Voltou à tona o debate por uma universidade federal do Nordeste Gaúcho. O assunto ressurgiu durante audiência pública na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, no dia 26 de junho, que debateu o Plano Plurianual (PPA) da União e abordou pautas da Serra que poderiam ser sugeridas ao governo federal como prioritárias. A implantação de um campus federal na região recebeu 1.375 votos no Brasil Participativo (sistema que permitia a participação da comunidade para votar as prioridades, com indicação ao PPA), e foi a pauta da Serra com o maior apoio dos participantes. Já a modernização e expansão de universidades federais foi colocada como “prioridade” do governo federal, nas áreas de educação, ciência e tecnologia, durante lançamento do “novo PAC” (Programa de Aceleração do Crescimento), no dia 11, no Rio de Janeiro.
Politicamente, quem lidera o pleito por essa pauta atualmente são a deputada federal Denise Pessôa (PT) e o deputado estadual Pepe Vargas (PT). Os dois estavam presentes na audiência do dia 26 de junho, e tratam do assunto em diversas postagens nas suas redes sociais. Denise, inclusive, levou o tema ao plenário da Câmara dos Deputados, em 2 de agosto, e lembrou das tentativas de federalização da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e de trazer um campus da UFRGS para a Serra.
– A Serra, mesmo com toda essa população que tem, esse nível de desenvolvimento, infelizmente, até hoje, não conseguiu ter vitória nessa luta. A gente já teve a oportunidade de várias prefeituras se mobilizarem. A universidade, além de proporcionar ensino público gratuito e de qualidade, ela precisa e pode, através da pesquisa, produzir conhecimento, e que dialogue com a região. Até hoje, não se encontra justificativa racional para que uma região tão importante do Brasil não tenha uma universidade, um campus federal que possa produzir conhecimento, que possa desenvolver aquela região em outros aspectos que não só o econômico – enfatizou Denise.
O movimento mais recente vem da Câmara de Caxias, em que 10 vereadores assinaram, na última quarta-feira (16), um requerimento para instalação da Frente Parlamentar em Defesa da Implantação da Universidade Federal da Região Nordeste do RS. Com a proposição da vereadora Rose Frigeri (PT), o documento ainda é assinado por Alberto Meneguzzi (PSB), Estela Balardin (PT), Gladis Friz zo (MDB), Juliano Valim (PSD), Lucas Caregnato (PT), Olmir Cadore (PSDB), Rafael Bueno (PDT), Renato Oliveira (PCdoB) e Tatiane Frizzo (PSDB).
“A luta histórica pela Universidade Federal ganha força não apenas como uma demanda educacional, mas como uma resposta à necessidade de equidade regional, ao desejo de promover o desenvolvimento integrado e à aspiração de transformar a realidade local por meio do conhecimento. Reflete uma visão coletiva de futuro, onde educação e desenvolvimento caminham de mãos dadas, capacitando as gerações presentes e futuras. A criação desta frente parlamentar tem como objetivo dialogar e mobilizar a comunidade local e regional”, diz trecho do requerimento.
Sensibilizar o governo federal
Além dos votos no programa Brasil Participativo, o que se tem no momento é um grande foco na mobilização para sensibilizar o governo federal a aceitar a pauta. Tanto Pepe Vargas quanto Denise Pessôa têm mantido conversas com representantes das regiões que seriam beneficiadas pela universidade, para que entrem na luta pela instituição. O foco neste momento, segundo Pepe, é “100% no processo de sensibilização”.
Com mais pessoas envolvidas nessa construção, vamos ter mais acertos, mas é algo que é bem possível.
DENISE PESSÔA
Deputada federal
– O que precisamos é um movimento pela sensibilização do governo federal para que ele veja que a região tem essa reivindicação, se sensibilize e tome a decisão de fazer. Se não tiver isso, também não adianta. Aí o governo vai olhar e pensar “bom, uma região que nem está se mobilizando para isso, não parece ser algo importante”. Estamos focados 100% nesse processo de sensibilização da região, para que coloque isso como uma questão tão importante como tantas outras que a região se mobiliza, seja por infraestrutura ou pelo que for – enfatizou Pepe.
O deputado estadual explicou que, após um eventual aceite da União para implantar uma universidade federal na região, é o próprio governo quem assume todos os processos legais e administrativos, além do projeto, construção dos prédios e implantação do campus. A pauta já foi discutida, através da deputada Denise Pessôa, com a secretária de Ensino Superior do Ministério da Educação, Denise Carvalho, que deu sinalização favorável ao pleito.
– Ela (secretária Denise Carvalho) entende que, pela condição da Serra Gaúcha e toda a região, comportaria uma universidade, mas aí precisamos evoluir nesta proposta, de condições e espaços. Estamos mobilizando, conversando com alguns setores e representantes da região, e articulando um documento com pedido de apoio. Já solicitamos agenda com o ministro Camilo Santana, para tratarmos especificamente deste tema. Neste momento, estamos conversando com as pessoas e construindo a proposta. Com mais pessoas envolvidas nessa construção, vamos ter mais acertos, mas é algo que é bem possível – destacou a deputada Denise.
Extensão da UFRGS
Um pleito antigo e que também pode ser retomado dentro do assunto é a extensão da UFRGS para a Serra. O tema foi resgatado pelo vereador caxiense Rafael Bueno (PDT) – que presidiu por sete anos uma frente parlamentar pela criação de uma universidade federal na região – na sessão de terça-feira (15).
Em 2011, houve uma forte mobilização da comunidade por essa extensão, que culminou em um abaixo-assinado com mais de 20 mil assinaturas. Em maio de 2019, prefeitura de Farroupilha e UFRGS assinaram um protocolo de intenções para implementação física de um escritório de inovação, mas que ainda não saiu do papel, mesmo que haja até um terreno reservado para esta instalação.
Bueno recorda que a luta pela universidade federal vem dos anos 1970, com as demandas de federalização da UCS, e depois, nos anos 2000, foi retomada com a possibilidade de uma extensão da UFRGS. Por isso, ele entende que a mobilização é importante, mas não precisa ser iniciada do zero.
– Não precisa iniciar uma nova luta, ela está em stand-by nesse momento. O governo que passou (do ex-presidente Jair Bolsonaro), além de intervir nas universidades federais, cancelou recursos para o ensino público federal. Teve um período de precarização no ensino público, e então não se falou mais (na universidade federal). Não adianta a gente alimentar a expectativa da população da Serra Gaúcha se não tem, de fato, um aceno positivo do governo federal. Agora é momento de chamar os municípios e ter consensos, porque senão começa todo um cabo de guerra. A estrutura da UCS está 50% ociosa, podemos pensar em uma parceria e usar os laboratórios e a estrutura para já abrirmos vagas federais logo, até que se construa o campus na sua totalidade. É isso que eu defendo hoje, mas sou plenamente favorável à universidade federal – garantiu Bueno.
O que dizem lideranças da região
Assis Melo, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias
"Precisamos ter instrumentos na educação superior, para que a gente possa dar oportunidade para que todos tenham condições de poder se qualificar e pleitear uma profissão. Se podemos renovar a esperança e esse sonho da juventude, de pais e de avôs, e dar oportunidade através do ensino e do conhecimento, isso será importante. E isso não desqualifica nenhuma outra entidade de ensino, apenas fortalece e abre outras oportunidades. É importante, necessário e temos, sim, condições de termos uma universidade. Coloco essa luta como uma oportunidade. Me recordo de uma conversa que tive com o (então) prefeito (José Ivo) Sartori, quando eu era vereador. Falei com ele sobre a universidade federal e ele me disse "quem é contra uma proposta dessas?", e na hora respondi que ninguém. Mas depois fiquei pensando que ninguém é contra, mas quem é a favor? Publicamente, ninguém é contra. Mas, lá nos subterfúgios, tem um monte de gente contra e, as vezes, forças poderosas que se movimentam contrárias a uma bandeira dessas. Se ninguém é contra, por que não sai? Temos que seguir a mobilização, sensibilizar as autoridades e uma grande parte da população para se fazer um movimento em defesa de termos uma universidade federal. É importante para toda a região, para os filhos dos trabalhadores e da classe operária merecem ter oportunidades, que não devem ser só para quem tem dinheiro. É para quem vive do seu trabalho e tem esperança em poder se formar um engenheiro, um médico, o que for."
Pepe Vargas, deputado estadual pelo PT
"Já falamos com a coordenação do Corede (Conselho Regional de Desenvolvimento), já falamos com a presidência da Amesne (Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste), do parlamento regional, com entidades da sociedade civil organizada, para ir aumentando o grau de envolvimento em torno da proposta. Nesse momento, o que precisamos é um movimento pela sensibilização do governo federal para que ele veja que a região tem essa reivindicação, se sensibilize e tome a decisão de fazer. Primeira coisa que nós precisamos é ter uma forte mobilização regional."
Adiló Didomenico, prefeito de Caxias do Sul
"Coloco-me à disposição para ajudar nessa mobilização. O mais importante é que possamos garantir o acesso universal ao ensino superior, principalmente às pessoas de menor poder aquisitivo. Imagine a frustração de um pai ou uma mãe que vê o filho deixar de cursar uma faculdade por falta de condições de bancar o custo da graduação. Ao mesmo tempo, não podemos deixar de lado a busca pela ampliação da oferta de bolsas de estudo nas instituições já existentes, como a UCS. As coisas não são, em hipótese alguma, excludentes. Garantir o acesso ao ensino superior por meio do Prouni é uma alternativa mais imediata e viável, enquanto uma universidade federal, que exige altos custos de implantação e manutenção, seria uma grande conquista permanente para Caxias do Sul e região, inclusive nas áreas de pesquisa e inovação."
Denise Pessôa, deputada federal pelo PT
"A universidade, além de proporcionar ensino público gratuito e de qualidade, ela precisa e pode, através da pesquisa, produzir conhecimento, e que dialogue com a região. Até hoje, não se encontra justificativa racional para que uma região tão importante do Brasil não tenha uma universidade, um campus federal que possa produzir conhecimento, que possa desenvolver aquela região em outros aspectos que não só o econômico. Já solicitamos agenda com o ministro Camilo Santana, para tratarmos especificamente deste tema. Neste momento, estamos conversando com as pessoas e construindo a proposta. Com mais pessoas envolvidas nessa construção, vamos ter mais acertos, mas é algo que é bem possível."
Celestino Loro, presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias:
"O movimento empresarial enxerga qualquer iniciativa vinda em favor de pesquisa, de educação, de formação de mão de obra, de alta especialização, com excelentes olhos e entusiasmo. Nossa visão é muito clara: precisamos de alta especialização, capacidade de competição global, e para isso precisamos de pesquisa e desenvolvimento de pessoas. Mas acho que é um consenso da sociedade, especialmente no nosso meio empresarial, que as entregas da educação pública nos últimos anos têm sido muito precárias, é a pior possível em todos os níveis. A prova é que temos tido inúmeras pessoas chegando no mercado de trabalho com dificuldades extremas para coisas muito simples, como interpretação de texto, leitura, operações matemáticas simples, problemas de toda a natureza. E aí entramos no debate de qual caminho precisamos seguir. Vejo que a Serra como um todo tem um patrimônio maravilhoso, em termos de formação profissional, que é a UCS. Nossa universidade já tem ensino, já tem pesquisa, já tem laboratório, já tem entregas magníficas para a comunidade, com o nióbio, grafeno e células tronco, por exemplo. Ela tem capilaridade, já está espalhada por toda a região. Ela tem uma história de formação de professores da mais alta qualidade. Então diria que o debate deveria ser feito com a UCS incluída no processo, como alguém que, com fomento financeiro, de pesquisa, com compra de vagas, com o mínimo de incentivo, vai fazer uma entrega muito rápida e de excelente qualidade, ao invés de estarmos começando de um ponto zero, para começar a colher resultados, se tudo correr bem, daqui a, quem sabe, cinco, sete, 10 anos."