Na briga pela vitória, os dois candidatos à prefeitura de Porto Alegre alçados ao segundo turno disputam votos brancos, nulos e abstenções — os maiores vencedores da eleição até aqui. Para convencer os eleitores céticos de que vale a pena sair de casa e escolher um dos dois nomes, Sebastião Melo (MDB) e Manuela D’Ávila (PCdoB) apostam em aprofundar propostas, marcar terreno e realçar diferenças.
Na soma, 437 mil pessoas deixaram de ir às urnas ou não optaram por nenhum postulante, mais do que o eleitorado de Melo (200,3 mil) e de Manuela (187,3 mil) juntos. Considerando o total de eleitores registrados na Capital, isso representa 40,4%.
O índice de ausências, que, sozinho, chegou a 33,08%, foi o maior entre as capitais e superou o registrado em 2016 (22,5%). Na eleição da pandemia, nada menos do que 358,2 mil votantes (algo próximo à população de Canoas) decidiram não participar. Em média, as 10 zonas eleitorais da Capital registraram 35,8 mil faltas cada uma. Em todas elas, as abstenções superaram os votos computados individualmente pelos finalistas.
A campeã de faltosos foi a 2ª Zona Eleitoral, que é mais central, se estendendo do Bom Fim até bairros como Moinhos de Vento e Floresta. Em seguida, veio a 112ª, na faixa norte da cidade, pegando Sarandi e arredores. Em ambas, Melo ganhou de Manuela, mas os dois “perderam” para os ausentes.
Assim que os resultados vieram à tona, a dupla passou a direcionar esforços para sensibilizar esse público. Em desvantagem no placar, Manuela disse, ainda na noite de domingo (15), que a causa da omissão recorde não foi apenas o receio da covid-19, mas também o cansaço diante da política e do baixo nível da disputa.
— Nossa estratégia continua a mesma neste segundo turno: vamos apresentar propostas, desmentir fake news e esperamos que o nível da campanha se eleve. E também vamos falar para as pessoas sobre a importância do voto, sobre como isso é o que garante a mudança, sempre falando de pautas muito presentes na realidade delas — destaca a candidata.
Para reforçar a mobilização, a campanha de Manuela espalhou 60 bancas de divulgação pela Capital, principalmente no Centro, por onde circulam moradores de todos os bairros. A ordem é, usando máscara, álcool gel e respeitando o distanciamento, entregar panfletos e mostrar que Manuela é genuína opção de mudança e que apenas com ela a cidade pode ser diferente. A candidata também será diferenciada de Melo pelas posições antagônicas ao bolsonarismo.
Outra aposta da candidatura para captar eleitores ausentes é replicar mensagens de apoiadores famosos, de Gilberto Gil a Marina Silva (Rede). Nos bastidores, há a esperança de que isso possa ajudar, inclusive, a atrair simpatizantes de Nelson Marchezan (PSDB), cujos votos interessam aos dois adversários — vale lembrar que o atual prefeito ficou em terceiro lugar e teve a chancela de 136 mil pessoas, chegando em segundo em duas zonas: a 111ª e a 112ª.
Vencedor no primeiro turno, Melo também tem dedicado atenção aos eleitores que não votaram, porque sabe que, com esses votos, pode consolidar o favoritismo sobre Manuela e sepultar qualquer chance de reviravolta no dia 29. No primeiro debate do segundo turno, promovido pela Rádio Gaúcha, ele deixou claro que a estratégia de ação envolve “reafirmar posições”.
Isso significa, principalmente, reforçar a decisão de reabrir a economia e de evitar novos fechamentos no comércio, na indústria e nos serviços, um dos lastros do programa de governo do ex-vice-prefeito. O plano passa, ainda, por apresentar Melo como gestor experiente, capaz de tirar a cidade da crise, e por sublinhar as distinções entre ele e a oponente, apontando Melo, que tem o apoio de bolsonaristas, como alternativa à esquerda. A avaliação é de que isso ajudaria, também, a atrair o eleitorado de Marchezan.
— A forma de atrair o eleitor é ter clareza no projeto que tu representas. É o que nossa campanha se esforça enormemente para fazer nas redes, no rádio e na TV, no Whats, enfim, em todas as plataformas. Queremos mostrar o que defendemos para o presente e o futuro da cidade. No segundo turno, confrontam-se biografias e projetos. Para mim, está muito clara a diferença entre os dois projetos, mas, talvez, não esteja tão claro para o eleitor — afirma Melo.
Apesar dos esforços das duas campanhas, nada garante, na avaliação do cientista político Rodrigo González, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que Melo e Manuela tenham êxito na tentativa de fazer com que 437 mil eleitores que não votaram em ninguém mudem de ideia em tão pouco tempo. Além de faltar poucos dias para a votação, a eleição de 2020 é uma das mais atípicas dos últimos anos.
— É uma tarefa inglória. Em geral, a tendência do primeiro para o segundo turno é aumentar a abstenção, não diminuir, porque as pessoas têm as opções reduzidas e podem não se sentir representadas por nenhuma das alternativas. Em condições normais, já seria complicado reverter isso. Com a pandemia, parece ainda mais difícil — avalia González.