Apresentada em maio deste ano e aprovada por unanimidade, a tese de doutorado da ex-deputada e ex-vice-prefeita Marisa Virginia Formolo Dalla Vecchia, 74 anos, vai virar livro. A pesquisa de mais 350 páginas trata sobre as 11 mulheres eleitas a cargos públicos, a partir de Caxias do Sul, no período de 1960 a 2014. Mas, mais do que evidenciar a luta, os desafios familiares, a quebra de padrões e os conceitos sociais, o estudo revela uma importante ligação entre as pesquisadas: o envolvimento com a educação e representatividade em causas comunitárias.
O trabalho, que servirá, em breve, como importante fonte histórica da representatividade feminina na política de Caxias do Sul, apresenta a trajetória das vereadoras Ester Troian Benvenutti, Iró Nabinger Chiaradia, Rachel Calliari Grazziotin, Geni Peteffi, Rosane Fátima Hambsch do Nascimento, Silvana Teresa Piroli, Ana Maria Corso (também suplente como deputada federal), Denise da Silva Pessôa (vereadora em exercício), da deputada estadual Maria Helena Sartori e das vice-prefeitas Justina Onzi e da própria Marisa Formolo Dalla Vecchia (também eleita deputada estadual).
Muitos questionamentos cercam o estudo, mas, certamente, os principais deles dizem respeito à pouquíssima quantidade de mulheres eleitas a cargos públicos no período analisado e qual o papel da educação como degrau de entrada para a vida política das eleitas.
— Das 11 eleitas, apenas duas não têm formação de professora, mas ambas trabalharam no sistema de educação. Acontece que a educação é um espaço de diálogo com as pessoas, com a sociedade. Os professores e as professoras, que fazem um trabalho além da sala de aula, acabam tendo uma relação significativa de vida com as suas comunidades, e o fato de você ser um educador social te faz enfrentar o público, se comunicar com as pessoas, estabelecer relações de reconhecimento. Assim, a educação é degrau de acesso ao espaço político-partidário e aos processos eletivos. Mas, se fosse fácil, nós teríamos muito mais professores e professoras que vão para a política partidária — observa a pesquisadora.
Mas por que tão poucas mulheres do município ocupando cargos nas esferas municipal, estadual e federal no decorrer destes 54 anos? Marisa explica, com base em suas investigações:
— Há várias causas. A educação feminina é muito caracterizada pelo medo e pela submissão. Um dos motivos regionais é o patriarcado muito forte. Há um domínio do poder masculino que se centralizou na história da família, da igreja, das instituições em geral e também há uma tradição sustentada na cultura que o lugar da mulher não é em todo lugar. É naquele lugar que ela não precisa se expor publicamente, a mulher recatada, dentro de casa. Até que um tempo depois ela pôde começar a estudar, mas não tinha direito a dividir a terra, por exemplo. Há também a presença da submissão econômica.
Caxias será mais humana, quando mais mulheres estiverem no poder em todas as instituições, não só em mandatos eleitorais
MARISA FORMOLO DELLA VECHIA
Para além da vida em sala de aula ou em setores ligados à educação, as 11 mulheres eleitas entre 1960 a 2014 tinham ou ainda têm importante elo com a comunidade, cada qual à sua maneira e dentro do seu período histórico, como pontua Marisa:
— Todas nós participamos muito do trabalho comunitário, social e público, antes de entrar para a vida política. Outro elemento comum é que não tivemos medo de enfrentar o debate, de ir para a disputa. Todas nós tivemos coragem de se expor.
"Ainda tem muito enfrentamento para se fazer", observa a pesquisadora
A pesquisa e a vida de Marisa Formolo Dalla Vecchia se fundem não só na citação da sua própria trajetória na tese de doutorado como também com a relação próxima com as outras 10 mulheres citadas. De forma mais íntima ou mais distante, a pesquisadora conviveu com todas elas. Uma das suas principais lembranças remetem à infância, quando conheceu Ester Troian Benvenutti, a primeira mulher a ocupar uma cadeira no legislativo caxiense em 1960.
— A dona Ester foi quem me autorizou a estudar, com seis anos. Ela vinha almoçar na nossa casa. Era uma pessoa magnífica — recorda Marisa.
São nos seus primeiros anos de vida também que estão as memórias familiares, os quais acredita terem sido fundamentais na sua construção como uma mulher que não teve medo de enfrentar uma carreira política, mesmo em um meio tão masculino, e nem lutar pelas suas crenças:
— Eu comecei a conviver com os homens com naturalidade, quando meu pai deixava eu jogar baralho com os amigos. Me sentia acolhida. Quando eu acertava, era uma festa. São coisas pequenas que fui naturalizando. Mas, hoje, ainda tem muito enfrentamento para se fazer. As mulheres têm que perder o medo de ter poder, têm que admitir que são capazes. É um medo de achar que, se sou autônoma, tenho poder intelectual, eu não vou poder conviver com um homem. Se o homem não cabe dentro de ti ou você não cabe dentro dele, aí é outro problema. Tem como cada um ser forte e, dentro do convívio, dividir poder. As meninas precisam aprender a ter a sua autonomia, a sua condição de enfrentamento econômica — aponta Marisa.
O protagonismo de Ester
Ester Troian Benvenutti foi a primeira mulher da região a concorrer e assumir uma cadeira na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. Conforme publicação na coluna Memória, de março de 2015, ela foi eleita pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no pleito de 1959 com 1.068 votos e atuou no Legislativo de 1960 a 1962, exercendo ainda as funções de secretária e vice-presidente da Casa.
Nascida em 1916, no Travessão Cremona, em Ana Rech, dona Ester ingressou no magistério estadual em 1942, por meio de concurso. Classificada em primeiro lugar, teve o direito de escolher a localidade e a unidade escolar em que iria trabalhar. A opção foi pelo Curso Primário da Escola Complementar de Caxias do Sul, onde anos antes havia concluído seu curso.
Atuante na prefeitura por 17 anos como orientadora do ensino municipal, dona Ester foi figura emblemática no trabalho de assistência pedagógica e orientação aos professores de escolas do interior e localidades mais isoladas.
A coluna ainda recorda que, além da educação e da atuação na Câmara, dona Ester participou da comissão que fundou o Museu Municipal e a Biblioteca Pública e integrou a Academia Caxiense de Letras. Já em 1962, assumiu a direção da Escola Normal Duque de Caxias.
SAIBA MAIS
A expectativa é que o estudo "Educadoras eleitas para mandatos públicos em Caxias do Sul: trajetórias de reconhecimento" vire livro ainda em 2022. Antes disso, o conteúdo precisa passar por alguns ajustes nos próximos meses.
O trabalho é resultado de uma pesquisa que iniciou em 2017 e foi apresentada em 19 de maio deste ano à banca da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
As 11 eleitas de 1960 A 2014
Vereadoras
Ester Troian Benvenutti (PTB)
Iró Nabinger Chiaradia (Arena)
Rachel Calliari Grazziotin (PDT)
Geni Peteffi (MDB)
Rosane Fátima Hambsch do Nascimento (PDT)
Silvana Teresa Piroli (PT)
Ana Maria Corso (também foi suplente como deputada federal) (PT)
Denise da Silva Pessôa (vereadora em exercício) (PT)
Deputada estadual
Maria Helena Sartori (MBD)
Vice-prefeitas
Justina Onzi (PT)
Marisa Formolo Dalla Vecchia (também eleita deputada estadual) (PT)
*Gilda Nora era suplente e assumiu o Legislativo em períodos em 1979,1982 e 1987, segunda a pesquisa.