Em 1964, José Enedir Dias Bemfica era cabo do Exército. O militar ajudou a prender o médico Henrique Ordovás Filho, seu sobrinho, o empresário Darwin Corsetti, e os sindicalistas Luiz Pizzetti e Bruno Segalla. Hoje, aos 77 anos, aposentado como segundo sargento e ex-vereador, Bemfica relembra os episódios que marcaram os primeiros tempos da ditadura que duraria 21 anos. Cerca de 60 pessoas foram presas em Caxias em apenas 15 dias, contabiliza Bemfica. Todos foram levados a Porto Alegre.
INFOGRÁFICO: confira os fatos mais marcantes da época do regime militar
- Todos foram algemados com um brigadiano. Aí talvez tenha havido o problema de tortura, não física, mas psicológica. Você pega um doutor como Ordovás, um empresário como o Darwin, o Segalla... É uma humilhação. Acho que houve realmente humilhação, mas não tinha como evitar, dado o momento que se estava vivendo.
Bemfica detalha as prisões:
- Éramos em oito elementos, sendo um oficial, dois sargentos, dois cabos e o resto soldados. Cercávamos as casas, o pessoal do grupo entrava, prendia e levava para o quartel. No quartel, eles eram ouvidos e, após, algemados, colocados num ônibus e mandados para Porto Alegre.
Quando voltavam de Porto Alegre, conforme Bemfica, os presos respondiam a um inquérito que investigava a vida e as implicações políticas de cada um. Durante seis meses, eram obrigados a se apresentar no quartel e na polícia todos os dias.
Bemfica garante que nunca houve agressão física.
- A única agressão é que o pessoal que foi preso ficava de frente para o muro e atrás tinha um soldado de arma cruzada, que era para fazer a segurança. Nunca houve agressão física ou moral, só o problema das algemas, o choque por causa das metralhadoras - avalia.
Sobre a reação no ato das prisões, ele diz que era de surpresa, mas ninguém oferecia resistência. Lembra que familiares choravam e, quanto à sua participação, afirma que cumpria determinações superiores. E a única ordem mais drástica que recebia era prender comunistas.
- A mulher do Ordovás chorava muito. Mas você, no quartel, cumpre a missão. Se for partir para o sentimento acaba não cumprindo, tem que fazer. Você cumpre a determinação do superior. Era o comando do 3º Grupo que mandava ir lá efetuar as prisões, não tinha nada a ver com os soldados ou com o cabo, que apenas faziam parte do grupo - argumenta o militar da reserva.
Passados 50 anos, Bemfica (foto ao lado) segue apoiando o golpe, porque, do contrário, o país iria "desembocar no temido comunismo". Inclusive, diz que o AI-5 também era necessário, senão a revolução perderia para o partido vermelho. Apesar do posicionamento, o reservista garante que não é ditador, nem defende a ditadura.
Crítico do governo, dispara:
- Defendo a democracia, mas infelizmente a nossa democracia está capenga, e a continuar essa democracia que está aí, a cada dia nova corrupção, não sei onde vamos parar. Se tiver que participar de um outro movimento no sentido de recuperar a ordem institucional, eu apoio tranquilamente. Acho que deveria haver uma intervenção branca no sentido de recolocar as coisas no lugar e fazer eleição logo em seguida.
Militar reformado admite alguns excessos
O militar reformado Alvino Brugalli, 82 anos, reconhece que pode ter havido alguns excessos durante o regime, mas defende que seja analisada a geopolítica mundial da época.
Nas palavras dele, o mundo era formado "de um lado pela União Soviética e o Partido Comunista opressor, assassino. De outro lado, a democracia americana".
Segundo ele, o caxiense, de modo geral, estava plenamente de acordo com o que tinha acontecido em março de 1964.
- Havia uma minoria, uma absoluta minoria, que queria resistir. Eram 33 gatos pingados, com o perdão da expressão, contra a população de Caxias, que era em torno de 40 mil. Eles e nada é a mesma coisa. Que força tem um conjunto de pessoas tão diminuto para modificar o que outros pensam?
Policial atuava no braço caxiense do temido Dops
O policial civil aposentado Gilberto Corá, 66 anos, atuou no Serviço de Ordem Política e Social (Sops), braço caxiense do temido Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do governo militar. Tomada de interrogatórios, prisões provisórias, libertação dos suspeitos ou envio para Porto Alegre ocorriam no prédio que hoje sedia a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, na esquina das ruas Marquês do Herval e Pinheiro Machado - na época também havia uma delegacia onde hoje fica o Colégio São Carlos, em São Pelegrino, mas não há confirmação de tomada de depoimentos no local.
Assista ao depoimento em vídeo de Gilberto Corá
50 Anos do Golpe Militar
Militares e policiais da época negam a prática de tortura em Caxias do Sul
Humilhações e intimidações eram admitidas, segundo eles, sob o argumento de que era necessário e havia ordens para isso
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