A eleição é para prefeito, mas convêm aos eleitores porto-alegrenses dedicar especial atenção a quem divide a chapa com os candidatos ao Paço Municipal. Pelo menos quatro dos vice-prefeitos eleitos nas últimas oito eleições acabaram governando a cidade, seja por renúncia do titular do mandato ou por êxito próprio nas urnas em disputas seguintes.
A eleição de 2020, aliás, mostra o quanto o cargo pode servir como trampolim para voos políticos mais altos. Concorrem a prefeito, por exemplo, o atual vice (Gustavo Paim, do PP), o vice da gestão anterior (Sebastião Melo, do MDB), uma ex-candidata a vice (Juliana Brizola, do PDT) e um ex-prefeito que por duas administrações foi vice (José Fortunati, do PTB).
Todavia, há mais novidade do que tradição no segundo posto das quatro candidaturas que lideram a mais recente pesquisa do Ibope. À exceção de Miguel Rossetto (PT), vice de Manuela D'Ávila (PCdoB) e de larga trajetória eleitoral, os demais concorrentes são novatos nas urnas.
Ricardo Gomes (DEM), vice de Melo, está recém em sua segunda eleição, após se eleger vereador em 2016. Já André Cecchini (Patriota), vice de Fortunati, e Tânger Jardim (PSL), vice de Nelson Marchezan (PSDB), estão debutando na carreira política. Confira abaixo as motivações e uma pouco da história de vida de cada um deles:
Cecchini e a vocação para a saúde
Com quase três décadas de carreira na medicina, André Cecchini (Patriota) chefiava o setor de neurologia do Hospital Cristo Redentor quando foi surpreendido com um convite para assumir a presidência do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em 2018. O presidente Jair Bolsonaro recém havia sido eleito e havia algumas semanas ele vinha abastecendo aliados do então futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, com informações sobre a estrutura do GHC.
Embora acumulasse sete anos de experiência na gestão de uma equipe de cem pessoas, Cecchini titubeou ante o gigantismo do desafio de administrar a maior rede pública hospitalar do sul do país, cujo orçamento bilionário emprega 9,2 mil pessoas. O neurocirurgião tirou férias com a família na virada do ano e, no sossego de uma praia nordestina, decidiu aceitar o convite.
— Era uma função técnica, mas ali foi meu ingresso na vida pública — lembra Cecchini, 54 anos.
Nascido em Porto Alegre, o médico agora dá um passo adiante. Ao deixar a direção do GHC, em abril, ele projetava concorrer a vereador. Os planos mudaram após ele ser chamado pela direção do Patriota para disputar o Paço Municipal. Com a proibição de alianças na eleição proporcional, a legenda precisava de um candidato a prefeito para reforçar as chances da nominata à Câmara de Vereadores. Cecchini topou e já estava planejando a pré-campanha quando começou o assédio dos demais partidos.
— Fora a esquerda, quase todo mundo me convidou para ser vice. Acabamos fechando com o Fortunati, uma pessoa com quem tenho muita afinidade no modo de ver a política, sem maniqueísmos — conta Cecchini.
Já tive alguns conversas com o Fortunati sobre meu papel num eventual governo. Irei atuar na saúde
ANDRÉ CECCHINI
Candidato a vice-prefeito na chapa de Fortunati
Eleitor de Bolsonaro, não se considera um político de direita. Diz já ter votado no PT quando jovem e que atualmente não acredita mais na esquerda, mas comunga de alguns ideais caros à corrente ideológica, como a visão de que os governos precisam se fazer presente em alguns setores, sobretudo cuidando de quem mais precisa, com assistência médica e social.
Filho de um neurologista e de uma enfermeira, Cecchini carrega a saúde no DNA da família. Dos seis irmãos, apenas um não seguiu carreira na área. Casado com a ginecologista Lúcia Cecchini, é pai de Gabriela, 23 anos, Tiago, 22, e Manuela, 16. Se a chapa for vitoriosa nas urnas, pretende usar seus conhecimento para ajudar na gestão da saúde municipal.
— Já tive alguns conversas com o Fortunati sobre meu papel num eventual governo. Irei atuar na saúde. Em qual função, não definimos ainda — comenta.
Jardim e o desejo de participar
O advogado Gustavo Tânger Jardim tinha 15 anos em 1990, quando ficou fascinado durante uma visita à Sogipa. O então adolescente não foi ao clube assistir alguma competição esportiva, mas acompanhar o pai, juiz eleitoral, em vistoria à apuração eleitoral da disputa ao governo do Estado. A profusão de gente contando votos foi o mais perto que Jardim esteve do universo político até o ano passado, quando decidiu se filiar a um partido.
Advogado formado pelo PUCRS, ele havia voltado à universidade para cursar um mestrado. Nos intervalos das aulas, conversava com o professor Bruno Miragem, ex-integrante do governo de Nelson Marchezan na Capital e que em 2018 tinha concorrido a vice-governador pelo Novo.
— Eu queria entender por que alguém bem sucedido profissionalmente ingressava na política, um ambiente que até então eu considerava cheio de gente má intencionada — conta Jardim.
As conversas despertam nele o desejo de concorrer a vereador, mesmo diante da resistência inicial da família, sobretudo da mulher, Ana Paula, e dos dois filhos, Artur, 22 anos, e Pedro, 12. O passo seguinte foi escolher o partido. Após analisar vários estatutos e programas, escolheu o PSL, identificado pelo discurso contra a corrupção e de ocupação dos cargos públicos por gestores técnicos.
— Eu sempre admirei o Brizola e por muito tempo votei no (ex-deputado do PDT) Vieira da Cunha, mas sabia que não iria me filiar a um partido de esquerda, depois de tudo que eles fizeram no governo federal. Até discordo de alguma coisa do presidente Bolsonaro (eleito pelo PSL), mas vi ali um partido diferente, sem os vícios dos partidos tradicionais — explica.
Sempre admirei Marchezan pela preocupação social e apoio ao empreendedorismo da iniciativa privada
GUSTAVO TÂNGER JARDIM
Candidato a vice-prefeito na chapa de Marchezan
Aos 45 anos, servidor concursado da Caixa Econômica Federal, onde atua no setor jurídico, Jardim se licenciou do cargo e passou a se dedicar à própria campanha. No início de setembro, foi chamado pelo então presidente do PSL no Estado, o deputado federal Nereu Crispim. O partido iria indicar o vice na chapa de Marchezan e ele havia sido escolhido. Topou na hora. Desde então, passa os dias no comitê central, em agendas de rua e ajudando os candidatos a vereador da coligação.
— Votei no Marchezan em 2016 e sempre o admirei pela preocupação social e apoio ao empreendedorismo da iniciativa privada. Agora estamos junto e tenho aprendido muito com ele, inclusive quando sou atacado nos debates dos vices. Mas se estão batendo é porque estamos no caminho certo — pontua.
Gomes e a liberdade como inspiração
Instigado pelas aulas de Direito Constitucional, Ricardo Gomes foi até a biblioteca da PUCRS e pediu o livro O Liberalismo Segundo a Tradição Clássica, do economista austríaco Ludwig von Mises. Publicada pela primeira vez em 1927, nas décadas seguintes, a obra inspiraria gerações de políticos, empresários e estudiosos de teoria econômica, tendo especial influência no governo do presidente americano Ronald Reagan (1981-1989). Gomes estava nos primeiros semestres da faculdade, em 1999, e, ao olhar a ficha de locação do livro, percebeu que ninguém o havia requisitado desde 1991.
— Esse era o tamanho do liberalismo em Porto Alegre naquela época — comenta o vereador do DEM, 40 anos, candidato a vice-prefeito na chapa de Sebastião Melo (MDB).
Desde então, Gomes devotou cada vez maior entusiasmo às teses de Mises, fazendo do ideário sua principal plataforma política. Formado em 2003, o filho de um casal de advogados passou a atuar na banca da família, defendendo empresas em processos trabalhistas ao mesmo tempo em que se dedicava a entidades como o Instituto Liberal e o Instituto de Estudos Empresariais. À frente do 25º Fórum da Liberdade, trouxe a Porto Alegre expoentes do pensamento como o executivo Roger Agnelli, o consultor Vicente Falconi e o pensador Álvaro Vargas Llosa. A atividade o mantinha aproximado da classe política, mas jamais havia cogitado disputar cargos eletivos.
— Eu já era filiado ao DEM, mas jamais me envolvi muito. Na época, estávamos num dilema se devíamos conquistar corações e mentes e depois partir para as transformações políticas ou primeiro entrar na política para depois buscar corações e mentes. Eu fiquei dando cursos e palestras — lembra.
Temos um acordo fechado em torno de inúmeras propostas liberais
RICARDO GOMES
Candidato a vice na chapa de Sebastião Melo
A disposição veio em 2016, após dois anos atuando como chefe de gabinete do então deputado estadual Marcel van Hattem, amigo que havia ajudado a eleger. Eleito vereador pelo PP, Gomes assumiu a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico do governo Nelson Marchezan, mas pediu demissão por discordar do aumento no IPTU. De volta à Câmara, se tornou inimigo político do prefeito.
Casado com a Paola e padrasto de Valentim, cinco anos, Gomes era candidato à reeleição, mas sua defesa enfática da construção de uma frente de centro-direita para enfrentar Marchezan e Manuela D'Avila (PCdoB) o conduziram ao DEM e à chapa encabeçada por Melo.
— Temos um acordo fechado em torno de inúmeras propostas liberais capaz de sustentar o desenvolvimento da cidade — garante.
Rossetto e o ativismo militante
O técnico em mecânica industrial Miguel Rossetto mal havia completado 18 anos e trabalhava de metalúrgico na Gedore, em São Leopoldo, quando teve os primeiros contatos com a Pastoral Operária. Era 1978, a ditadura militar dava sinais de esgotamento, e o filho de um casal de servidores públicos com forte inflexão católica se interessou pela doutrina religiosa que pregava liberdade política e organização sindical. Não tardou para aderir ao movimento. Dois anos depois, Rossetto fundaria o PT no Rio Grande do Sul, dando origem a uma trajetória partidária de quatro décadas que fez dele deputado federal, vice-governador e, por quatro vezes, ministro de Estado.
— A gente lutava por democratização, contra o que se chama de sindicatos pelegos, para que fosse um órgão de classe, de luta, que ficasse ao lado dos trabalhadores. Depois fundamos o PT, a CUT e vieram as grandes lutas nacionais, como a campanha pelas Diretas Já — lembra Rossetto, candidato a vice na chapa de Manuela D'Ávila (PCdoB).
A estreia nas urnas foi em 1982, quando tentou se eleger deputado estadual. No ano seguinte, aprovado no concurso da Petrobras, Rossetto se mudou para Porto Alegre e passou a trabalhar no polo petroquímico de Triunfo. Presidiu o SindiPolo de 1986 a 1992 e, dois anos mais tarde, se elegeu deputado federal. Em Brasília, fez oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso e se notabilizou por defender mudanças na Lei Kandir. Na volta ao Estado, foi vice-governador na gestão de Olívio Dutra (1999-2002), cargo em que ganhou fama como "homem forte" do governo graças à fluente articulação política.
Vamos mostrar que é possível superar as dificuldades com um projeto novo, ousando ainda mais
MIGUEL ROSSETTO
Candidato a vice na chapa de Manuela
— Governar é um exercício de diálogo e toda mudança gera resistência. Nossa governo era de transformação e isso exigiu esse diálogo permanente, mas também firmeza e capacidade de execução — lembra.
Com a chegada do PT à Presidência, Rossetto voltou a Brasília. Foi ministro do Desenvolvimento Agrário (duas vezes), da Secretaria-Geral e do Trabalho e Previdência, além de presidir a Petrobras Biocombustível. Concorreu ao Senado, em 2006, e ao governo do Estado em 2018, sem obter êxito. Agora, aos 60 anos, faz parte de outro momento histórico do PT, na primeira vez em que o partido cede a cabeça de chapa numa disputa pela prefeitura da Capital, cidade que governou por 16 anos.
— Tenho muita identidade com a Manuela, que está preparadíssima para governar Porto Alegre. Vamos mostrar que é possível superar as dificuldades com um projeto novo, ousando ainda mais — afirma o pai do Tomas, 34 anos, do Eduardo, 26, e da Marina, 24.