O desfecho de crimes contra a vida ganhou celeridade nos últimos meses e deve ficar ainda mais ágil em Caxias do Sul. É que a partir de segunda-feira (14), de forma inédita, a 1ª Vara Criminal contará com dois juízes titulares atuando simultaneamente, o que representa mais velocidade para a conclusão de processos e colabora para diminuir o sofrimento de quem perdeu um familiar e há anos aguarda por Justiça — veja mais abaixo.
Para além do ineditismo, a presença de dois magistrados fixos também representa um importante avanço frente ao acúmulo de processos registrado nos últimos anos sem a presença recorrente de um titular na 1ª Vara Criminal.
A repartição conta, desde 2021, com dois juizados especializados. À frente do 2º Juizado está, desde fevereiro, o juiz Thiago Dias da Cunha. Já, no 1º Juizado, o cargo era ocupado, de forma temporária, pelo juiz Regis de Souza Ramalho — o magistrado se dedicou à função até o dia 14 de julho, quando foi promovido para a Vara Criminal da Comarca de São Luiz Gonzaga. Na segunda-feira (14), o cargo será assumido pelo magistrado Mauro Peil Martins, de forma fixa.
— A Vara do Júri de Caxias do Sul passou grande período sem juiz titular, o que acarretou um acúmulo de processos aguardando julgamento. Agora, com a chegada do doutor Mauro teremos dois juízes titulares na 1ª Vara Criminal, o que proporcionará um andamento mais célere dos processos, com a realização de um maior número de júris e a progressiva redução do tempo de espera para julgamento dos feitos. Destaca-se que Caxias do Sul é a segunda maior Comarca do Estado e tem um volume expressivo de processos em tramitação, sendo evidente a necessidade de dois magistrados atuando na Vara do Júri — avalia a diretora do Fórum, juíza Joseline Mirele Pinson de Vargas.
A chegada de Cunha há seis meses já representou um avanço perante a casos que estavam em atraso. Quando assumiu, em fevereiro, havia 208 julgamentos para serem pautados, ou seja, para terem data determinada para irem a plenário. Todos, segundo ele, já foram agendados, sendo que o mais distante está previsto para ocorrer em 2026. Além disso, desde que assumiu, o magistrado soma 33 júris realizados.
— A nossa estratégia, que já fiz em comarcas anteriores, é marcar o júri de réu solto e deixarmos espaço na pauta para os de réu preso. Se em determinado mês não havia processo de réu preso pronto para incluirmos na pauta, pegávamos os de réu solto marcados para frente e antecipávamos. Temos feito assim e objetivo é que, ao longo desse tempo, consigamos antecipar a pauta e colocarmos tudo em dia num prazo de dois anos — detalha o magistrado, acrescentando que, em geral, é preciso reservar um dia inteiro para cada júri, portanto, seriam necessários 208 dias úteis para zerar a fila de processos antigos.
"A carga emocional acaba sendo um combustível para fazermos um esforço maior que o normal"
Embora não quantifique, Cunha diz que há "muitos processos" antigos, que necessitam de prioridade, conforme determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Contudo, para além de números e julgamentos que se acumularam nos últimos anos, o magistrado ressalta que há uma carga emocional nos julgamentos por parte de todos os envolvidos, sejam réus ou vítimas.
— É algo bem presente e acaba sendo um combustível para levarmos os processos adiante e para fazermos um esforço maior que o normal (para dar um desfecho ágil aos casos) — finaliza o magistrado.
A estimativa é de que cada juizado recebe, em média, 300 novos processos por ano, referentes a tentativas de homicídio e assassinatos. Alguns casos de suicídio também entram nesta soma, quando há, por exemplo, suspeita de simulação.
Dados da 1ª Vara Criminal
1º Juizado
Audiências de processos pautadas: 46
Julgamentos pautados: 7
Audiências de processos que aguardam data: 87
Júris que aguardam data: 197
(as pendências terão agendamento definido pelo novo juiz titular)
2º Juizado
Audiências de processos pautadas: 154
Julgamentos pautados: 209
"É que nem um caminhão passando por cima de ti", diz mulher que aguarda conclusão de caso de 2004
Um dos casos que aguarda por um desfecho e está pautado na agenda do 2º Juizado da 1ª Vara Criminal é o da morte de Eron Jefferson Correa Fioravanti. O assassinato remete a 2004 e a espera de quase 20 anos gera angústia e sofrimento aos familiares. Um júri sobre o crime chegou a ser realizado, porém foi anulado. Outro, marcado para o último mês de junho, foi adiado e deverá acontecer em 13 de setembro.
— É que nem um caminhão passando por cima de ti. Eu não durmo. Eu tinha 40 anos (na época do assassinato), hoje eu estou com 59, eu acho que eu não preciso mais, né? Ter que passar por isso, ter que viver tudo de novo, ter que lembrar. Hoje volta tudo de novo. Eu estava junto com ele, vi toda cena. Eu não queria mais passar por isso, reviver toda essa história e agora ter que fazer tudo de novo — desabafa a viúva de Eron, Silvana Fioravanti.
O crime ocorreu no dia 23 de dezembro de 2004 em um bar da área central de Caxias. Após uma discussão, o autor confesso — alegando legítima defesa — e apontado por quatro testemunhas, Cristalino Cappellari, 76 anos, disparou seis tiros contra a porta do banheiro, onde Fiovaranti estava escondido atrás. Dois acertaram o coração, matando-o na hora.
Um primeiro júri ocorreu em 2017, mas foi anulado pelo Tribunal de Justiça do Estado, após pedido da defesa de Cappellari. À época, foi alegado que a representante do Ministério Público (MP) fez menção a um laudo médico que fazia parte de um processo julgado na semana anterior ao júri. Na ocasião, Cappellari foi condenado a 12 anos de reclusão.
Conforme a promotora do MP, que faz a acusação neste processo, Graziela Lorenzoni, um novo júri deveria ter ocorrido seis anos após o primeiro, no último dia 28 de junho. Para o novo julgamento, a defesa pediu o adiamento por não comparecimento de testemunhas arroladas como imprescindíveis no caso.
O sentimento de impunidade é compartilhado pela filha do casal, Angélica. Hoje, ela tem três filhas, a mais velha com 16 anos. Nenhuma conheceu o avô.
— É muito triste. Só queremos que isso acabe. Para a mãe acalmar o coração dela, ela precisa que termine isso — diz Angélica.
A fé é o que dá forças para as duas. No corredor do apartamento de Silvana, há um altar com imagens de orixás e entidades ligados à umbanda. Também, há quadros pintados, dentre eles de Xangô, feitos por Angélica.
Agora, a família aguarda um novo julgamento, previsto para ocorrer no dia 13 de setembro. Sobre a nova data, a expectativa da defesa de Cristalino Cappellari é pela absolvição do réu.
— Que os jurados julguem segundo a prova do processo, segundo a lei, segundo a sua experiência de vida, e segundo as suas consciências. Se assim agirem, o acusado será absolvido — pontua o advogado de defesa, Airton Barbosa de Almeida.