Há uma calmaria indisfarçada nos mais fieis redutos do petismo e do bolsonarismo no Rio Grande do Sul. Separadas por 300 quilômetros de asfalto e chão batido, Itatiba do Sul, no Alto Uruguai, e Nova Pádua, na Serra, deram ao PT e a Jair Bolsonaro os maiores índices de votos em território gaúcho no primeiro turno das eleições presidenciais de 2018. Quatro anos depois, o antagonismo se repete no país. Mas a despeito da tendência de reproduzir nos dois municípios a adesão hegemônica a um dos candidatos, não há quase nada por lá que evidencie a plena campanha eleitoral em curso.
Em Nova Pádua, onde Bolsonaro fez 82,75% dos votos no primeiro turno e o PT nunca elegeu prefeito ou vereador, a algaravia não vem de discussão política, mas sim dos gringos contando causo em italiano na principal bodega da cidade.
Em Itatiba do Sul, onde Fernando Haddad amealhou 60,62% da votação e a direita não conquista a prefeitura há um quarto de século, a tagarelice é contida para não atrapalhar o jogo de cartas no bolicho predileto dos polacos. Contrariando a extremada disputa nacional, eleição se ganha em silêncio nos confins do Rio Grande do Sul.
Nova Pádua
O traçado curvilíneo das ruas centrais de Nova Pádua acentua o charme de uma típica cidadezinha da serra gaúcha. Os canteiros são floridos, as calçadas, bem cuidadas, e o escasso movimento de pedestres sinaliza a discrição dos 2.563 habitantes e a pujança de um município onde há 2.061 veículos para 1.401 motoristas habilitados.
A profusão de carros, todavia, não ostenta bandeiras nem adesivos do político mais popular na cidade. A evidente demonstração de que há uma campanha eleitoral em curso são os estandartes espalhados pelo centro, estampados com retratos das 10 jovens que disputam o título de soberana da 15ª Festa dos Produtos Coloniais.
— Euforia para nós é só com festa de capela e um bom copo de vinho — resume o prefeito, Danrlei Pilatti (PP).
A eleição presidencial praticamente não é assunto no reduto mais bolsonarista do país. Não há comício, carreata ou bandeiraço, somente um maciço movimento antipetista. Se em 2014 Nova Pádua havia registrado a maior votação proporcional de Aécio Neves (PSDB) em todo o país, com 88% da preferência, em 2018 repetiu o feito em dose dupla, entregando a Jair Bolsonaro 82,75% dos votos no primeiro turno e 92,96% no segundo.
O resultado fez justiça à tradição política local. Nas oito eleições municipais desde a emancipação de Flores da Cunha, em 1992, a esquerda jamais elegeu prefeito e o diretório do PT foi extinto após sucessivos fracassos nas urnas.
No Açougue e Minimercado Bunai, onde o macharedo se reúne para bebericar vinho ou cachaça com bitter enquanto proseia no dialeto vêneto, os raros votos dados ao PT são creditados a forasteiros, supostamente atraídos pela prosperidade econômica do município.
— Meu pai teve 13 filhos. Eu tive três e só tenho três netos, tudo indo embora. Vou deixar para quem minhas terras? Esse pessoal vai tomar conta de tudo — reclama um dos convivas.
— Mas eu prefiro que me salte fora as duas mãos na hora que eu tiver que votar no Lula ou no PT — exagera outro, dando vazão a um entrevero de vozes e gestos que de perto é amistoso, mas a distância parece briga.
A aparente aversão a esquerdistas vindos de fora é relativa. Fundador do PCdoB na região, Pedro Quintanilha há nove anos é o dono do cofre em Nova Pádua. O histórico partidário não o impediu de assumir a Secretaria da Fazenda em 2015, passando por três prefeitos de diferentes partidos. Jamais produziu déficit fiscal e gere um dos menores gastos com pessoal do Estado, limitado a 32% do orçamento, além de custear até 20% do curso superior dos estudantes do município.
Agora filiado ao Republicanos e eleitor de Bolsonaro, ele tenta explicar a inclinação política dos moradores de uma cidade que não registra divórcios desde 2016 e cujas únicas ocorrências policiais em 2021 foram dois furtos e um estelionato.
— O povo daqui trabalha debaixo de chuva e de sol, dá muito valor ao que é certo. Aí surge a questão da corrupção. Então criou-se uma barreira. Não foi anti-Lula ou anti-PT, mas uma reação aos escândalos. E a pessoa que despontou foi Bolsonaro. Não tínhamos outro para combater o que estava acontecendo — teoriza.
Com 70% da população rural, Nova Pádua tem no campo terreno fértil ao bolsonarismo. Ex-integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Sirlei Aparecida Dias exibe com orgulho três adesivos de Bolsonaro grudados aos vidros do carro. Nos tempos de ativismo campesino, Sirlei acampou à beira do asfalto e invadiu três vezes uma mesma fazenda. Hoje, ganha cerca de R$ 200 ao dia fazendo reparos e pinturas em propriedades rurais.
— Já fui sem-terra, mas quando comecei a entender um pouco do assunto passei a votar na direita. Bolsonaro fez um bom governo. Não digo que seja exemplo de honestidade, mas soube manejar tudo na pandemia. Votei nele e voto de novo — afirma Sirlei.
Sentado no jardim da Adega Dom Camilo, um dos principais pontos turísticos do município, João Pedro Sonda manifesta opinião semelhante. Expoente da terceira geração à frente da propriedade, Sonda conduz um negócio que fatura em média R$ 30 mil por mês recebendo turistas para piqueniques diante da vista exuberante do vale do Rio das Antas.
— Não quero desmerecer os conceitos da esquerda, mas acho que o povo aqui tem uma cultura mais puxada para o trabalho, por isso vota na direita. Conheço quase todo mundo e dá para contar nos dedos quem vota no PT — afirma Sonda.
Um desses eleitores é tão solitário que virou celebridade. Aos 60 anos, Reni Menegat é diretor de trânsito do município, mas se alguém chegar na prefeitura procurando-o pelo nome terá dificuldade em localizá-lo. Mais fácil chamar pelo apelido: Lula. Menegat ganhou a alcunha nos anos 1980, graças à semelhança com o homônimo ponteiro esquerdo do Inter. Com o tempo, a simpatia explícita pelo PT vinculou o apelido ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Menegat foi filiado ao PT e tentou concorrer a vereador, mas foi barrado pelo partido, que insistiu numa malfadada candidatura única. Desde então, ele exerce uma militância acanhada, restrita à família e aos vizinhos.
— Tem um colega que vem todo dia falar de Bolsonaro. A razão é sempre dele, tem de dizer sim. Eu digo não e vou embora. É muito difícil ser de esquerda aqui. Se tu bota uma bandeira, um adesivo, já vêm te encher o saco — desabafa.
Nova Pádua
- Região: Serra
- Distância de Porto Alegre: 164 km
- População (2021): 2.563 pessoas
- Ano de emancipação: 1992
- Principal atividade econômica: agricultura
- PIB per capita (2019): R$ 27.910,37
- IDH (2010): 0,761
Resultado da eleição em 2018
1º turno
- Jair Bolsonaro (PSL): 82,75% (1.588 votos)
- Fernando Haddad (PT): 4,48% (86 votos)
2º turno
- Jair Bolsonaro (PSL): 92,96% (1.770 votos)
- Fernando Haddad (PT): 7,04% (134 votos)