Durou mais de 10 horas o segundo dia da perícia que reproduziu a perseguição que resultou na morte de Matheus da Silva dos Santos, 21 anos, em Caxias do Sul. Na madrugada desta quarta-feira (13), foram recriados os passos dos cinco suspeitos apontados pela Polícia Civil: quatro guardas municipais e um servidor municipal da Secretaria de Urbanismo, que possui porte de arma. Este última etapa da investigação pretende determinar quem foi autor do disparo fatal.
A chamada reprodução simulada dos fatos, feita pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP), tomou o depoimento de 12 envolvidos, entre suspeitos e testemunhas, e refez seus passos entre a Rua Moreira César, onde começou a perseguição, e a rótula da Avenida Ruben Bento Alves (Perimetral Norte) com Rua Ludovico Cavinato, onde aconteceram os tiros na madrugada do dia 6 de junho de 2021.
A principal expectativa da perícia era determinar o posicionamento de cada um dos suspeitos no momento dos tiros. Responsável pelos trabalhos, a perita criminal Bárbara Cavedon verificava a linha de visão e a distância entre os suspeitos e as vítimas.
— Esse exame é uma tentativa de fazer esta individualização (das condutas). Isso se deve a análise dos posicionamentos e disparos na ocorrência. Precisamos fazer a análise de todas estas versões com todo material que já se tem (na investigação). Buscamos ter elementos para fazer esta individualização. Este é um caso bem complexo, com 12 versões, então é complicado estimar quanto tempo será necessário para este laudo — aponta a representante do IGP.
O posicionamento de cada atirador é importante devido a um elemento apontado pela necropsia. A perícia no corpo de Matheus apontou uma zona de tatuagem. Este efeito na pele ocorre quando há um disparo a curta distância, de no máximo um metro. A pólvora e outros elementos que grudam na pele fazendo esta "tatuagem".
Outro ponto relevante é que a perícia apontou que o tiro que matou Matheus veio do lado direito, ou seja, da janela do caroneiro. O motorista foi atingido na cabeça, mas o projetil o transfixou, por isso não foi possível fazer uma balística — exame de comparação que determina de qual arma partiu um projetil apreendido.
O relatório pericial apontou que a Parati branca, conduzida por Mateus, foi atingida por pelo menos oitos disparos de arma de fogo. A maioria dos tiros atingiu a lateral e a parte traseira do veículo. Todas as munições apreendidas eram de mesmo calibre — não divulgado pela Polícia Civil.
Ex-CC do Urbanismo nega ter atirado
O quinto suspeito era um servidor em cargo de confiança (CC) na Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU). Durante o enfrentamento da covid-19, ele era o responsável por receber as denúncias e traçar o roteiro das operações noturnas. De acordo com a advogada Marieli Mercali, que o representa, o servidor não atirou contra a Parati branca.
— Ele não realizou disparo nenhum. Ele estava armado, pois tem porte de arma há mais de 20 anos e nunca precisou utilizar da arma. Tanto que nem sabiam que ele estava armado. Foi ele quem procurou a Polícia Civil, entregou a arma e se colocou a disposição — aponta a advogada.
Após o ocorrido, o homem foi afastado de sua função no Urbanismo e hoje trabalha na Câmara de Vereadores. Ele relata ter sofrido, nos últimos 10 meses, com mensagens e comentários que o apontaram como autor da morte de Matheus. Com a reprodução simuladas dos fatos, ele espera que não seja mais considerado um suspeito do caso.
— Minha função era cuidar das operações noturnas de fiscalização (da SMU). Recebia as denúncias e fazia este roteiro para fiscalização e dispersão de aglomerações. Aconteceu esta perseguição e ouvi pelo rádio que o veículo rodopiou. Desci (até o local) para verificar se precisaria guincho, saber qual era a situação e quanto tempo levaria, afinal a operação tinha outros lugares para averiguar. Infelizmente, me deparei com o tiroteio e estive presente no local errado na hora errada — opinou o ex-CC do Urbanismo.
Naquela madrugada, o ex-coordenador estava acompanhado de sua esposa. O CC alega que a mulher atuava, no momento da ação, como colega de trabalho. Segundo a advogada Marieli, que acompanhava o casal, a mulher trabalhou na SMU até 2020 e depois continuou como voluntária. Por isso, costumava acompanhar o marido nas operações e ajudava a traçar os roteiros enquanto ele dirigia. Como testemunha da perseguição, a versão da mulher também foi recriada pela perita.
Defesa dos guardas não acredita em indiciamento
A reprodução simulada dos fatos foi um pedido da defesa dos quatro guardas municipais, os advogados Ivandro Bitencourt Feijó e Maurício Adami Custódio. Um dos pontos principais era reforçar o depoimento e posicionamento de cada guarda no momentos dos tiros. Um deles, o que teria sido atingido pela Parati branca quando desembarcava da viatura, não teria efetuado disparos segundo os depoimentos.
— Acredito que conseguimos identificar a posição dos guardas e destacar que se mostram incompatíveis com a lesão que foi apresentada pela Matheus. Os vestígios aponta uma outra dinâmica que não esta relatada pelos guardas e pelo somatório dos indícios deste inquérito. Os disparos deles miravam apenas os rodados para que este veículo parasse, pois já havia duas tentativas de atropelamento — afirma Custódio.
O advogado dos guardas alega que os tiros efetuados foram dentro da técnica policial e que foram um último recurso diante da insistente fuga do motorista da Parati, que tentava fugir e colocava em risco os servidores envolvidos na operação daquela noite. Custódio cogita solicitar novas diligência, que podem ou não ser acatadas pela Polícia Civil.
— É possível solicitarmos alguns esclarecimentos como o motivo de um servidor do município que não ostenta a qualidade de polícia estar tripulando um veículo oficial do município. Até onde essa conduta é fruto da relação administrativa? Isso contribuiu para o desfecho ou não? Há uma linha de investigação que trabalhou com a questão dele estar com uma arma de fogo.
Servidora voluntária não era remunerada
A Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) esclarece que esposa do CC foi ouvida como testemunha durante a perícia. Ela era uma voluntária da operação daquela noite. Conforme o titular da SMU, João Uez, a mulher trabalhou como CC na pasta durante a gestão do prefeito Flavio Cassina. Após, teria se prontificado para exercer a função de voluntária e teria assinado um termo na Secretaria de Recursos Humanos. Ela não recebia salário.
A testemunha chamou atenção por ser incomum esse tipo de trabalho voluntário e também por ser esposa do CC que aparece como suspeito na investigação policial. A SMU não possui nenhum outro voluntário em atividade no momento.
— Ela foi diretora geral da SMU e, basicamente, voltou no voluntariado para ajudar nesta mesma questão burocrática. Nos auxiliava quando os horários dela permitia, em uma função que poderia ser feita por um estagiário ou um agente administrativo. Em algumas noites, ela fazia registros fotográficos das operações — explica Uez, que ainda aponta que a mulher encerrou o termo de voluntariado após o ocorrido.
Sobre o servidor que foi ouvido como suspeito na perícia, a SMU relata que ele era um CC6, que exercia função de coordenador desde o início da gestão atual da prefeitura, em janeiro do ano passado. Segundo o secretário João Uez, naquela noite, o CC era o responsável pelo telefone da SMU que recebia as denúncias sobre aglomerações durante a pandemia de covid-19. Com essas informações, o coordenador era responsável pela logística da força-tarefa com os outros órgãos de segurança pública e indicava os endereços para as abordagens.
— Nas noites em que acompanhei, e foram várias, eu mesmo fazia este trabalho. (Sobre o porte de arma), como secretário, indaguei uma vez e ele mostrou o documento. Então, era uma situação tranquila. Quem seria eu para dizer que podia andar armado ou não? É a Polícia Federal que regula este porte para defesa pessoal. Mas, (o porte de arma) não era algo que o cargo exigisse — comenta Uez.
O nome do casal não é divulgado pois não há qualquer indiciamento ou ordem judicial contra eles.