O presidente Jair Bolsonaro criticou a elaboração da Carta em Defesa da Democracia, manifesto organizado na Faculdade de Direito da USP que reúne juristas, banqueiros e empresários e já conta com a adesão de mais de 165 mil pessoas.
— Vivemos num país democrático, defendemos a democracia, não precisamos de nenhuma cartinha para dizer que defendemos a democracia — afirmou o chefe do Executivo na convenção do PP que selou o apoio do partido à sua candidatura à reeleição.
O texto (leia abaixo) reúne juristas e teve também adesão de banqueiros e empresários.
— Dizer que queremos cumprir e respeitar a Constituição, não precisamos então de apoio ou sinalização de quem quer que seja para mostrar que nosso caminho é a democracia, a liberdade, respeito à Constituição — seguiu Bolsonaro.
Além de criticar o manifesto pela democracia, o chefe do Executivo não respondeu se entregará a faixa presidencial a outro político se perder as eleições em outubro.
— Vou debater com o cara, né. Vou debater com o cara — respondeu Bolsonaro, em referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao ser questionado sobre o foco da campanha nos próximos meses.
Convenção do PP
Filiado ao PL, Bolsonaro disse que tem vontade de voltar para o PP, sigla que oficializou apoio à sua candidatura à reeleição. O chefe do Executivo se elegeu em 2018 pelo antigo PSL, hoje União Brasil, mas rompeu com o partido durante o mandato e decidiu, em novembro do ano passado, ingressar na legenda comandada pelo ex-deputado federal Valdemar Costa Neto, preso no escândalo do Mensalão.
— Tenho duas notícias inéditas: primeiro para o (presidente da Câmara, Arthur) Lira: sou o deputado 514 nessa Casa. Outra para o Ciro (Nogueira, presidente do PP): nesse clima, nesse ambiente - ainda bem que Valdemar não está aqui -, mas que dá vontade de voltar, dá — declarou Bolsonaro, em discurso na convenção, que ocorreu no auditório Nereu Ramos, na Câmara.
— É com muito orgulho que estou aqui nessa Casa, mas o ambiente é daqueles do Partido Progressista, ao qual integrei por mais de 20 anos. Nós somos irmãos e como é bom voltar aqui, ver algumas caras que não são novas, mas são bastante familiares, e nos faz encher de orgulho de trazer boas recordações — emendou o presidente.
Bolsonaro disse que o Executivo e o Legislativo trabalham em "perfeita harmonia" e afirmou que espera muitas realizações no ano que vem caso Lira seja reeleito presidente da Câmara.
— Maioria do parlamento está afinada com Executivo e todos ganham com isso — declarou. — Os Poderes têm que se respeitar para o bem de todos.
O presidente disse, ainda, que a política externa é "excepcional" e que o Brasil tem negócios com o mundo todo. Também afirmou, de forma irônica, que o país está na contramão, com inflação baixa e PIB em alta.
— Os números sempre refletem a verdade, exceto as pesquisas — criticou.
O chefe do Executivo também elogiou o discurso da primeira-dama, Michelle, na convenção do PL, no último domingo, que lançou sua candidatura à reeleição. Para Bolsonaro, ela falou "muito melhor".
A íntegra da carta:
"Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.
Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!!!!"