entre outros. O PRTB não conseguiu ganhar envergadura e anotou apenas 0,26% dos votos válidos nacionais para deputado federal.
— A orientação que tive da direção nacional foi de que o PRTB não deverá fazer incorporação, fusão ou federação. Acho que não é taxativo, requer análise de uma série de situações envolvendo os resultados do segundo turno — diz Alan Castro, presidente do PRTB no Rio Grande do Sul.