A Justiça determinou a soltura de uma das rés da Operação Hipo, que investiga um grupo que misturava carne de cavalo em hambúrgueres em Caxias do Sul. Trata-se de Teresinha Salete Gedoz, 59 anos, que foi autorizada a responder ao processo em liberdade em razão de ter um filho que necessita de cuidados especiais diariamente. Outros cinco réus continuam presos preventivamente desde 18 de novembro, quando foi deflagrada a operação do Ministério Público (MP). Há outros quatro réus que foram incluídos na denúncia e nunca tiveram a prisão decretada.
O processo sobre a Operação Hipo está em fase de apresentação de resposta à acusação. O Ministério Público (MP) denunciou 10 réus no dia 24 de novembro. Desde então, as defesas são citadas e tem um prazo 10 dias para se manifestarem. A expectativa é que a instrução do processo inicie ainda este ano, até pelo processo ser de réus presos — o que garante prioridade pela legislação.
O processo tramita na 4ª Vara Criminal de Caxias do Sul. Após a denúncia de 92 páginas do MP, a juíza Maria Cristina Rech determinou o sigilo externo da ação penal. A justificativa é a proteção das partes, dos procedimentos investigatórios e das ações com conteúdos sensíveis a exposição pública. A decisão de ofício (quando é feita pelo magistrado sem provocação das partes) aconteceu durante uma análise de pedido de liberdade provisória após as audiências de custódias. O Ministério Público não se manifestou sobre este sigilo.
Em entrevista à Gaúcha Serra no dia 24 de novembro, o promotor Alcindo Bastos, que coordena o Grupo de Segurança Alimentar (Gaeco), apontou que, além das hamburguerias, restaurantes, pizzarias e mercados de Caxias do Sul também negociavam com o grupo investigado por misturar carne de cavalo a carne bovina. Na ocasião, o representante do MP declarou que "os estabelecimentos que vierem a ser identificados" teriam os nomes divulgados "com base em laudos técnicos".
A divulgação dos estabelecimentos suspeitos de comprar a carne imprópria para consumo é uma reinvindicação do setor, inclusive com representação do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria (Segh). A declaração do promotor Bastos, portanto, criou uma expectativa de que um anúncio fosse feito nas próximas semanas — o que ainda não ocorreu.
Procurada pela reportagem, a assessoria do Ministério Público informou que o promotor Bastos está de férias e que ele é o único que pode se manifestar sobre a Operação Hipo. Novas informações sobre a investigação, portanto, só poderão ser divulgadas quando o promotor retornar, na próxima semana.
Como era o esquema denunciado
1. Eduardo Mezzomo, 26, era o responsável pela compra, abate irregular de cavalos, descarte e auxiliava Alexandre Gedoz na desossa das carcaças. O abate ocorria na chácara da família Mezzomo, na Estrada Quinto Slomp, em Forqueta, no interior de Caxias do Sul. O depoimento de uma testemunha, que vendia os cavalos por R$ 500, aponta que Eduardo procurava por animais gordos, não importando se eram machos, fêmeas, xucros ou mansos.
2. Reny Mezzomo, 61, era dono da chácara e cedia o espaço para os abates realizados pelo filho Eduardo. Reny auxiliava na desossa, juntamente com Alexandre Gedoz, de quem era parceiro nos negócios de fabricação e de venda de carnes provenientes do abate irregular. Na chácara, foram apreendidos cerca de 200 quilos de carne de cavalo recém carneado. As práticas na chácara eram completamente insalubres, sem medidas de limpeza dos locais ou refrigeração das carnes. As carcaças dos cavalos eram enterradas em valas cavadas na chácara.
3. Sirlei Mezzomo é irmã de Reny. Segundo a denúncia, ela intermediava a comunicação entre os Mezzomo e os fornecedores de cavalos por mensagens de aplicativo. Em sua casa, eram estacionados os caminhões utilizados pela organização para transportar cavalos. Ela também emprestava o telefone para o sobrinho Eduardo. Durante a operação, a Vigilância Sanitária apreendeu 280 quilos de produtos lácteos vencidos (iogurtes e geleias) que, segundo o MP, eram vendidos aos consumidores em geral por Sirlei em conluio com o irmão e o sobrinho.
4. Alexandre Gedoz, 65, é descrito como o idealizador da organização, além de ajudar na desossa das carcaças na chácara da família Mezzomo. Era em sua casa que acontecia a moagem de carnes, que eram mantidas em refrigeradores e freezers, as carnes corrompidas para a venda, principalmente para Daniel Gnoatto. Na manhã da operação, Alexandre foi surpreendido moendo carnes com as vestes e mãos sujas de sangue. Os policiais relataram que as carnes estavam deterioradas, com odor pútrido e péssimas condições sanitárias. Na casa dele foram apreendidas uma máquina de moagem e R$ 96,9 mil em espécie.
5. Teresinha Salete Gedoz, 59, é a esposa de Alexandre e mantinha contato permanente com Daniel Gnoatto, de quem recebia diariamente informações sobre a quantidade de carne e de guisado que deveria ser produzido para atender a demanda do comércio clandestino. Esta demanda era repassada a Eduardo e Reny Mezzomo, que compravam e abatiam os cavalos. Teresinha também recebia o dinheiro da venda dos produtos alimentícios e os repassava a seu marido.
6. Daniel Gnoatto, 57, era o principal comprador de carnes de cavalo já desossadas. Mantinha constante contato com os demais investigados para tratar sobre quantidades a serem produzidas conforme os pedidos apresentados por clientes de restaurantes e de lancherias e, principalmente, de seu parceiro de organização Marcos André de Bortoli, conhecido por Marquinhos, que possuía uma hamburgueria clandestina. Segundo o MP, Daniel vendia a carne de cavalo já desossada e em retalhos, sendo que seu principal cliente era Marcos, o qual adquiria em torno de 700 quilos de carnes semanalmente. A denúncia reforça que Daniel sabia que a carne vendida provinha do abate irregular de cavalos. Ou seja, sabia que se tratava de produto alimentício sem origem e corrompido. No dia da operação, Daniel foi preso com 10 quilos de carne de cavalo ensacadas no porta-malas do seu carro, prontas para uma entrega.
7. Marcos André de Bortoli, 50, conhecido como o “Marquinhos”, era responsável pela confecção dos hambúrgueres e bifes produzidos com as carnes irregularmente abatidas e que são vendidos aos restaurantes de Caxias do Sul. Os hambúrgueres eram fabricados na Rua Abramo Girardi, bairro Sagrada Família, em uma hamburgueria totalmente clandestina. No local, foram apreendidos 500 quilos de hambúrgueres e 126 quilos de carnes sem procedência e mal acondicionadas, além de maquinários e freezer.
8. Ismael Lima era funcionário de Marcos André de Bortoli na hamburgueria clandestina, fabricando hambúrgueres e bifes produzidos com as carnes de cavalo irregularmente abatidos para depois serem vendidos aos restaurantes de Caxias do Sul. Ismael recebia a carne diretamente de Daniel.
9. Airton Miguel Pires Brando, 55, atuava como gerente do Natural Burguer Sagrada Família, onde a investigação comprou um lanche e comprovou a presença de carne de cavalo no hambúrguer. A investigação não apontou que os donos de lancherias sabiam do abate ilegal e mistura de carne de cavalo nos hambúrgueres, mas a Promotoria ressaltou a falta de notas fiscais e de regras sanitárias na compra das carnes. A defesa afirma que Airton é inocente, porque jamais compactuou com a prática alegada na denúncia ou expôs à venda qualquer produto impróprio aos consumidores, ressaltando que ele também consumia os mesmos produtos.
10. Robson Kemerich Samoel, 33, é o dono da Miru's Burguer, outra lancheria em que foi comprovado por exame de DNA a presença de carne de cavalo no hamburguer. Por nota, a defesa afirma que o estabelecimento foi enganado pelo vendedor Daniel Gnoatto sobre as carnes utilizadas para preparar o alimento.