A legislatura anterior da Câmara de Caxias ficou marcada pela dedicada articulação para cassação do ex-prefeito Daniel Guerra (sem partido). Independente da controvérsia que envolve o processo de impeachment, o trabalho intenso de oposição da maioria dos parlamentares não necessariamente desvinculou-se de uma das atribuições do cargo: a de fiscalizar o Poder Executivo. Já na atual composição do Legislativo, as características são outras.
Embora com um volume de proposições superior à da última legislatura, o dever constitucional de órgão fiscalizador foi ressignificado: além do acompanhamento dos atos da administração, o trabalho de vereadores nos primeiros meses se voltou a examinar o comportamento dos próprios colegas. A dinâmica é perceptível no elevado volume de denúncias ingressadas junto à Comissão de Ética Parlamentar – foram quatro – e um crescente de discussões acaloradas. Entre as recentes e mais notáveis, está a desavença entre os vereadores Mauricio Marcon (Novo) e Estela Balardin (PT), que acabou com Marcon denunciando a colega na Comissão de Ética – e registrando boletim de ocorrência contra ela na Polícia Civil – após ser chamado de “machista, racista e homofóbico. A própria origem do conflito era previsível, pois se deu após Marcon propor abertura de frente parlamentar denominada “em defesa dos trabalhadores”, mas cujo enfoque era o de questionar o Sindicato dos Metalúrgicos sobre cobrança de contribuição sindical. Como previsto, a iniciativa iria gerar desagrado a partidos de cunho trabalhista, como é o caso do PT de Estela.
Na mesma sessão, outro parlamentar, Sandro Fantinel (Patriota), direcionou uma controversa declaração ao governador Eduardo Leite (PSDB), que recentemente assumiu-se gay, com frase de duplo sentido (no quadro ao lado).
A fala repercutiu mal entre os próprios colegas de Fantinel e o partido do governador (e do prefeito Adiló Didomenico), que publicou nota em repúdio.
Nas redes sociais, o acúmulo de conflitos internos na Câmara tem gerado reações adversas ao comportamento dos vereadores, especialmente comentários que questionam a “utilidade” das situações geradas entre os próprios parlamentares.
– Em nível nacional também está acontecendo isso. A política escancarou de cima para baixo. Chegou ao extremo esse desgaste político. Mas é direito para o parlamentar ter direito a voz, mas gera desgaste político cada vez maior, e se comenta (entre a população) que seria desnecessário e isso é muito negativo. O próprio político leva o povo a dizer ‘não voto mais’ – admite o presidente do Legislativo, Velocino Uez (PTB).
E se depender de protagonistas de polêmicas, os conflitos internos tendem a se manter.
– Eu tô fazendo o que eu sou, minha postura vai ser igualzinha do que foi até agora até o fim do meu mandato. Lá para frente o pessoal vai me julgar – disse Marcon.
Fantinel, enquanto isso, anunciou que irá propor a instalação de uma Comissão Especial da Escola Sem Partido, que mesmo rejeitado (sob pedido da criação de uma subcomissão) na Comissão de Educação, deve ser colocada em discussão no plenário. O tema certamente deve desencadear novas desavenças ideológicas internas.
O que dizem
“Desgaste desnecessário”
Velocino Uez (PTB), presidente da Casa, pouco pode fazer para intervir no tom. Cabe a ele, no entanto, muitas vezes, a responsabilidade de apaziguar os ânimos ou mesmo interromper as sessões, buscar dispositivos e garantir o cumprimento do regimento.
- “Se o debate é qualificado ou não... a democracia é isso, não posso tirar direito de fala de cada representante que está aqui dentro, mas cada um depois responde pelos próprios atos e o que fala. Quem tem de fazer a leitura é ali fora, principalmente quem colocou o representante ali dentro.”
- “O desgaste político é desnecessário. Não é para isso que fomos colocados aqui dentro, mas não posso interferir que determinados vereadores não devem ou não possam fazer isso, é direito da democracia.”
“Quando ficamos dentro não trabalhamos para fora”
Denise Pessôa (PT) está há 13 anos na Câmara de Vereadores, atualmente uma das mais experientes da Casa.
- “Em vez de se debater o que acontece na cidade, que é a nossa função fiscalizar o poder público, se ficamos só nessas discussões internas acaba obviamente aflorando os ânimos. Isso é prejudicial para a cidade como um todo. Essa postura policialesca dentro da casa de ficar apontando como o outro trabalha parece que não se tem trabalho para mostrar. Se cada um fizesse o seu trabalho em compromisso com a cidade acho que teríamos menos discussões nesse nível. E acabamos vendo discussões mais pessoalizadas.”
- “Quando ficamos para dentro não trabalhamos para fora.”
- “São proposições que não são construtivas, mas se apoiam numa divergência ou destruição de imagem de alguém ou algum grupo.”
“Está bem qualificado”
Na visão do provocador assumido Mauricio Marcon (Novo), o nível de debate na Câmara atualmente é qualificado.
- “Eu acho que está bem qualificado (o debate). Tiramos, inclusive, muita gente da zona de conforto. Vereador assumia geralmente, ficava três anos e no último começava a se mexer e a votar coisa mais útil para a sociedade. São debates proveitosos que mostram como cada vereador se posiciona.”
- “Acho que quando eu entrei e me elegi vereador e fui o mais votado, mostrou que muita gente concorda comigo, eu entrei para fazer diferente. Pode dizer que não é mais do mesmo.”
- “Depende do que as pessoas entendem como produtivo. Eu, por exemplo, quebrei monopólio do serviço funerário, conseguimos fazer eles (Daer) consertarem a Rota do Sol na marra, agora vão consertar 122 na marra também, se precisar. Vamos conseguir que muita gente que ia ter descontado do sindicato indevidamente não ser descontado. Tem vereador que apresentou Dia do Pedestre Caxiense, sendo que já existe Dia do Pedestre. A população tem que ver o que ela prefere.”
“Parece boteco”
Rafael Bueno (PDT), vereador em terceiro mandato, é crítico do atual momento da Câmara.
- “Parece boteco (o debate). E a Câmara está desconectada dos verdadeiros e reais problemas da cidade.”
Episódios recentes que direcionam debate para a divergência interna
Frente Parlamentar em Defesa dos Trabalhadores
O requerimento foi discutido na sessão do dia 29 de julho. Pedia a instalação da Frente Parlamentar em Defesa dos Trabalhadores, assinado por integrantes outrora denominada “frente anti-PT” – Mauricio Marcon (Novo), Adriano Bressan (PTB), Alexandre Bortoluz (PP), Ricardo Daneluz (PDT) e Sandro Fantinel (Patriota) – mais Juliano Valim (PSD), Maurício Scalco (Novo) e os governistas Olmir Cadore (PSDB) e Tatiane Frizzo (PSDB). A frente proposta se fundamentou em ponto de colisão com a ideologia petista, o sindicalismo. Na justificativa para criação do grupo – idealizado por Marcon –, está a oposição à contribuição sindical mediante pagamento classificado como compulsório, ressalvado um “direito de oposição” ao qual os autores do requerimento apontam “severas restrições”.
Desavença entre Estela e Marcon
A discussão do requerimento para abertura da frente se tornou acirrada. Em dado momento, a vereadora Estela chamou Marcon de “machista, racista e homofóbico”. O parlamentar do Novo ingressou com denúncia na Comissão de Ética pedindo a cassação de Estela e registrou boletim de ocorrência contra a vereadora.
Declaração de Fantinel com referência a Eduardo Leite
Na mesma sessão do dia 29, Sandro Fantinel (Patriota) fez declaração que causou polêmica. Ao contestar a falta de resposta do governo do Estado quanto à manutenção de rodovias da região, o parlamentar disse:
– Com todo o respeito, nobre governador do Estado, o senhor disse que tinha que tirar a bunda da cadeira que as coisas se resolviam. O senhor tirou a bunda da cadeira. Deve ter botado em outro lugar, mas não em função de serviço.
A fala repercutiu mal entre alguns parlamentares, inclusive Estela Balardin, que disse que foi um dos estopins para o desconforto da sessão. Marisol Santos e Tatiane Frizzo, ambas do PSDB, também contestaram a declaração. O partido em Caxias e a bancada tucana na Câmara emitiram nota de repúdio.
Comissão Temporária Especial Escola sem Partido
Vereador Sandro Fantinel (Patriota) anunciou que irá propor a criação da Comissão Temporária Especial Escola sem Partido. O assunto, que sempre gerou polêmica, deve novamente causar discussões desgastantes em plenário.