O número de candidatas a vereadora em Caxias do Sul neste ano ultrapassa minimamente a cota de representatividade de gênero — 33,4% do total de postulantes são mulheres. Dos 20 partidos que disputam as vagas, apenas três lançaram as nominatas completas, com 35 candidatos. Entre aqueles que não conseguiram preencher as vagas, um dos principais fatores indicados foi a dificuldade de ter mulheres dispostas a concorrer e, assim, preencher os 30% exigido. Além disso, não há nenhuma candidata à prefeita e, para vice são apenas três entre as 11 chapas.
Em relação ao último pleito, a presença das mulheres na eleição proporcional aumentou 1,5 ponto percentual, passando de 129 a 166 candidatas. Apesar disso, o número ainda é baixo, considerando que um contingente de 175 mil mulheres estão aptas a votar na cidade, o que representa 52,5% do eleitorado de Caxias. Para especialistas e lideranças de movimentos que buscam combater a sub-representatividade feminina na política, o problema é um reflexo da exclusão histórica das mulheres na política. Basta lembrar que o direito ao voto feminino só começou a ser reconhecido em 1932, 43 anos depois da Proclamação da República.
A doutora em Sociologia pela UFRGS e professora da UCS, Aline Passuelo de Oliveira, afirma que por influência de uma visão patriarcal e conservadora, há o entendimento de que o espaço da mulher é o privado, e a vida pública da política é reservada aos homens. Ela relembra que o questionamento tardio da divisão das tarefas se intensificou durante a pandemia, quando a sobrecarga de trabalho das mulheres ficou ainda mais evidente. A falta de tempo também seria um dos fatores que afastam a mulher da vida partidária.
— A gente tem uma cultura que enxerga as mulheres e os homens em espaços sociais distintos e opostos. Enquanto os homens ocupam um espaço social de poder, de riqueza, as mulheres ocupam no nosso imaginário o lugar de cuidado, de reprodução, de tarefas domésticas e evidentemente de subordinação — complementa Cibele Cheron, cientista política e pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero da UFRGS.
Embora reconheça a importância das cotas, Aline também chama atenção da problemática das candidaturas laranjas, quando as mulheres inscritas cumprem um papel de fachada, sem receber apoio efetivo, inclusive financeiro, para concorrer:
— É a reprodução da lógica de que a mulher é destinada ao local de servir e nunca ao lugar de pautar e decidir aquilo que é relevante.
Era da antipolítica tem influência
Para Aline, a postura de desinteresse e afastamento dos indivíduos da vida política também agrava o cenário da sub-representatividade feminina.
— As mulheres estão no caminho de inserção e entendimento de que podemos fazer parte, inclusive em posições centrais. Mas, com a retórica da antipolítica, se pensarmos em grupos que são historicamente excluídos, fica ainda mais fácil afastar as mulheres desses espaços.
Segundo a socióloga, presença feminina na política partidária é essencial para a saúde do sistema democrático, que pressupõe que todos os grupos sejam representados.
— Há muitas maneiras de se habitar uma cidade. Uma pessoa tem seu ponto de vista forjado numa trajetória muito particular. Precisamos de representantes que estejam minimamente conectados com a realidade dos diferentes grupos para que possam traduzir as pautas necessárias num país extremamente desigual. Isso é urgente — destaca.
Novos espaços a serem ocupados
O avanço no debate em torno de questões femininas nos últimos anos se reflete também no surgimento de movimentos que incentivam mulheres a ocupar cargos de poder e terem voz ativa nas tomadas de decisões políticas. Para a advogada caxiense Tamyris Michele Padilha, representante do grupo Política de Saias, a dificuldade dos partidos na formação das nominatas está em encontrar as mulheres para as candidaturas em si, uma vez que elas já atuam efetivamente em outras áreas.
— As líderes de bairros, de comunidades, de ONGs, de empresas, de movimentos de pessoas sempre existiram. O trabalho agora é convencê-las de que na política elas podem fazer ainda mais pela coletividade — opina.
Cibele Cheron destaca que é preciso associar a ideia de representatividade à de diversidade.
— Infelizmente estamos vivendo um momento que a diversidade é atacada. Eu preciso entender que não existe "a mulher", existem as mulheres, plurais, diferentes. Não é simplesmente por termos mulheres é que a diversidade é garantida —afirma.
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Saiba mais:
:: Somente em 24 de fevereiro de 1932 o Código Eleitoral passou a prever o voto feminino. Porém, o direito era concedido apenas a mulheres casadas, com autorização dos maridos, e para viúvas com renda própria. Somente em 1965 o Novo Código Eleitoral estabelece, pela primeira vez, que o voto é obrigatório para homens e mulheres;
:: Estabelecida na Lei das Eleições de 1997, a cota mínima de 30% das candidaturas destinadas para mulheres se tornou obrigatória em 2009. Em 2020, pela primeira vez, toda a nominata pode ser impugnada caso seja constatada irregularidade no cumprimento da cota. Atualmente, além disso, também devem ser destinados às candidatas 30% do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão e a mesma proporção na distribuição do fundo eleitoral.
:: Em Caxias do Sul, Ester Troian Benvenutti foi a primeira mulher a concorrer e assumir um cargo na Câmara de Vereadores. Eleita em 1959 com 1.068 votos, ela atuou no Legislativo de 1960 a 1962, exercendo ainda as funções de secretária e vice-presidente da Casa. Depois de Ester, outras 12 mulheres passaram a ocupar cadeiras na Câmara de Vereadores. Atualmente, a bancada feminina no Legislativo caxiense tem quatro integrantes, o maior número registrado até hoje.