A menos de 48 horas da decisão do segundo turno, os candidatos à prefeitura de Porto Alegre Manuela D´Ávila (PCdoB) e Sebastião Melo (MDB) se encontraram frente a frente, nesta sexta-feira (27), no derradeiro debate da campanha, promovido pela RBS TV. Seguindo rígido protocolo sanitário, a troca de ideias teve início às 22h30min e refletiu a atmosfera dos últimos dias da disputa, com críticas e ataques em meio à discussão de propostas para a cidade.
Os concorrentes chegaram à RBS acompanhados de dois assessores (foi permitido que cada postulante levasse apenas um auxiliar, ao contrário de anos anteriores). Antes de ingressar no prédio, ambos tiveram a temperatura aferida. Melo marcou 36°C. Manuela, 36,5°C.
Nos bastidores, o primeiro encontro entre os concorrentes ocorreu às 21h39min. Ao ser levada à sala onde ficaria até o início do programa, Manuela viu o candidato a distância e o cumprimentou de longe.
— Oi, Melo! — disse a ex-deputada.
Sentado em um sofá de couro preto, a cerca de 10 metros, Melo limitou-se a responder com um "opa", sem se levantar. Manuela seguiu em frente. Logo depois, a jornalistas, o ex-vice-prefeito mostrou duas pastas pretas, com dossiês contra a opositora. Um deles trazia o nome de Rodrigo Maroni (PROS), que, em debates passados, desferiu ataques contra a ex-parlamentar.
— Se ela me atacar, eu uso — afirmou.
No estúdio, onde a mediação ficou a cargo da jornalista Daniela Ungaretti, eles foram separados por chapas de acrílico transparentes. Melo foi o primeiro a perguntar e começou questionando a oponente sobre parcerias público-privadas (PPPs) e o fato de ela ser contrária às PPPs no saneamento básico.
Em resposta, Manuela confirmou não ser a favor da PPP envolvendo o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae).
— Tenho ouvido tu dizeres que não só queres estabelecer PPP no Dmae, como queres privatizar a Carris e a Procempa. Realmente, eu, apesar de ter votado favoravelmente às PPPs quando era vereadora, porque eventualmente podem ser necessárias quando bem executadas, como no caso da iluminação pública, sou frontalmente contrária a PPP no Dmae, em primeiro lugar, porque o Dmae é superavitário. Em segundo lugar, porque as experiências nos mostram que a água fica mais cara. Em Uruguaiana, a tarifa é quase o dobro de Porto Alegre. Então, na verdade, às vezes tu gritas “ah, parceria público-privada na veia”. Não, a PPP vai prejudicar o bolso das mulheres e dos homens das nossas comunidades. O Dmae tem dinheiro — afirmou Manuela.
Melo então aproveitou o assunto para sublinhar as distinções entre os dois:
— Nós temos dois projetos muito diferentes. Penso que o Brasil quebrado como está, os municípios, por extensão do Brasil, têm de fazer muitas parcerias. Temos 30% do esgoto que não é tratado. Se eu for prefeito, vou fazer parceria para tratar o esgoto, como vou ampliar as parcerias com as creches e vou manter as parcerias na saúde, que estão dando certo, porque não há dinheiro público para isso. O cidadão quer ter esgoto tratado. Não quer saber se é público ou privado.
Na tréplica, Manuela concordou com Melo ao afirmar que, de fato “realmente são dois projetos muito distintos”.
— Um (projeto) defendendo PPP no Dmae, mesmo sabendo que a água pode custar o dobro para os cidadãos e as cidadãs, que defende a privatização da Carris, mesmo sabendo que a Carris é a empresa que garante a qualidade do nosso transporte e que atende as mulheres e os homens mais pobres. Estamos diante de dois caminhos. Um representa o abandono da cidade, as obras inacabadas, aquilo que já não deu certo. E nós representamos o caminho da mudança, uma mudança comprometida com ampliação do conveniamento nas creches e na assistência, porque isso dá certo. Uma mudança comprometida com parcerias público-comunitárias e não em entregar o que é do povo — disse a ex-deputada.
Na sequência, em novo bloco de perguntas, Manuela decidiu tratar do tema das fake news:
— Pior que as fake anônimas, são as fake news postadas de maneira pública e assinadas. Hoje o senhor postou nas suas redes uma fake news ao meu respeito, relacionada com a delação da Odebrecht, que já foi arquivada, a pedido do próprio Ministério Público. Eu me pergunto: em qual Melo a gente deve acreditar? Naquele que defende o alto nível do debate nas entrevistas ou naquele que autoriza a sua campanha a mentir nas redes sociais?
Incomodado, Melo rebateu. Começou criticando Manuela pelo fato dela se apresentar como novidade, mesmo tendo o PT como aliado, o PT “que quebrou esse país”. Em seguida, retomou o tema das mentiras e boatos.
— A senhora perdeu cinco ações nos últimos dias porque a sua turma praticou fake news contra a minha campanha, acusações gravíssimas. Eu vou manter o mesmo nível da campanha. Estou aqui para discutir com o cidadão as soluções urbanas. Vamos aterrissar em Porto Alegre, vamos falar das coisas que dizem respeito à vida das pessoas — provocou Melo.
Manuela argumentou, então, que tem tentado debater a cidade “exaustivamente” com ele e trouxe o bolsonarismo, vinculado a Melo, para o debate:
— Hoje saiu um estudo nacional que aponta que 90% das ofensas na internet no segundo turno foram dirigidas a mim. Eu quero debater Porto Alegre e isso, para mim, significa enfrentar uma cultura do ódio criada a partir do governo do governo do presidente Jair Bolsonaro. Debater Porto Alegre é também oferecer o exemplo. Precisamos mostrar aos nossos filhos e às nossas filhas, que a política não precisa ser espaço de violência. Eu lhe convido para fazer isso, sem entrar na esfera do ódio e da violência que Bolsonaro tem estimulado e impregnou nessa campanha.
O clima seguiu tenso, com Melo acusando Manuela de dizer “uma coisa” e fazer “outra”.
— A nossa cidade é uma cidade cortada. Somos o que somos graças a tantas etnias, então, fazer essa divisão, botar branco contra negro, rico contra pobre, nós e eles, esse não é o caminho que a nossa cidade quer. Um prefeito tem de governar para todos. Se eu for prefeito, vou governar para todos os porto-alegrenses e não dividir a cidade — garantiu.
O debate prosseguiu, com a abordagem de temas como enfrentamento da pandemia, atenção básica de saúde, reabertura das atividades econômicas, vagas na Educação Infantil e transporte público.
Nas considerações finais, ambos baixaram o tom e pediram apoio. Primeira a falar, Manuela disse estar agradecida por ter chegado ao segundo turno e por ter tido mais 13 dias para debater caminhos para Porto Alegre. Disse esperar que as pessoas acreditem que “mudar é possível”.
— Às vezes, quando estamos diante da mudança, tentam nos assustar. Não acredite. Escute o seu coração. Se escolher os mesmos de sempre, vão continuar os mesmos problemas na cidade. Eu sou candidata a garantir que Porto Alegre retome a atividade econômica, mas eu sei que a cidade vive uma situação dramática. Quero governar para todos, de verdade. E todos são as pessoas que vivem em todos os bairros. Quero a possibilidade de ser a primeira prefeita de Porto Alegre, porque sei que a política pode mudar a vida das pessoas — concluiu Manuela.
Por fim, Melo tomou a palavra e começou ressaltando que se preparou para ser prefeito. Lembrou do passado, quando chegou na Capital, no fim dos anos 70, vindo do Centro-Oeste e foi acolhido pela cidade. Recordou dos primeiros passos na advocacia e do fato de ter entrado na política, também, para defender a democracia. Depois, falou de seus propósitos.
— Quero ser um prefeito para melhorar a vida da cidade e a vida das pessoas. O prefeito tem de trabalhar, primeiro, para entregar melhores serviços. Um prefeito precisa ter um projeto de desenvolvimento econômico num momento de extrema delicadeza como o que vivemos. É com esse olhar, do desenvolvimento econômico, porque sem isso não há proteção social, que nós queremos governar essa cidade — afirmou Melo.
A RBS também promoveu debates em outros três municípios do Estado, cuja eleição se encerra no próximo domingo: em Caxias do Sul, com Adiló Didomenico (PSDB) e Pepe Vargas (PT), Pelotas, com Ivan Duarte (PT) e Paula Mascarenhas (PSDB), e em Santa Maria, reunindo Jorge Pozzobom (PSDB) e Sérgio Cechin (PP).
Canoas, que recebe o sinal de TV de Porto Alegre e também tem segundo turno, tinha o evento previsto para as 15h da última quinta-feira, mas o programa acabou cancelado após a confirmação de que um dos concorrentes, Luiz Carlos Busato (PTB), testou positivo para covid-19.