Com o plenário da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul lotado, em sua maioria por mulheres, o lançamento do livro "Por que somos poucas? Mulheres eleitas a mandatos públicos" da ex-vice-prefeita Marisa Formolo Dalla Vecchia marcou o debate sobre a baixa representatividade feminina na política caxiense.
A obra, que foi tese de doutorado de Marisa, estudou a trajetória das então vereadoras Ester Troian Benvenutti, Iró Nabinger Chiaradia, Rachel Calliari Grazziotin, Geni Peteffi, Rosane Fátima Hambsch do Nascimento, Silvana Teresa Piroli, Ana Maria Corso (que também foi suplente de deputada federal), Denise da Silva Pessôa (quando vereadora), da deputada estadual Maria Helena Sartori e das vice-prefeitas Justina Onzi e da própria Marisa Formolo Dalla Vecchia (também eleita deputada estadual). Além da história enquanto figuras públicas, o debate abordou os desafios pessoais e familiares e a quebra de padrões machistas na época em que foram eleitas.
Segundo Marisa, um aspecto que ficou em evidência entre as mulheres estudadas foi a ligação de todas com a educação ou com causas comunitárias. A autora da obra questionou o discurso de que a escola não é lugar de política, uma vez que foi na educação que grande parte das mulheres eleitas em Caxias se tornou figura política.
Numa análise da infância, juventude, vida adulta, atuação profissional e lutas nas quais as mulheres eleitas se engajaram, as 352 páginas do livro trazem dados que explicam e refletem sobre o papel da mulher através dos anos em Caxias do Sul. Desde análises históricas acerca do conceito patriarcal e de controle da família, até a organização do trabalho, que, por muito tempo, foi atividade considerada masculina, assim como a ocupação de espaços públicos.
— Como somos tão poucas, eu pensava: será que vivemos coisas tão originais que as outras não viveram? E que nós chegamos (aos cargos políticos) porque tivemos vidas tão diferentes de tantas mulheres da cidade? — provocou a ex-vice-prefeita.
Os estudos publicados apontaram que, de 1892 até 2014, período delimitado pela pesquisadora, apenas 3,11% dos eleitos aos cargos de vereador em Caxias são mulheres. O dado chama atenção, também, em outras cidades da região, que foram usadas como comparativo: em Bento Gonçalves, Farroupilha, Garibaldi, Flores da Cunha e Nova Petrópolis, a estatística é parecida. O levantamento foi feito em relação às eleições de 2012 e 2016. A única cidade em que a realidade foi diferente foi São Marcos, onde, em 2012 foram três mulheres e seis homens eleitos e, em 2016, quatro mulheres e cinco homens.
Vivências políticas trazem reflexões
Para a ex-vereadora Ana Corso (PT), a baixa representatividade feminina na política está diretamente embasada numa construção histórica de discriminação, que faz com que as mulheres não participem da vida pública.
— A gente tem uma educação diferenciada. A mulher é educada para cuidar dos filhos, para cuidar da casa, enquanto o homem é que vai para o espaço público. Então, ainda estão na sociedade esses valores que fizeram com que as mulheres ficassem numa posição mais inferiorizada dos espaços públicos — pontua Ana.
Para a petista, a participação das mulheres, seja no movimento estudantil, no movimento comunitário ou sindical, traz um despertar para luta política. Ela cita que, com ela, foi assim que aconteceu.
— Eu acho que é isso que faz com que vai fazer com que mais mulheres se inspirem em outras. E eu acho que esse livro tem esse mérito de resgatar a trajetória das mulheres eleitas e que sirva de inspiração a história de cada uma de nós. Esse despertar é o que faz com que vá alterando aos poucos essa questão dessa construção histórica de submissão, de relegar um segundo plano às mulheres — afirma.
No mesmo contexto, a vereadora Tatiane Frizzo (PSDB) aponta que é importante atrair as mulheres jovens para participar, como protagonistas, da política.
— Muitas vezes, as pessoas acabam buscando as mulheres apenas para cumprir a cota eleitoral de 30% e não para que essas mulheres concorram e possam ter a oportunidade de ocupar um cargo eletivo. Precisamos de mais políticas públicas para as mulheres nesse sentido e a gente precisa dessa participação para que isso aconteça — reflete.
A ex-vereadora e atual deputada federal, Denise Pessôa (PT), também provoca a reflexão sobre as cotas internas nos partidos políticos. Ela exemplifica que, graças a essa organização, o PT consolidou uma representatividade maior de mulheres, negros e juventude dentro do partido.
— A gente ter vereadores jovens, mulheres e negros vem dessa construção interna. Os partidos precisam fazer esse debate internamente — provoca.
Além disso, Denise também destaca que o poder econômico das mulheres, que, estatisticamente recebem salários inferiores ao dos homens, e, por muitas vezes, menos recursos para campanha também contribui para o baixo número de eleitas.
— Como as pessoas vão votar numa mulher se não sabem quem ela é? Se tu não tem o mesmo recurso que um homem para campanha, tu não tem o mesmo potencial (na campanha eleitoral). Eu não concordo em colocar a culpa nas mulheres, porque nós votamos em quem conhecemos, e se as mulheres não têm recursos de campanha, como é que alguém vai votar se não tiver panfletos e campanha na rua, por exemplo — destaca.
Atualmente, a Câmara de Caxias conta com a maior bancada feminina da história. São cinco vereadoras eleitas: Denise Pessôa (agora deputada federal pelo PT), Estela Balardin (PT), Gladis Frizzo (MDB), Marisol Santos (PSDB) e Tatiane Frizzo (PSDB). Na legislatura, também assumiram as suplentes Andressa Marques (PCdoB), Cleo Araújo (PT) e Rose Frigeri (PT), que, agora, ocupa a cadeira deixada por Denise.