Responsável pela primeira crise no governo, antes mesmo de a gestão Daniel Guerra começar, ao pedir desfiliação do PRB no início de dezembro, o vice-prefeito Ricardo Fabris de Abreu não esconde a insatisfação com o fato de ter ficado de fora da transição e não ter indicado nomes para compor o secretariado. Tanto que chegou a solicitar à Procuradoria-Geral do Município, em sua primeira semana no Executivo, os processos administrativos referentes à nomeação de todos membros do primeiro escalão. O pedido foi retirado após uma reunião com o prefeito Guerra na quinta-feira à noite:
– Conversamos e ele passou as informações que eu precisava – disse Fabris na sexta-feira à tarde.
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Outras solicitações, como parecer sobre a legalidade de trabalho voluntário em seu gabinete e a lotação ideal de servidores, também para seu gabinete, estão mantidas. Fabris, a princípio, tem direito a apenas um chefe de gabinete, nome que deve ser definido na próxima semana. Mas considera pouco para o tamanho do trabalho que planeja desenvolver. A intenção do vice é focar na segurança, atuando lado a lado com o secretário da pasta, José Francisco Mallmann (tanto que cedeu parte do seu gabinete para ele).
Nesta entrevista, concedida na quarta-feira à tarde, Fabris fala ainda sobre a permanência no PRB e confirma que não hesitaria em exonerar CCs caso assuma como prefeito em exercício.
Confira os principais trechos:
Pioneiro: O que o senhor já fez nesta primeira semana?
Ricardo Fabris de Abreu: Consegui no TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 4ª Região deferimento para que eu continue recebendo meu salário da União. Então, informei para a Secretaria de Recursos Humanos que estou declinando de receber o subsídio mensal de vice. Solicitei à Procuradoria um parecer sobre a lotação ideal de servidores e estagiários no gabinete do vice-prefeito, porque tradicionalmente o vice-prefeito só tem uma pessoa, um chefe de gabinete, e acho que é impossível trabalhar assim. Claro que a gente sabe que tradicionalmente o vice-prefeito indica pessoas nas secretarias, mas eu não fiz isso, não participei da transição. E isso está me mostrando que essa história de vice decorativo é decorativo mesmo se você não fizer nada. Se eu me propus a ser um vice-prefeito atuante, se quero trabalhar e realizar alguma coisa, preciso ter um gabinete, com pessoas, porque não quero ter tarefas, não quero ficar inaugurando lugares quando o Daniel não pode, ou ficar recebendo (pessoas), para isso tem recepcionista.
O senhor indica quantas pessoas gostaria de ter?
Não. Quero saber uma lotação para buscar dentro do quadro (de servidores), não tem necessidade de ser CC. O que quero é pessoas trabalhando. Como vou fazer todas as atividades previstas no gabinete com uma pessoa? Eu também declinei da utilização de motorista e veículo oficial e pedi que seja cedido à Secretaria de Segurança para conversão em viatura da Guarda Municipal. Falando da Guarda, pedi para a Procuradoria vista do processo administrativo que deferiu a utilização de guardas de forma permanente nas estações de transbordo (Floresta e Imigrante). Me parece, numa primeira análise, inapropriado que eles estejam na estação de transbordo porque, embora se trate de um imóvel público, é um imóvel concedido para a empresa concessionária do transporte público que, salvo qualquer juízo, é quem deve promover e contratar segurança ali.
Mas a estação é do município, não?
Sim, exatamente. Justamente essa questão submeti à Procuradoria, pedi um parecer. Quero examinar o processo, porque me parece inapropriado a Guarda prestando 24 horas para a empresa. Me parece mais razoável que a empresa contrate a sua vigilância. A Guarda é mais importante na rua e nos seus serviços próprios. Não significa que não possa ter um guarda nos horários de pico. Mas é questão de racionalizar o efetivo. Também solicitei à Procuradoria todos os processos administrativos que são referentes às nomeações de secretários, procuradores, diretores e presidentes realizadas pelo prefeito Daniel Guerra. Como já falei, não participei da transição, da escolha de secretários, não fui consultado, soube pela imprensa quem são e faço questão de conhecer os secretários, porque, de certa forma, são os meus secretários, quero examinar todo o processo de nomeação, os currículos, conversar com os secretários se eu achar conveniente. (Na sexta-feira, o vice informou que reconsiderou o pedido de vista dos processos de nomeação de secretários, pois tratou do assunto com o prefeito pessoalmente). Também solicitei à Procuradoria a legalidade do trabalho voluntário no âmbito do gabinete do vice-prefeito. Acredito que não haja problema, já que o prefeito Daniel Guerra está utilizando o trabalho voluntário do Heron (Fagundes), que foi coordenador da campanha dele, que comparece aqui e participa das reuniões. Também estou solicitando à Procuradoria (parecer sobre) a constitucionalidade do artigo 31 do Decreto 16.780/2013, que atribui várias tarefas ao vice-prefeito. Acredito que, por se tratar de um mero decreto, deve ser inconstitucional. Qualquer tipo de atribuição exigiria lei complementar à Lei Orgânica.
E o que diz esse decreto?
Ele fala de várias atribuições, mas elas são políticas. Essencialmente, são atividades políticas, e eu quero ser um vice-prefeito com viés mais técnico e mais atuante. Essa índole de atuação política não é exatamente o que eu quero exercitar. Não quero ser e não serei um vice político, de tratar de política, de falar com as pessoas, de acompanhar projetos, de representar o prefeito. Eu não quero ser um preposto do prefeito. Não quero, não sou e não serei. Sou um mandatário, como ele. "Verificar serviços e obras" (uma das atribuições previstas no decreto), eu não sou um fiscal de obras. Posso eventualmente ir in loco e, se eu constatar alguma irregularidade, posso analisar o processo administrativo. Enfim, é um decreto muito genérico, é tudo de viés político, e eu não quero isso. Solicitei também informações à Secretaria de Recursos Humanos, porque fui informado por diversos servidores que existe uma ordem de serviço que determinou que, se um servidor ultrapassa em 14 minutos o seu horário de saída no ponto, tem descontada uma hora do seu salário. Isso me surpreendeu um pouco. Por fim, solicitei ao procurador-geral um parecer sobre a lei 8.170, de 19 de dezembro de 2016, que diz respeito a repasse de auxílio financeiro à União das Associações de Bairros (UAB). Me parece que como foi feita a redação, obriga o município a repassar determinado valor anual para a UAB e não faculta. A Lei Orgânica diz que a UAB será contemplada anualmente com recursos financeiros para suas atividades de acordo com a disponibilidade do município, ou seja, o município tem que ter um valor disponível, dispondo disso no Orçamento, vai colaborar com a UAB.
O senhor diz não conhecer os secretários. Na segunda-feira, na primeira reunião com o secretariado, da qual o senhor não participou, não teria sido uma oportunidade para conhecê-los?
Não da forma como eu quero. Conhecer de conversar, de cumprimentar, isso já fiz. Alguns já tive a oportunidade de conhecer melhor. Mas eu quero ver o histórico dessas pessoas, o currículo dessas pessoas, a formação delas, para poder me inteirar que tipo de diálogo posso ter com elas, porque tenho esse viés da segurança pública. Trânsito me interessa muito. O trânsito está diretamente ligado à segurança. Ontem (terça-feira), conversei com a diretora da FAS (Rosana Santini Menegotto) informalmente, mas já pedi uma reunião com ela. A FAS está intimamente ligada com a segurança pública, porque tu tens que trabalhar o assistencialismo social como forma de prevenção à criminalidade. Mais simples, claro, é visitar as pessoas nas secretarias e conversar, mas isso eu deixo para uma cortesia. A questão que eu quero é conhecer a ficha funcional dessas pessoas. (Conforme Fabris, na quinta-feira à noite, Guerra forneceu as informações que ele desejava sobre os secretários.)
O senhor foi muito criticado nas redes sociais por não ter ido à primeira reunião com o secretariado. Por que o senhor não participou?
Participar ou não é uma prerrogativa minha. Não sou convocado para reunião, sou convidado para reuniões. Era uma reunião cuja pauta eu já sabia, de apresentação. Eu declinei do convite do prefeito, informei que não participaria. Cheguei mais tarde e tratei da instalação do meu gabinete, até porque eu também comuniquei ao prefeito que era meu primeiro dia na prefeitura e o primeiro dia dele e tenho entendimento que a minha primeira reunião oficial como vice-prefeito deveria ser com o prefeito, nós dois, para discutirmos o início da administração. Para mim, o protocolo é esse. Foi uma decisão minha, não teve nenhum motivo especial, até porque não teve nenhuma pauta que interessasse ao vice-prefeito. Seria simplesmente a minha presença ali.
O senhor e o prefeito tiveram a primeira reunião na segunda à tarde. Voltaram a conversar depois?
Sim, todo dia. Ele veio aqui hoje (quarta-feira) mesmo perguntar sobre a mudança de layout do gabinete. Nós temos um problema que a Secretaria de Segurança é muito acanhada, é muito pequeno o espaço. Coloquei à disposição parte do gabinete, porque o espaço físico está além do que preciso. Também gostaria de ter o secretário ao meu lado, essa proximidade é do meu interesse. Ontem (terça-feira) à noite, ficamos (Guerra e Fabris) até tarde conversando. Nos falamos diariamente.
O que o senhor tem achado das primeiras ações do prefeito?
Gosto muito, acho que ele está cumprindo o que se propôs a se fazer. Confio muito no trabalho dele, acho que é uma pessoa determinada a realizar a administração que se propôs. Creio que ele vai realizar isso, vai mudar a cidade para melhor. Estou aqui ao lado para ajudar no que for possível. Claro, ele tem todas as atribuições dele e tem todo seu gabinete, eu estou me dedicando mais ao meu papel, porque o Daniel sabe o que fazer e vai fazer muito bem. Eu tenho que ocupar o meu espaço e conseguir me estruturar para realizar as minhas tarefas também.
A escolha pelo secretário José Francisco Mallmann para a segurança lhe agradou?
Sim, me agradou. Como eu disse, não fui consultado para a escolha do secretário, porém, não podemos institucionalmente agir com qualquer tipo de preconceito. O secretário Mallmann é uma pessoa que é precedida pela sua boa fama e por sua reputação. Já conversei diversas vezes com ele, tivemos uma reunião na quinta-feira. Ele é egresso da Polícia Federal, uma instituição pela qual tenho maior apreço, ele é seguramente uma pessoa muito preparada, é muito ponderado no que faz. Já trocamos ideias e temos algumas ideias que são comuns. Até agora, tudo o que conversamos, concordamos. Acho que o delegado Mallmann foi uma excelente escolha do prefeito.
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O senhor vai permanecer no PRB?
Sim. Eu tinha feito o pedido de desfiliação, entretanto, naquela viagem que fiz a Brasília, a direção do partido, em especial, o deputado federal Carlos Gomes e o deputado estadual (Sérgio) Peres, pediu que eu reconsiderasse, pelo menos por ora não saísse do partido. Então, deixei em stand by. Não vou tomar mais nenhum movimento. Permaneço no PRB até porque, neste momento, sinceramente, ficar sem partido não faria a diferença que eu pensei num primeiro momento com relação ao meu relacionamento com a Câmara. Não estou vendo esse tipo de preconceito pelo fato de eu ser filiado ao PRB com vereadores que eu tenho conversado, que seria a minha maior preocupação. Também não tenho a intenção nenhuma de me filiar a outro partido. Ouvi boatos de que estaria me filiando no PDT ou no PMDB. Isso não aconteceu, ninguém me convidou. Converso com pessoas desses partidos porque tenho amigos, porque tem pessoas que conheço há muitos anos. Por exemplo, Ari Dallegrave, presidente do PMDB, é advogado trabalhista, conheço ele há 30 anos.
Mas existe possibilidade de troca de partido?
Não estou pensando nisso agora. Sinceramente, eu não tenho compromisso com nenhum partido, nem com o PRB. Claro, tenho o compromisso institucional de respeitar o partido, seguir as diretrizes, participar da política do partido e ser fiel à proposta, mas não tenho nenhum tipo de débito no sentido amplo que essa palavra tem, de débito, de compromisso. Não devo satisfação, favor, dinheiro para nenhum partido político e para nenhum político, inclusive para o Daniel Guerra, não o prefeito, mas o Daniel enquanto cidadão, filiado ao PRB. Não tenho compromisso com nenhuma dessas pessoas, só de cordialidade, de urbanidade, de me relacionar bem com essas pessoas. Eu tenho um compromisso com a minha consciência. E esse compromisso é também com a cidade. Tenho que pensar no que vou fazer em quatro anos para melhorar a cidade. Não tenho nenhuma expectativa, nenhum devaneio de transformar Caxias do Sul em Toronto. Vou trabalhar com convicção e honestidade, seguindo meus valores éticos e morais.
Se o senhor assumir como prefeito em exercício, irá, de fato, exonerar CCs como chegou a afirmar?
Não. Veja bem, realmente falei que exoneraria, mas essa declaração reverberou e foi um pouco dimensionada. Como disse, não conheço os secretários, eu confio no juízo do prefeito, ele decidiu escolher sozinho os secretários, sem a participação do vice-prefeito. Na hipótese de me deparar com um secretário que tenha motivos plausíveis, reais, para não confiar no trabalho ou que me seja mostrado que determinada tarefa que é de responsabilidade da pasta não está sendo realizada a contento, segundo o meu critério e o critério da prefeitura, eu não hesitaria em nenhum momento em exonerar e colocaria interinamente uma pessoa que fosse da minha confiança. Não é "ah, vou exonerar todo mundo". Isso seria um escândalo, um disparate.
Ficaram mágoas pelo fato de não ter participado da transição?
Sim. Não mágoa. O que eu tenho é um certo desapontamento. Não é mágoa, se sentir traído. É um desapontamento porque, apesar de ter sido a primeira vez que participei disso, não me parece correto o vice-prefeito não ser informado sobre as decisões que o prefeito está tomando, o pessoal que ele está contratando. Pode ter esse sigilo com todo mundo, menos com o vice, porque é o meu secretariado também. Não sou subordinado ao prefeito, nós governamos juntos. Não é o secretariado do prefeito, é o secretariado da prefeitura, e a administração tem só dois mandatários: o prefeito e o vice. Isso me pareceu um mal começo, então, permanece o desapontamento, já transmiti isso, o prefeito Daniel sabe disso. Foi, no mínimo, uma descortesia fazer isso. Eu teria agido diferente.
O senhor se arrepende de ter concorrido ao lado de Guerra?
Não, de forma alguma. Considero ele uma pessoa honrada, digna, educada, inteligente, preparada, capaz. Nós não somos amigos, nunca fomos amigos, nos conhecemos há pouco tempo. O convite que ele fez me surpreendeu, não esperava ser convidado para uma posição de tamanha importância como a de vice-prefeito. Me sinto muito honrado em ser vice-prefeito na cidade onde meus antepassados chegaram orgulhosamente colonos. Arrependimento nenhum, até porque se arrepender a essa hora não ia resolver nada.