A 4ª Vara Criminal de Caxias do Sul concedeu a liberdade provisória a Marcos André de Bortoli, 50 anos, um dos réus na Operação Hipo. Ele estava preso desde 18 de novembro do ano passado na Penitenciária Estadual, no distrito do Apanhador. Foi naquela data que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) – Segurança Alimentar do Ministério Público (MP) desarticulou um esquema de abate de cavalos para a produção de hambúrgueres na cidade. Outros quatro réus continuam presos preventivamente.
A decisão de liberdade provisória foi assinada eletronicamente no dia 21 de janeiro, pela juíza Taíse Velasquez Lopes, durante análise das manifestações das defesas. A magistrada entendeu que a participação de Bortoli seria de menor relevância no suposto grupo criminoso e, assim, não colocaria em risco a ordem pública. Desta forma, a decisão foi por medidas alternativas a prisão.
Para responder ao processo em liberdade, Bortoli se comprometeu a não se ausentar de Caxias do Sul por mais de sete dias e não desenvolver atividade econômica envolvendo o ramo alimentício.
O processo sobre a Operação Hipo possui movimentações diárias. As defesa estão apresentando testemunhas e solicitando diligências. Ainda não há audiência agendada.
Os quatro réus que continuam presos preventivamente são Eduardo Mezzomo, 26, Reny Mezzomo, 61, Alexandre Gedoz, 65, e Daniel Gnoatto, 57. De acordo com a magistrada, os indícios da investigação apontam que eles seriam os responsáveis pela aquisição dos cavalos, pelo abate e pela posterior desossa e venda da carne.
A ré Teresinha Salete Gedoz, 59, também está com a prisão preventiva decretada, contudo, ainda em dezembro, ela foi autorizada pelo TJRS a ficar em prisão domiciliar em razão de ter um filho que necessita de cuidados especiais diariamente.
Outros quatro réus foram incluídos na denúncia do Ministério Público, mas nunca tiveram a prisão decretada (confira abaixo o que diz a denúncia sobre cada um dos réus).
Bortoli foi o primeiro a solicitar habeas corpus ainda na data da prisão. A 4ª Câmara Criminal negou a medida liminar naquele momento por considerar a gravidade dos fatos apurados, que demonstraram a prática de crimes contra a saúde pública.
Após a denúncia de 92 páginas do MP, a juíza Maria Cristina Rech determinou o sigilo externo da ação penal. A justificativa é a proteção das partes, dos procedimentos investigatórios e das ações com conteúdo sensível a exposição pública. Este sigilo foi retirado em nova decisão no mês passado.
CONTRAPONTO:
Procurados pela reportagem, os advogados Giovana dos Reis e Vinicius Octávio Reis, que representam Bortoli no processo, afirmaram que seu cliente é inocente. Por meio de nota, a defesa aponta que o processo ainda encontra-se em fase de instrução, e que existem provas a serem produzidas que irão comprovar a ausência de dolo por parte de Bortoli. No pedido de liberdade (que resultou na decisão de liberdade provisória), a defesa afirma que levou a conhecimento do juízo elementos que demonstram que a conduta do réu é de menor relevância.
Os advogados declaram que Bortoli não pretende continuar no ramo, uma vez que uma das condições impostas para sua liberdade foi a proibição de desenvolver atividade econômica no ramo alimentício durante o curso do processo. "De qualquer modo, tendo em vista a forma que a Operação Hipo foi veiculada, expondo as partes e atribuindo diversas acusações falsas a elas, acabou por acarretar enorme prejuízo à sua imagem. Em razão disso, sua manutenção no ramo mostra-se inviável", aponta a nota divulgada.
Como seria o esquema denunciado:
1. Eduardo Mezzomo, 26, era o responsável pela compra, abate irregular de cavalos, descarte e auxiliava Alexandre Gedoz na desossa das carcaças. O abate ocorria na chácara da família Mezzomo, na Estrada Quinto Slomp, em Forqueta, no interior de Caxias do Sul. O depoimento de uma testemunha, que vendia os cavalos por R$ 500, aponta que Eduardo procurava por animais gordos, não importando se eram machos, fêmeas, xucros ou mansos.
2. Reny Mezzomo, 61, era dono da chácara e cedia o espaço para os abates realizados pelo filho Eduardo. Reny auxiliava na desossa, juntamente com Alexandre Gedoz, de quem era parceiro nos negócios de fabricação e de venda de carnes provenientes do abate irregular. Na chácara, foram apreendidos cerca de 200 quilos de carne de cavalo recém carneado. As práticas na chácara eram completamente insalubres, sem medidas de limpeza dos locais ou refrigeração das carnes. As carcaças dos cavalos eram enterradas em valas cavadas na chácara.
3. Sirlei Mezzomo é irmã de Reny. Segundo a denúncia, ela intermediava a comunicação entre os Mezzomo e os fornecedores de cavalos por mensagens de aplicativo. Em sua casa, eram estacionados os caminhões utilizados pela organização para transportar cavalos. Ela também emprestava o telefone para o sobrinho Eduardo. Durante a operação, a Vigilância Sanitária apreendeu 280 quilos de produtos lácteos vencidos (iogurtes e geleias) que, segundo o MP, eram vendidos aos consumidores em geral por Sirlei em conluio com o irmão e o sobrinho.
4. Alexandre Gedoz, 65, é descrito como o idealizador da organização, além de ajudar na desossa das carcaças na chácara da família Mezzomo. Era em sua casa que acontecia a moagem de carnes, que eram mantidas em refrigeradores e freezers, as carnes corrompidas para a venda, principalmente para Daniel Gnoatto. Na manhã da operação, Alexandre foi surpreendido moendo carnes com as vestes e mãos sujas de sangue. Os policiais relataram que as carnes estavam deterioradas, com odor pútrido e péssimas condições sanitárias. Na casa dele foram apreendidas uma máquina de moagem e R$ 96,9 mil em espécie.
5. Teresinha Salete Gedoz, 59, é a esposa de Alexandre e mantinha contato permanente com Daniel Gnoatto, de quem recebia diariamente informações sobre a quantidade de carne e de guisado que deveria ser produzido para atender a demanda do comércio clandestino. Esta demanda era repassada a Eduardo e Reny Mezzomo, que compravam e abatiam os cavalos. Teresinha também recebia o dinheiro da venda dos produtos alimentícios e os repassava a seu marido.
6. Daniel Gnoatto, 57, era o principal comprador de carnes de cavalo já desossadas. Mantinha constante contato com os demais investigados para tratar sobre quantidades a serem produzidas conforme os pedidos apresentados por clientes de restaurantes e de lancherias e, principalmente, de seu parceiro de organização Marcos André de Bortoli, conhecido por Marquinhos, que possuía uma hamburgueria clandestina. Segundo o MP, Daniel vendia a carne de cavalo já desossada e em retalhos, sendo que seu principal cliente era Marcos, o qual adquiria em torno de 700 quilos de carnes semanalmente. A denúncia reforça que Daniel sabia que a carne vendida provinha do abate irregular de cavalos. Ou seja, sabia que se tratava de produto alimentício sem origem e corrompido. No dia da operação, Daniel foi preso com 10 quilos de carne de cavalo ensacadas no porta-malas do seu carro, prontas para uma entrega.
7. Marcos André de Bortoli, 50, conhecido como o “Marquinhos”, era responsável pela confecção dos hambúrgueres e bifes produzidos com as carnes irregularmente abatidas e que são vendidos aos restaurantes de Caxias do Sul. Os hambúrgueres eram fabricados na Rua Abramo Girardi, bairro Sagrada Família, em uma hamburgueria totalmente clandestina. No local, foram apreendidos 500 quilos de hambúrgueres e 126 quilos de carnes sem procedência e mal acondicionadas, além de maquinários e freezer.
8. Ismael Lima era funcionário de Marcos André de Bortoli na hamburgueria clandestina, fabricando hambúrgueres e bifes produzidos com as carnes de cavalo irregularmente abatidos para depois serem vendidos aos restaurantes de Caxias do Sul. Ismael recebia a carne diretamente de Daniel.
9. Airton Miguel Pires Brando, 55, atuava como gerente do Natural Burguer Sagrada Família, onde a investigação comprou um lanche e comprovou a presença de carne de cavalo no hambúrguer. A investigação não apontou que os donos de lancherias sabiam do abate ilegal e mistura de carne de cavalo nos hambúrgueres, mas a Promotoria ressaltou a falta de notas fiscais e de regras sanitárias na compra das carnes. A defesa afirma que Airton é inocente, porque jamais compactuou com a prática alegada na denúncia ou expôs à venda qualquer produto impróprio aos consumidores, ressaltando que ele também consumia os mesmos produtos.
10. Robson Kemerich Samoel, 33, é o dono da Miru's Burguer, outra lancheria em que foi comprovado por exame de DNA a presença de carne de cavalo no hambúrguer. Por nota, a defesa afirma que o estabelecimento foi enganado pelo vendedor Daniel Gnoatto sobre as carnes utilizadas para preparar o alimento.