Aos 62 anos, a agricultora Maria Wastchuk confessa com a tranquilidade de quem, no fim do livro, recorda de uma página que ficou para trás: já foi muito pobre. Quando se casou há três décadas com o marido, o agricultor e pastor evangélico Sergio Wastchuk, 66, os dois tinham só um terreninho de 11 hectares, uma vaquinha e uma casinha. Vieram quatro filhos, mas também outras conquistas: hoje a família tem 17 vacas, mil porcos, 50 hectares de terra, tratores e uma casa reformada. A ascensão social, na visão dela, veio graças ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus programas sociais para o pequeno agricultor. Os Wastchuk são o retrato de grande parte das famílias de Itatiba do Sul, o município que, proporcionalmente, foi o que mais votou no presidenciável Fernando Haddad (PT) no Rio Grande do Sul no primeiro turno.
Em Itatiba do Sul, 60,62% da população votou em Haddad contra 27,30% em Jair Bolsonaro (PSL). O resultado do petista foi mais do que o dobro em comparação a nível nacional (29,28%) e quase o triplo da performance no Rio Grande do Sul (22,81%).
— Antigamente, era mais difícil porque a gente não tinha crédito rural. Minha filha chegou a deixar de estudar por um ano pra gente financiar um refrigerador. Mas no governo PT deu pra financiar terra, máquina e casa a juro baixo. A gente cresceu muito de vida — diz Maria, matriarca da família evangélica.
O município, localizado na divisa com Santa Catarina e a seis horas de distância de Porto Alegre, é uma bolha petista na região do Alto Uruguai, uma das zonas mais pobres do Rio Grande do Sul. Entre Itatiba do Sul e Santa Catarina, há apenas o Rio Uruguai. Mas há, também, um abismo social: do lado de lá, um dos Estados mais ricos da nação e o que mais votou, proporcionalmente, em Bolsonaro. Do lado de cá, sensação de abandono e um forte apreço pelo PT.
Os 3.420 itatibenses vivem no alto de um morro, em uma região inclinada e isolada, sem ligação asfáltica com estradas — uma demanda há décadas da prefeitura. Sem indústria forte para gerar arrecadação, 79,2% do dinheiro da prefeitura vem do Estado e da União. A cidade amarga a 386ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em um total de 497 municípios do Rio Grande do Sul.
— Não fosse o Lula, a gente teria ido para a cidade, e só ganharia um salário mínimo. Mas meu irmão financiou casa aqui no interior, e e eu também consegui ficar por aqui. Com a ajuda do governo, 30% da nossa produção tem saída certa pra merenda escolar e associações — diz o filho mais novo do clã Wastchuk, o agricultor Isaias, 25 anos, que lista um rosário de programas sociais dos quais a família já fez parte.
Em Itatiba do Sul, pouco mais da metade da população vive no campo — quase todos agricultores familiares como os Wastchuk. A economia é baseada em fumo, laranja e criação de porcos. Mas ser pequeno agricultor aqui é difícil: o relevo montanhoso, cheio de pedras, dificulta a vida do produtor e reduz a opção de cultivo. Para piorar, a região carece de grandes centros urbanos, o que enfraquece a demanda. Plantar e criar é para os persistentes.
— Na Serra, o pequeno produtor é mais capitalizado e pode escoar a produção para cidades como Caxias do Sul ou Porto Alegre. Aqui, a agricultura familiar é menos desenvolvida. No ano 2000, toda a população de Itatiba do Sul tinha só três tratores. Agora, 25% das famílias têm, adquiridos por um programa federal. A única cidade grande perto é Erechim, e nem temos ligação asfáltica, o que dificulta o transporte. A população acaba dependendo mais de políticas públicas — diz o agrônomo Clecir Miguel Nonnenmacher, chefe do escritório municipal da Emater, destacando que mais de 90% dos agricultores itatibenses são pequenos produtores familiares.
As políticas mais acessadas para essa população, segundo a prefeitura, são o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), espécie de financiamento a juro baixo para a compra de insumos e equipamentos agrícolas, por 441 produtores (12,9% da população); o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), para a compra de casas no campo, por 340 famílias; e o Programa Nacional de Crédito Fundiário e Banco da Terra, para a compra de terrenos, por cem famílias. Outras cem recebem o Bolsa-Família, mas o número já foi maior: em 2012, eram 394.
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É o percentual de votos válidos de Fernando Haddad em Itatiba do Sul, o melhor desempenho proporcional do candidato do PT no Rio Grande do Sul.
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Longe da roça, na cidade a população elogia a inauguração da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), em Erechim, durante o governo Lula. Mas a menina dos olhos é o Minha Casa, Minha Vida: em Itatiba do Sul, 410 famílias financiaram casas ou reformas. Se cada núcleo familiar tiver quatro pessoas, são 1.640 agraciados, o equivalente a 47,9% da população. Lembrando: 60,62% dos itatibenses votaram em Haddad.
Entre eles, a cabeleireira Elenice Terezinha da Silva, 50 anos, que tem um salão na avenida principal da cidade. O marido, Adão Pessoa da Silva, 56 anos, é dono de uma pequeno construtora que se beneficiou do aquecimento da economia local.
— A cidade melhorou muito no governo do PT. Tivemos mais posto de saúde, reformas em escolas, melhorias no hospital municipal. A construção civil cresceu muito com o Minha Casa, Minha Vida. Muita gente passou a construir e reformar casa. E nós crescemos juntos. Corrupção todo governo tem, mas eles fizeram algo — observa Elenice.
Prefeitura petista há 20 anos
Ainda há outro fator que cultiva o sucesso de Haddad em Itatiba do Sul: o PT está na prefeitura desde 2001, há cinco mandatos consecutivos. Na Câmara municipal, seis dos nove vereadores são de partidos da esquerda. A chefe do Executivo é a prefeita reeleita Adriana Kátia Tozzo, neta do primeiro prefeito da cidade, Antonilo Ângelo Tozzo, que dá nome à avenida principal. Na última eleição, ela ganhou do "adversário": Chicão, hoje do PSB, ex-prefeito da cidade pelo PT.
Na campanha para as eleições de 2018, Adriana e membros ligados à administração bateram de porta em porta para pedir votos a Haddad. Segundo moradores que apoiam Bolsonaro, os eleitores eram informados das conquistas do PT, mas também que o militar reformado dificultaria a aposentadoria para agricultores. As visitas, disse uma moradora que não quis ser identificada, também eram um investimento no futuro: um bom resultado em 2018 ajudará a legenda a seguir no poder nas eleições municipais de 2020.
— Aqui as pessoas reconhecem o trabalho do PT. Eu fui eleita pelas ideias do partido, não por ser a Adriana — diz a prefeita, sem mencionar que é neta do primeiro chefe do Executivo municipal e que há uma escola estadual e vários comércios na cidade com seu sobrenome. — Se temos um governo que não olha para os pequenos municípios, sofremos. Não temos ligação asfáltica, então há uma dificuldade de acesso, o que desestimula as indústrias a virem aqui. As políticas do Lula olharam para a população mais pobre. Na cidade grande, é menos palpável o efeito do programa social. Para nós, faz toda a diferença — acrescenta.
Ficha Técnica
- Região: Norte
- Distância de Porto Alegre: 416 km
- População (2018): 3.420 pessoas
- Ano de emancipação: 1965
- Principal atividade econômica: agricultura familiar
- PIB per capita (2015): R$ 14.051
- IDH: 0,681
- Votos válidos: 2.758 (1.672 votos)
Fernando Haddad (PT): 60,62% (1.672)
Jair Bolsonaro (PSL): 27,3% (753 votos)
Fontes: IBGE, prefeitura de Itatiba do Sul e TSE
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