Ex-prefeito de Porto Alegre, José Fogaça (MDB) estava preparado para disputar a eleição a deputado federal quando recebeu um chamado do partido: assumir o lugar do ex-governador Germano Rigotto — candidato a vice-presidente na chapa de Henrique Meirelles (MDB) — na briga pelo Senado. Convencido de que pode fazer a diferença, aceitou o desafio.
— Quando o Brasil vivia a ditadura, lutei pela democracia. A minha geração provou que é possível virar a página. Agora, queremos que o país mude outra vez, que faça reformas, que supere a estagnação. Por isso estou concorrendo ao Senado. Minha marca será trabalhar pelo futuro, com a juventude — diz.
Aos 71 anos, Fogaça tem quatro décadas de vida pública. Foi deputado estadual e federal, duas vezes senador e, por dois mandatos, comandou a maior cidade do Estado.
É poeta e compositor — o velho teclado tem espaço cativo na biblioteca de sua casa, no bairro Três Figueiras, na Capital, onde recebeu GaúchaZH na última semana.
Fogaça é o primeiro entrevistado da série sobre o que pensam os postulantes ao Senado a respeito de temas relevantes em pauta. As entrevistas serão publicadas a partir desta terça-feira (21), conforme a ordem da pesquisa Ibope divulgada na última sexta-feira.
O senhor é a favor da revisão do foro privilegiado?
Sim. Primeiro, porque o STF já decidiu suprimir o foro dos deputados e senadores, de modo que tem de haver revisão de como isso deve ser regulamentado para os demais poderes. São mais de 50 mil pessoas com foro. É preciso um estudo detalhado e sério.
O senhor é a favor ou contra a reforma da Previdência? Qual deve ser o eixo da mudança?
Votaria não à reforma da Previdência proposta pelo presidente Michel Temer, porque não se chegou a um entendimento.
Mas acho que uma reforma terá de haver, com base em longa e ampla discussão, com a formação de consenso nacional. Não se trata apenas de um cálculo tecnocrático. A reforma não pode sobrecarregar uma só geração e também não pode fechar os olhos para a realidade do enorme déficit que estamos vivendo. É preciso equilibrar essas duas coisas.
E sobre a reforma tributária, qual é a sua posição? Qual seria o modelo ideal?
Sou favorável. A proposta da comissão especial liderada pelo deputado Hauly (Luiz Carlos Hauly, do PSDB-PR) é excelente e está quase pronta para ser votada. Participei da discussão. A ideia é simplificar o sistema, transformar os impostos em um só, o IVA (Imposto de Valor Agregado), e aplicar o princípio da progressão, e não mais o da regressão. Hoje, quanto mais baixa é a renda, maior é a proporção de pagamento de impostos. Isso precisa mudar.
O Estado deve aderir ao regime de recuperação fiscal da União?
Sim. Primeiro, porque essa é uma decisão já tomada pelo nosso governo do Estado e apoiamos integralmente. Em segundo lugar, por significar a possibilidade de não pagarmos a dívida por seis anos. Com isso, creio que será possível repor investimentos, melhorar estradas, reorganizar o sistema de segurança. É por isso que queremos reeleger o governador José Ivo Sartori.
É favorável à criação de novos municípios, com a regulamentação para futuras emancipações?
Em princípio não, porque já temos uma estrutura municipal bastante dividida e a grande reforma da divisão geográfica já foi feita nos anos de 1990. Não vejo, neste momento, essa questão como uma demanda urgente.
O que pensa sobre o projeto Escola sem Partido? Votará a favor ou contra?
Quero escola sem partido, mas não esse projeto. O professor tem de ser livre para manifestar seu pensamento e ser espontâneo na sua conduta pedagógica e didática, mas não pode exercer manipulação. Não pode utilizar da sua preferência ideológica e política para fazer lavagem cerebral nos alunos. Isso deve ser uma questão de princípios, de ética. Para casos de abusos e exageros, existe o conselho escolar.
Qual a sua posição sobre a política de cotas nas universidades públicas?
Sou totalmente a favor. O livro que me fez pensar assim, ainda na década de 1980, é de um ídolo meu, Kareem Abdul-Jabbar, jogador de basquete nos Estados Unidos, que fazia dupla com Magic Johnson. Ele escreveu sobre perfis negros de coragem e disse uma coisa interessantíssima: que é preciso, sim, criar modelos, exemplos. As cotas existem para isso. O que falta às crianças negras é o exemplo de que podem chegar lá.
A Constituição diz que segurança pública é responsabilidade dos Estados. O senhor mudaria esse preceito? Como?
O Estado tem de continuar administrando a segurança, mas defendo a criação do Susp, o Sistema Único de Segurança Pública (o projeto foi aprovado em maio no Senado). Com o Susp, cria-se um mecanismo de financiamento voltado para o centro estratégico da gestão, que tem de ser do Estado. A União entra com mais recursos e os municípios com apoio administrativo e operacional.
O senhor é a favor da privatização de estatais? Quais poderiam ser vendidas e quais são estratégicas para o país?
Nunca fui contrário. Acho que tem de ser muito seletivo, como foi em nível nacional. Os setores privatizados pelo governo FHC, como energia elétrica, estradas e telecomunicações, deram certo. Inclusive fui relator das leis que criaram várias agências reguladoras. Infelizmente, os governos Lula e Dilma nunca entenderam isso. O PT, por ser muito contrário às privatizações, sempre viu essas agências como meios de intervenção política, o que é danoso ao país e precisa ser fiscalizado pela opinião pública. Sem isso, a privatização vira um mal.
Qual sua opinião sobre a descriminalização das drogas e do aborto? Por quê?
Quanto às drogas, quero debater o assunto. Tenho elementos a favor e contra. Não tenho um convencimento definitivo. O que não me agrada é o discurso hipócrita de que a maconha tem de ser liberada por questão medicinal. As pessoas que precisam de tratamento terão. Agora, se a sociedade acha que a maconha deve ser liberada para uso recreativo, então vamos fazer um plebiscito. Como nunca usei, realmente não tenho posição.
E o aborto?
Continuo com posição religiosa contrária ao aborto, mas reconheço que a política de atendimento do sistema de saúde tem de ser mais tolerante e atender as mulheres plenamente, sem criminalizar. Não acho que precisa haver a descriminalização do aborto na lei. O que precisa é de uma mudança na política de atendimento.