Prestes a completar 70 anos de existência em Caxias do Sul, o Funcap (Fundo da Casa Popular) atinge a marca de 71% de mutuários com parcelas em atraso. O aniversário é marcado por baixa receita anual do programa e diversas famílias com dívidas junto à prefeitura. Atualmente, dos 2.740 contratos ativos pelo programa, 1.964 estão com prestações em atraso.
O Funcap foi criado pela lei municipal nº 499/1952 com o objetivo de construir e financiar moradias acessíveis à população de baixa renda de Caxias do Sul. Segundo dados da prefeitura, a receita atual do programa é de cerca de R$ 4 milhões por ano, porém, esse valor poderia chegar ao dobro.
— Se conseguíssemos quase zerar essa situação, sem dúvida teríamos uma receita de R$ 8 a R$ 10 milhões ao ano. Isso é o que vai viabilizar novos empreendimentos para atender à lista de 5,5 mil inscritos que estão aguardando — explica o secretário da Habitação, Carlos Giovani Fontana.
Segundo o secretário, desses 5,5 mil que ainda aguardam a contemplação pelo programa, grande parte está inscrita há mais de 10 anos. A última ação de inscrição ao Funcap ocorreu em 2019, de forma autodeclaratória, via internet. Atualmente, novas inscrições estão suspensas e sem perspectiva de quando ocorrerão novamente.
O secretário informa que a hierarquização dos inscritos é considerada com base na lei do Funcap e conta com 12 critérios que definem pontuações, como o número de filhos, se a mulher é chefe de família, o tempo de moradia na cidade, se existe alguma pessoa com deficiência na família, entre outros. À medida que os inscritos são contemplados, é realizada uma nova triagem e atualização dos dados das famílias que ainda aguardam.
INADIMPLÊNCIA HISTÓRICA
A inadimplência dos mutuários não é novidade para o programa. De acordo com Fontana, em momentos históricos, esse número já chegou a 91%, e nunca baixou de 64%. O secretário ressalta que, desde 2011, o programa não recebe o repasse do caixa do governo municipal, suspenso devido a dificuldades financeiras do município. Por isso, o pagamento das prestações dos mutuários é a única fonte de recursos para garantir que mais pessoas tenham acesso ao benefício.
— Estamos muito preocupados que, a médio prazo, o fundo esteja fadado a não conseguir fomentar mais as políticas de habitação necessárias para o município — analisa o secretário.
Fontana sinaliza que as questões das inadimplências são diversas, porém, ele alerta para que o mutuário procure a Secretaria da Habitação e manifeste a sua situação.
— Existe uma forma de refinanciamento, não deixe isso correr porque estamos tomando as devidas providências. Nós não podemos deixar isso andar da forma que está acontecendo — garante.
Desde o mês passado, está sendo feita uma ação de conscientização dos mutuários sobre o endividamento. Estão sendo distribuídos flyers informativos, junto às parcelas entregues na prefeitura, alertando das consequências do não pagamento do financiamento.
375 ações de rescisão de contrato
Quem está em dívida com o programa e recebe a citação judicial pode optar por fazer um acordo para retomar o pagamento das parcelas, segundo a prefeitura. A citação judicial busca a extinção do contrato de financiamento e a retirada do morador inadimplente do imóvel, para reassentar outra família na propriedade. Além disso, o cidadão fica impedido por lei de ser assistido novamente pela política habitacional do município.
Entretanto, o processo judicial passa por uma série de etapas antes que a retirada da família do imóvel aconteça. O primeiro passo é a notificação, por parte do município, para que o morador procure renegociar seu débito. Apenas quando não há sucesso na negociação é que o Executivo ingressa com ação judicial. Atualmente, existem cerca de 375 ações de rescisão de contrato com o Funcap.
Com a lei atual, só é possível encaminhar o processo de rescisão 12 meses após o início da inadimplência. De acordo com Fontana, a secretaria já estuda uma proposta de revisão do texto, que permitirá acionar os devedores a partir de 90 a 120 dias do início da pendência. A nova proposta deverá ser enviada à Câmara até agosto.
Apesar da preocupação que o fundo esteja fadado a não conseguir mais fomentar as políticas de habitação, a secretaria vem se empenhando para novas formas de construção de empreendimentos habitacionais. Em março deste ano, a prefeitura fez um pedido de adesão ao "A Casa é Sua", programa habitacional do governo do Estado.
A proposta do município é para a construção de 230 casas de alvenaria de dois e três dormitórios, em lotes remanescentes na região do loteamento Campos da Serra. Para esse empreendimento, o investimento será próximo de R$ 23 milhões. Desse total, R$ 13 milhões deverão vir do governo do Estado e R$ 10 milhões, do Funcap, segundo o secretário. Se autorizado o repasse, a entrega das casas deve ocorrer ainda dentro do governo do prefeito Adiló Didomenico (PSDB).
Da invasão à casa própria
Evanice Ferreira da Silva, 46, é uma das contempladas pelo Funcap. A moradora do Campos da Serra mudou-se para a nova casa em dezembro de 2020, após 10 anos de espera. O lar abriga seis pessoas atualmente e conta com três quartos. Entre os moradores, estão a filha de Evanice, Bárbara Sofia Silva dos Santos, 9, e o neto de dois anos.
Antes de se mudar para a nova moradia, Evanice e os filhos moravam no loteamento Cidade Industrial, às margens da RS-122. A antiga moradia foi fruto de uma invasão, após não conseguir mais pagar aluguel. Depois de ser despejada, ela e os filhos foram encaminhados a um aluguel social pela prefeitura. Segundo Evanice, a casa atual é fruto de muita luta.
— Nós só queríamos o direito de moradia — afirmou.
Evanice é a primeira moradora da casa em que vive atualmente. Ela foi contemplada com uma das 18 casas construídas na área e entregues em 2020 pela prefeitura, por meio do Funcap. As casas da região foram destinadas a famílias numerosas e que não puderam ser atendidas no projeto Rota Nova, como foi o caso de Evanice.
— Do jeito que a gente morava antes, isso aqui é muito luxo. Os quartos são bem grandes, todo forradinho, madeira boa. Tomada em tudo quanto é canto. Ainda quero pintar as paredes, colocar o box e vidro no banheiro. Vai aos pouquinhos — afirma a moradora.
Desempregada e aguardando perícia do INSS por conta de uma doença no olho direito, Evanice conta que só consegue pagar as parcelas de R$ 228 por mês porque tem ajuda do filho e da mãe. A casa foi financiada em 10 anos pelo Funcap, por isso, conta com uma parcela um pouco mais alta. Segundo o secretário da Habitação, algumas famílias pagam de R$ 50 a R$ 80 por mês, com financiamentos mais longos.
O FUNDO
:: Em novembro deste ano, o Funcap completa 70 anos de existência em Caxias
:: 71% de inadimplência em 2022
:: De 2740 contratos ativos, 1964 estão com prestações em atraso
:: 5,5 mil inscritos aguardando por moradia
:: Receita anual de R$ 4 milhões
:: 375 ações de rescisão de contrato com o Funcap pelo não pagamento