Estão em uma gaveta da Superintendência de Licitações e Contratos da Secretaria da Fazenda, dois envelopes lacrados que podem mudar o destino de um dos principais pontos turísticos de Porto Alegre. Em 30 de julho, foram protocoladas duas propostas da iniciativa privada para gerir o Mercado Público pelos próximos 25 anos.
Entre as obrigações do gestor privado, estão cerca de R$ 85 milhões estimados em reformas no espaço – cerca de R$ 40 milhões nos primeiros anos, o suficiente para a conclusão da restauração do segundo piso, interditado desde o incêndio de 2013.
Por força da Justiça, porém, as propostas não poderão ser conhecidas até que o Tribunal de Contas do Estado delibere sobre o assunto. No entendimento do relator do caso, o edital de concessão teria de ser autorizado pela Câmara Municipal, o que é contestado pela prefeitura. O município chegou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal pelo direito de dar andamento ao processo, ainda que sub judice, mas teve todos os pedidos negados.
Questionados sobre a concessão do espaço à iniciativa privada, a maior parte dos candidatos recorre a uma espécie de terceira via: seis dizem defender a participação dos atuais permissionários do Mercado Público na gestão do espaço. A atual gestão, todavia, argumenta que essa é uma promessa que os candidatos não podem cumprir.
— Me surpreende ver esse discurso em quem já foi da gestão pública, porque o formato de parceria com os permissionários viável é o atual, com o uso dos termos de permissão de uso das bancas. Para ceder a gestão a um ente privado, sejam os atuais mercadeiros ou não, somente com um edital que tem a obrigação legal de ser aberto à participação de todos. Nunca foi vetado a eles participar da licitação — declara Thiago Ribeiro, secretário de Parcerias Estratégicas, pasta à frente da concessão.
Associação que representa os permissionários, a Ascompec argumenta que, nas mãos de um parceiro privado que vise lucrar com a exploração do espaço, o Mercado Público pode acabar descaracterizado e incapaz de praticar bons preços, se tornando apenas um shopping ou um supermercado localizado no Centro Histórico. Ela contesta ainda o argumento de que a Ascompec poderia ter participado da licitação.
— Pelo contrário. O edital foi concebido para que não conseguíssemos participar, senão associados a um investidor externo, possivelmente de fora da cidade. Esse entendimento da maioria dos candidatos de que podemos buscar uma gestão em parceria vem do consenso de que é um lugar querido demais para Porto Alegre para corrermos o risco de vê-lo descaracterizado — opina Adriana Kauer, presidente da Ascompec.
A associação vem sabatinando os candidatos a prefeito. Já entrevistou 10 deles e, segundo ela, teve o convite ignorado apenas pelo candidato à reeleição, Nelson Marchezan (PSDB).
A prefeitura enxerga a oposição dos permissionários como uma tentativa de reserva de mercado, e argumenta que a preservação das características do Mercado Público está prevista nas mais de 300 páginas do edital. Além de manter intocáveis espaços como o assentamento do Bará e assegurar o direito a manifestações religiosas, o documento proíbe modalidades de venda como o autoatendimento e o uso de carrinhos de supermercado, obriga a renovação dos contratos com os permissionários pelos valores atuais por quatro anos e veta a presença de franquias.
As propostas do edital, seladas nos envelopes, valem por 180 dias. Resta saber se o próximo prefeito escolhido pelos porto-alegrenses estará interessado.
O que pensam os candidatos
GZH fez aos 13 candidatos à prefeitura de Porto Alegre a seguinte pergunta:
Caso eleito, você vai manter a ideia de conceder a gestão do Mercado à iniciativa privada?
Fernanda Melchionna (PSOL): "O Mercado deve continuar popular e não virar shopping. Somos contra sua privatização."
Gustavo Paim (PP): "A concessão será feita, mas aprimorada em diálogo com mercadeiros e usuários. "
João Derly (Republicanos): "Manteremos a concessão, mas num novo modelo, pactuado com os permissionários."
José Fortunati (PTB): "Não. A ideia é torná-lo autossustentável, com parcerias junto aos permissionários."
Juliana Brizola (PDT): "Não. Fortaleceremos o Funmercado, com gestão compartilhada com os permissionários. "
Júlio Flores (PSTU): "Não. Obras públicas vão preservar a memória do Mercado como reparação ao povo negro."
Luiz Delvair (PCO): "Não faremos nenhuma concessão à corrupta iniciativa privada."
Manuela D’Ávila (PCdoB): "Não. Com a participação de todos vamos revitalizá-lo, preservando o patrimônio."
Montserrat Martins (PV): "É uma questão a ser tratada com diálogo com a população, não como um mero negócio."
Nelson Marchezan (PSDB): "Sim. É um investimento de quase R$ 100 mi no patrimônio público, histórico e cultural. "
Rodrigo Maroni (PROS): "Farei plebiscito para escutar a população. "
Sebastião Melo (MDB): "Sim, com características de Mercado Público. Os permissionários tem prioridade."
Valter Nagelstein (PSD): "Vamos encontrar um modelo de PPP para o mercado valorizando os permissionários. "