Tripulantes da Parati e fiscais de trânsito foram ouvidos na primeira parte da reprodução da perseguição que resultou na morte de Matheus da Silva dos Santos, 21 anos, em Caxias do Sul. A perícia, que é a última etapa da investigação, exigiu uma intensa mobilização policial e chamou atenção de quem trafegava pela Rua Moreira César e a Perimetral Norte, que tiveram trechos bloqueados entre a noite dessa terça-feira e o início da madrugada de quarta-feira (6).
A segunda parte da simulação está agendada para a próxima terça-feira (12), quando serão ouvidos mais uma testemunha e os cinco suspeitos. Para a Polícia Civil, há cinco investigados: quatro guardas municipais e um servidor municipal que possui porte de arma. A reprodução deve auxiliar a determinar qual deles foi o autor do disparo fatal.
Liderada pelo Instituto Geral de Perícias (IGP), a Reprodução Simulada dos Fatos recriou cada movimento dos envolvidos naquela madrugada do dia 6 de junho de 2021. Os relatos iniciaram na Rua Moreira César, em frente a um bar que foi alvo de uma força-tarefa. Na época, a prefeitura enfrentava a pandemia de coronavírus e realizava vistorias para dispersar aglomerações.
Matheus e dois amigos, Rian dos Santos, 20, e Sebastião Daniel dos Santos, 21, estavam naquele bar. Ao perceber a fiscalização, eles decidiram fugir. Matheus era o motorista da Parati e não possuía Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Com as testemunhas, o trabalho pericial refez o trajeto subindo a Rua José de Carli, dobrando na Rua Alfredo Belizário Peteffi e acessando a Perimetral Norte. A Parati foi perseguida por viaturas da Fiscalização de Trânsito, que solicitou o reforço da Guarda Municipal, que continuava na Moreira César e desceu diretamente na Perimetral Norte.
A perseguição prosseguiu até a rótula com a Rua Ludovico Cavinatto, onde a Parati foi cercada. Foi neste momento que aconteceu a sequência de tiros, sendo que um deles atingiu Matheus na cabeça e levou a sua morte.
— Naquele momento, o posicionamento (dos envolvidos) pode nos mostrar qual foi o trajeto e de qual o armamento foi expelido o projetil fatal. Isso, para nós, esclarece o crime contra a vida. Ali, ocorreu o homicídio e precisamos entender qual pessoa teve campo de visão e trajeto para acertar o projetil naquelas circunstâncias — aponta o advogado Ivandro Bitencourt Feijó, representante dos quatro guardas municipais e que solicitou a reprodução simulada dos fatos.
— Estamos confiantes que esta reprodução será fundamental para demonstrar o que eles (guardas) falaram desde o primeiro momento: que houve uma fuga, com uma tentativa de atropelamento, que utilizaram os sinais, que houve colisões do veículo em fuga contra as viaturas da Fiscalização de Trânsito e que houve a necessidade da intervenção da arma de fogo para obter a parada da Parati e, mesmo assim, não tiveram êxito — afirma o advogado.
Quem também acompanhou a perícia foram a família e amigos de Matheus. Com faixas, eles se posicionaram na Rua Moreira César e pediram por Justiça. Para a advogada Olga Popoviche, que atua como assistente de acusação, o caso foi uma execução.
— Queremos que todos os envolvidos sejam indiciados, e não somente o que acertou o tiro fatal no Matheus. Buscamos que sejam levados ao Tribunal do Júri para que a sociedade julgue eles. O que aconteceu foi uma execução. Foram oito tiros (contra a Parati). Os responsáveis devem ser punidos pelo homicídio do Matheus e pela tentativa de homicídio do Rian e do Sebastião (que também tripulavam o veículo).
Comparação de depoimentos
A Reprodução Simulada dos Fatos é considerada uma das formas mais complexas de perícia. Ela é indicada para confrontar a versão apresentada por acusados ou testemunhas de um crime com outras versões e até outros laudos periciais. Cada envolvido relata a sua versão dos fatos para a perita criminal, que é responsável por recriar e fotografar cada momento.
Imagens de câmeras e outras provas não são consideradas neste momento, porque o que está em avaliação é o relato do acusado ou testemunha ouvidos. Inclusive, as marcas no muro onde a Parati colidiu naquela noite, que continua quebrado, não foram levadas em consideração, com o automóvel sendo posicionado conforme cada relato. Para quem acompanhava, as divergências eram evidentes tanto em detalhes como em pontos fundamentais, como a quantidade de veículos envolvidos na perseguição.
Depois, é elaborado um laudo pericial apontando quais versões são mais compatíveis. Contudo, a conclusão sobre os fatos cabe a Delegacia do Homicídios, responsável pelo inquérito policial.
— São 10 meses da morte do Matheus e esta perícia deverá levar entre 60 e 90 dias. O delegado responsável nos afirmou que, com este laudo, irá encerrar o inquérito. Após esta conclusão, a expectativa é de mais um ano para o caso ir para júri, levando em consideração que seja mais célere por ser um crime de repercussão — projeta a advogada Olga.
Relembre a perseguição
Uma câmera de segurança gravou o ponto crucial da perseguição, quando acontecem os tiros na rótula que leva aos Pavilhões da Festa da Uva. As imagens mostram a Parati branca dando marcha à ré com uma viatura da Fiscalização de Trânsito na sua frente. Os dois veículos chegaram a se encostar. Em segundos, mais três carros se aproximaram e cercaram a Parati. Os agentes municipais, então, desembarcaram.
O motorista percebeu um espaço entre as viaturas e decidiu continuar a fuga. Para tal, fez uma manobra de ré. Nesse movimento para trás, a Parati atingiu um guarda municipal, que desembarcava de uma viatura. O vídeo não tem som, mas foi possível perceber pelas reações que houve disparos.
Na sequência, os veículos saíram do enquadramento da gravação. Poucos metros depois, com Santos já baleado, a Parati bateu contra o muro de uma residência na Rua Ludovico Cavinato, e a perseguição terminou.