Porto Alegre, por seu tamanho, importância e economia, é uma cidade naturalmente superlativa: 1,4 milhão de habitantes, orçamento de R$ 8 bilhões e 471 quilômetros quadrados de área. Mas a Capital também tem números expressivos que simbolizam desafios a serem superados pelo futuro prefeito ou futura prefeita, cujo nome deverá ser conhecido ainda na noite deste domingo (29) de eleições.
No campo das finanças, a Previdência municipal enfrentará pelos próximos anos déficits superiores a R$ 1 bilhão, que exigem desembolso da prefeitura e pressionam as contas públicas. No setor da saúde, há 55 mil pessoas em filas de espera por consultas especializadas — cenário agravado nos últimos meses em razão do impacto da pandemia de coronavírus sobre toda a rede de atendimento.
Veja, a seguir, uma dezena de cifras que representam equações a serem resolvidas ou amenizadas pelas futuras administrações da cidade em áreas como saúde, mobilidade, segurança ou educação.
As próximas administrações da Capital – e não somente a que assumir em janeiro — terão de lidar com um rombo bilionário no sistema previdenciário municipal. O modelo de repartição simples, que engloba os servidores efetivados até 2001 (depois disso, foi criado um modelo de capitalização mais sustentável), apresentou déficit de R$ 1 bilhão no ano passado. Projeções indicam desequilíbrio superior a esse patamar até 2041.
Estava previsto resultado negativo de R$ 1,3 bilhão em 2020, mas a conta deve fechar em R$ 1,1 bilhão em razão de aposentadorias previstas que acabaram não sendo solicitadas. Mas nada que altere o quadro geral.
— Esse déficit precisa ser compensado com recursos do município, o que representa um peso muito grande quando consideramos que todo o orçamento da cidade é de cerca de R$ 8 bilhões — avalia o diretor-geral do Departamento Municipal de Previdência (Previmpa), Renan Aguiar.
Entre as decisões que caberão aos futuros gestores estão propor ou não ampliar as idades e o tempo de contribuição mínimos para requerer o benefício — o que reduziria as despesas, mas enfrentaria forte oposição do funcionalismo. Aguiar afirma que, hoje, o município exige 60 anos para homens e 55 para mulheres — com a reforma da Previdência, os patamares poderiam ser alterados para 65 e 62 anos, respectivamente.
Porto Alegre ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar a universalização de um serviço que garante alto retorno em termos de qualidade de vida e saúde pública. Até o momento, a Capital consegue tratar apenas 57% do esgoto que produz, o que resulta em impactos sociais e ambientais.
A capacidade instalada no município, conforme o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) é superior a essa taxa. A cidade tem condições de depurar 80% do volume gerado, mas esbarra em desafios como a falta de ligação entre muitos imóveis e a rede coletora que conduz o esgoto até as unidades de tratamento.
Conforme a assessoria de comunicação do Dmae, há projetos em andamento ou com previsão de início nos próximos meses, como implantação de redes coletoras, ampliação da Estação de Tratamento de Esgoto Sarandi, entre outras iniciativas. Um dos problemas a ser resolvido, porém, seguirá sendo garantir a ligação de mais domicílios à rede de coleta do município.
A pandemia agravou um antigo problema da cidade: as longas filas de espera por consultas de especialidades como oftalmologia ou saúde mental. O mais recente relatório de transparência da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) indica que, em outubro, havia 55.715 pessoas no aguardo por um médico especialista.
A maior demanda é por oftalmologia para adultos, com mais de 9 mil inscritos. O tempo de espera, porém, é relativamente baixo nesse caso em razão da oferta de consultas: 17 dias. Outras especialidades têm prazo de espera bem maior, como reabilitação auditiva (2,4 mil pessoas na fila e média de 1.224 dias de espera) ou cirurgia bariátrica (1,9 mil pacientes e 1.145 dias).
Secretário-adjunto da Saúde da Capital, Natan Katz afirma que a SMS chegou a reduzir a fila para menos de 40 mil usuários no começo do ano, mas a pandemia voltou a piorar os números.
— Pesquisas indicam que a fila de espera é o problema que os usuários do SUS mais gostariam de resolver. Mas consideramos que algo próximo a uma fila de 40 mil pessoas já seria adequado, porque oferecemos de 20 mil a 25 mil primeiras consultas por mês. Zerar essa fila significa que teríamos médicos sem ter o que fazer — observa Katz.
O secretário-adjunto lembra ainda que a situação da fila é desigual — algumas exigem poucos dias de espera, enquanto outras especialidades podem exigir vários meses. Equacionar essa relação seguirá como uma tarefa importante pelos próximos quatro anos.
Melhorar o desempenho precário dos estudantes da rede municipal segue como um dos principais temas de casa para os ocupantes da cadeira de prefeito. Em comparação com outras capitais, o cenário gaúcho é desolador.
O município alcança nota 4,9 nos anos iniciais e 3,7 nos anos finais do Ensino Fundamental pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019. Isso coloca a cidade em 25º e 21º lugares do ranking nacional, respectivamente, embora Porto Alegre figure entre as primeiras colocadas em quesitos como gasto anual por aluno (média de R$ 17 mil entre 2014 e 2018, o mais alto entre as capitais nesse período).
Uma das justificativas para o mau resultado costuma ser o nível socioeconômico do alunado, mas um relatório de 2017 do Tribunal de Contas do Estado (TCE) demonstrou que Porto Alegre tinha a quarta melhor situação entre as capitais do país nesse quesito.
A atual gestão adotou medidas como a reorganização do calendário escolar para aumentar o número de horas em sala de aula com o professor titular. Porém, os resultados mais recentes do Ideb comprovam que será preciso aprofundar as reformas para alcançar resultados melhores.
Há dois desafios associados por resolver na Capital: além de recuperar o nível de emprego dos pais, é preciso ampliar a oferta de creches onde possam deixar os filhos. Porto Alegre ainda tem um déficit de aproximadamente 6 mil vagas concentrado na etapa de zero a três anos da Educação Infantil.
O secretário municipal da Educação, Adriano Naves de Brito, afirma que a cidade já consegue dar conta da demanda por pré-escola (quatro e cinco anos). A prefeitura elaborou um plano para resolver a carência nas creches — mas isso não ocorreria antes de cinco anos. A ideia, a ser confirmada pelas próximas gestões, é oferecer mil vagas a mais por ano ao longo desse prazo.
— Como, por razões demográficas, há uma tendência de queda nas matrículas, ao final desses cinco anos a oferta estaria adequada à demanda — observa Brito.
A principal estratégia é garantir lugar em entidades comunitárias conveniadas. Para isso, o valor oferecido pelo município por criança subiu de R$ 333 em 2016 para R$ 603. Esse recurso seguiria aumentando ao longo dos cinco anos previstos, com um acréscimo adicional para escolas menores (entre outras razões, para estimular uma maior capilaridade da rede).
As dificuldades econômicas dos últimos anos agravaram um problema crônico em Porto Alegre: a quantidade de pessoas vivendo nas ruas. Conforme levantamento realizado por equipes de abordagem social da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), entre janeiro do ano passado e outubro de 2020 foram identificados 3.369 homens e mulheres em situação de rua na Capital.
Em 2016, uma pesquisa específica para dimensionar a população nessas condições, realizada pela Fasc em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), havia localizado 2.115 pessoas ao relento — com um crescimento de 57% em relação a 2011, o que sugere que esse é um problema que vem se intensificando há muito tempo e sob diferentes administrações na cidade.
Por meio da assessoria de comunicação, a Fasc sustenta que ampliou as equipes de atendimento e passou a oferecer esse serviço 24 horas, aumentou as vagas em abrigo de 238 para 463 e oferece 700 refeições ao dia por meio do programa Prato Alegre, entre outras iniciativas. Uma solução definitiva, porém, seguirá como desafio para a próxima administração.
Um dos maiores obstáculos a um sistema viário mais eficiente e sustentável em Porto Alegre é a decadência sem precedentes do transporte público. O ônibus, coração desse sistema, perdeu quase um terço de seus usuários pagantes entre 2010 e o ano passado: a quantidade de pessoas transportadas recuou 31%.
Resgatar a viabilidade do transporte coletivo, que limita o número de veículos nas ruas e reduz emissão de poluentes, enfrenta dificuldades como a concorrência com os aplicativos de transporte. Uma série de medidas, conforme a EPTC, chegou a ser enviada à Câmara para baratear o valor do bilhete e revitalizar o transporte público.
Foram propostas ações capazes de reduzir o preço da passagem (hoje em R$ 4,55), mas não avançaram em razão de dificuldades políticas entre o Paço Municipal e os vereadores. Entre elas estavam a aplicação de uma tarifa às empresas de transporte por aplicativo e a polêmica tarifa de congestionamento, que cobraria um valor para veículos de outros municípios circularem na Capital. Quando apresentou as medidas, em março, o prefeito Nelson Marchezan afirmou que seriam capazes de deixar a passagem em R$ 3,70.
Lançado há mais de uma década, o Plano Diretor Cicloviário Integrado de Porto Alegre mapeou 495 quilômetros de ruas e avenidas destinados a receber vias próprias para bicicletas, mas desde então avançou em ritmo de passeio.
Da malha desenhada em 2009, foram implantados 58,8 quilômetros — cerca de 12% do potencial identificado na cidade. Ampliar essa rede é uma das formas de reduzir o uso do automóvel, o que tem impacto positivo sobre o trânsito e o ambiente, além de estimular hábitos mais saudáveis entre a população.
A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) sustenta que 9,2 quilômetros foram implantados apenas em 2020, o que indica uma aceleração do cumprimento do plano. Além disso, conforme nota da EPTC, outros 45 quilômetros já têm financiamento aprovado pela Caixa como parte do programa Avançar Cidades – Mobilidade do Ministério de Desenvolvimento Regional.
O cumprimento desse projeto resultaria em pouco mais de cem quilômetros de ciclovias em Porto Alegre — o que quase dobraria o percentual de implantação do plano cicloviário, mas ainda deixaria um longo caminho a ser percorrido.
A próxima gestão de Porto Alegre deverá lidar um problema comum a qualquer grande cidade brasileira: os crimes contra a vida. No ano passado, 318 pessoas foram vítimas de homicídio doloso na Capital — o equivalente a um assassinato a cada 27 horas e meia.
Embora a gestão da Brigada Militar e da Polícia Civil seja estadual, é consenso entre especialistas que prefeitos devem se somar à prevenção da violência por meio de ações como iluminação pública, organização do espaço urbano ou cercamento eletrônico (monitoramento de placas de veículo, medida adotada pela atual administração).
O cenário atual corresponde a uma taxa aproximada de 21 homicídios por 100 mil habitantes, ainda bem acima do limite de 10 por 100 mil considerado “tolerável” pela Organização Mundial da Saúde. A boa notícia é que o principal desafio do próximo prefeito será ajudar a manter uma tendência de queda nesse indicador de violência. A quantidade de mortes caiu 40,7% entre 2018 e o ano passado, mantendo uma linha descendente registrada desde o ano anterior também.
A pandemia tirou a vida de 1,5 mil pessoas na Capital, mas também provocou estragos consideráveis no cotidiano de quem não sucumbiu ao novo vírus. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) revelam que, de janeiro a setembro, mais de 25 mil vagas de trabalho foram fechadas em Porto Alegre. Recuperá-las será uma das tarefas primordiais ao longo dos próximos meses.
O impacto da covid-19 sobre a economia da cidade foi mais intenso logo no começo das medidas de restrição à circulação — necessárias para reduzir a transmissão do vírus e evitar um agravamento ainda mais severo. Em abril, houve 14,1 mil demissões a mais do que contratações.
Um sinal inicial de recuperação foi dado em setembro, primeiro mês após a chegada da covid em que houve mais admissões do que dispensas — o saldo positivo ficou em 2.283 postos de trabalho. O recrudescimento da pandemia nas últimas semanas, quando voltou a aumentar o número de internações em unidades de terapia intensiva (UTIs) poderá resultar em uma nova mudança nessa tendência.
O “estoque” de vagas da Capital, conforme os dados do Caged, era de 520.141 em setembro, período mais recente com informações disponíveis.