Por 12 votos a nove, os vereadores de Caxias do Sul derrubaram o parecer pela inconstitucionalidade do projeto de lei que prevê regras mais brandas para o funcionamento de entidades de tiro desportivo na cidade. A proposta dos vereadores Alexandre Bortoluz (PP) e Maurício Scalco (PL) é para que tais estabelecimentos possam operar em qualquer local do município, sem distanciamento mínimo de outras atividades, e também em horários definidos pela prefeitura.
Entre os votos contrários ao parecer, estão os de Cristiano Becker (PRD) e Tatiane Frizzo (PSDB), respectivamente o presidente e integrante da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação (CCJL) da Câmara – a mesma que emitiu o parecer contrário ao projeto.
O projeto de lei foi protocolado em julho de 2023 na Câmara. Ainda em outubro do ano passado, a CCJL pediu parecer jurídico ao Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos (Igam) e também da Delegações de Prefeituras Municipais Ltda (DPM) a respeito do projeto de lei. Os órgãos encaminharam seus posicionamentos entre o final de outubro e início de novembro, ambos contrários ao projeto, indicando a inconstitucionalidade.
“Em que pesem os argumentos bem sustentados pelo autor do projeto na justificativa que o acompanha, o município, ao estabelecer o zoneamento e o horário de funcionamento para estabelecimentos nos quais se desenvolva a atividade de tiro desportivo, deve respeitar as diretrizes aplicadas à política de zoneamento urbano, e não pode deixar de considerar as limitações já impostas pela União no exercício da competência que lhe é privativa, o que torna inviável o Projeto de Lei nº 134/2023”, diz trecho do parecer da DPM.
Interferência na competência municipal
A manifestação pela inconstitucionalidade das duas entidades leva em conta o decreto federal nº 11.615, de julho de 2023, que regulamenta a lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, também conhecida como o Estatuto do Desarmamento. No texto do decreto, o governo federal institui que o Exército, que dá concessão para as entidades de tiro desportivo, deve observar “distância do interessado superior a um quilômetro em relação a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados”, além de “funcionamento entre as seis horas e as vinte e duas horas”.
Entretanto, na exposição de motivos do projeto de lei municipal, os parlamentares argumentam que “a restrição territorial e de horário imposta pela União interfere na competência municipal prevista na Constituição Federal, que atribui ao ente local a promoção do adequado ordenamento territorial”. Ainda no texto, Bortoluz e Scalco enfatizam o estímulo à prática esportiva proporcionada pelo tiro desportivo, que contribui “para a melhoria da habilidade física e técnica dos participantes, além de promover o senso de responsabilidade, disciplina e respeito pelas normas de segurança do esporte do tiro”.
“Além disso, a entidade de tiro, por ensinar alunos por intermédio de instrutores, é uma instituição de ensino e, portanto, distanciar atividades que atuam no mesmo ramo ofende a liberdade econômica, ainda mais sob o questionável argumento de ‘segurança pública’, o que carece de dados mínimos, estatísticas e justificativas concretas sob essa finalidade, apenas recheado de ideologia desarmamentista”, argumenta trecho da exposição de motivos do projeto de lei.
"Mérito é pertinente, mesmo sendo inconstitucional"
Após ser protocolado na Câmara em 23 de agosto de 2023, o projeto de lei passou a ser analisado pelas comissões do Legislativo. O parecer que foi rejeitado nesta terça-feira foi emitido em 28 de fevereiro deste ano, quando Velocino Uez (PRD) ainda era vereador e presidente da CCJL. O documento é assinado também pelos integrantes Felipe Gremelmaier (MDB) e Tatiane Frizzo (PSDB). Também membros da CCJL, Elisandro Fiuza (Republicanos) é o relator do projeto e não assinou, assim como Maurício Scalco, autor da proposta.
Com a saída de Velocino para o Executivo, Cristiano Becker (PRD) assumiu a cadeira e também a presidência da comissão. Mesmo assim, seu voto foi para derrubar o parecer da CCJL. Segundo Becker, “o mérito do projeto é positivo em favor da causa”, e defende o estímulo à prática do tiro desportivo.
Não se trata de questionar a legalidade do parecer, mas sim de uma avaliação política da matéria
TATIANE FRIZZO
Vereadora do PSDB
— O meu entendimento é que o mérito do projeto de lei é pertinente, mesmo sendo inconstitucional. O objetivo, além do comercial, é propiciar conhecimento e o treinamento aos simpatizantes do esporte. Em ambiente seguro, fiscalizado e por órgãos competentes. Devemos estimular essas empresas e os apreciadores da modalidade. Não lembro de ter ocorrido nenhum tipo de incidente nessas casas de tiro desportivo — explica o vereador.
Tatiane, que assina o parecer e votou pela derrubada do texto, explicou seu voto justificando o fortalecimento do esporte e a garantia de segurança jurídica para o setor.
— Não se trata de questionar a legalidade do parecer, mas sim de uma avaliação política da matéria — afirma.
Gremelmaier estava ausente na sessão e não votou.
Defesa da prática esportiva, emprego e renda
Com defensores das entidades do tiro desportivo no plenário, os autores do projeto defenderam a rejeição ao parecer na sessão desta terça. Bortoluz argumentou que os argumentos do Igam e DPM foram “em relação ao material bélico, que não tem nada a ver com o nosso projeto”. Ele também citou o exemplo de Porto Alegre, que, segundo Bortoluz, aprovou legislação similar à proposta.
— O município tem discricionariedade de regulamentar horário de funcionamento, e essa questão de distanciamento de escolas. Me diz quando que um clube de tiro deu problema para uma escola? Nunca deu problema. Parecer é infundado — disparou.
Na sequência, Maurício Scalco argumentou que a proposta visa defender “quem gera emprego e renda nessa cidade”:
— Dentre os locais que ficariam proibidos de operar, existe um comércio há 75 anos trabalhando de forma honesta, como muitas outras casas de tiro. É competência do município legislar sobre zoneamento e horário de funcionamento. Aqui quem está invadindo interesse local é a União — avaliou.