A denúncia sobre a Operação Hipo trouxe quatro novos nomes, além dos seis que estão presos preventivamente desde o dia 18 de novembro. Foram incluídos a irmã de um dos investigados, um funcionário do grupo e os dois responsáveis pelas hamburguerias onde foi comprovada a presença de carne de cavalo nos lanches. A denúncia, que foi aceita pela juíza Maria Cristina Rech, da 4ª Vara Criminal, possui 92 páginas, que incluem fotos feitas no dia da operação e testes laboratoriais que comprovam os crimes. Segundo o Ministério Público (MP), o esquema operava, pelo menos, desde março de 2021.
As carnes apreendidas na chácara em Forqueta, pertencente a família Mezzomo, foram reprovadas em todos os testes microbiológicos. A contagem de microrganismos foi 40 vezes maior do que o limite aceito pela Anvisa. Esta é uma prova técnica das más condições de higiene, que eram visíveis e foram relatadas pelos fiscais que participaram da operação. Os teste de DNA nas carnes apreendidas na casa dos réus Gedoz demonstrou que 60% do guisado era composto por carne de cavalo.
Um dos novos nomes que apareceram na denúncia é o de Sirlei Mezzomo, irmã de Reny Mezzomo, proprietário da chácara em Forqueta onde aconteciam os abates dos cavalos. Na casa dela, segundo o MP, eram estacionados os caminhões utilizados pela organização para transportar os animais. A denúncia ainda aponta que ela intermediava a comunicação entre os Mezzomo e os fornecedores de equinos por mensagens de aplicativo.
Durante a operação na semana passada, a Vigilância Sanitária apreendeu 280 quilos de produtos lácteos vencidos na casa de Sirlei. Segundo o MP, estes iogurtes e geleias eram vendidos aos consumidores em geral por Sirlei em conluio com o irmão e o sobrinho, Eduardo Mezzomo, que também é réu no processo.
O outro nome que aparece dentro da organização é o de Ismael Lima, funcionário de Marcos André de Bortoli na hamburgueria clandestina. Eles fabricavam os hambúrgueres e bifes produzidos com as carnes de cavalo irregularmente abatidos para depois serem vendidos aos mercados e hamburguerias de Caxias do Sul. Ismael recebia a carne diretamente de Daniel Gnoatto, outra peça central do esquema investigado.
Os outros dois nomes não foram colocados como membros da organização, mas são acusados de crimes contra as relações de consumo. Eles são os responsáveis pelas hamburguerias onde os testes de DNA comprovaram a presença de carne de cavalo nos lanches. Os hambúrgueres analisados foram comprados no dia 13 de outubro.
Airton Miguel Pires Brando, gerente responsável pela Natural Burguer do bairro Sagrada Família, e Robson Kemerich Samoel, da Miru's Burguer, foram denunciados por induzir o consumidor a erro por indicação ou afirmação falsa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço e por vender matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo. Os crimes, previstos na Lei 8.137, tem pena prevista de dois a cinco anos de detenção.
Os outros oito investigados foram denunciados por nove crimes. Se condenados na totalidade da denúncia, os réus podem ser sentenciados a uma pena de 25 a 57 anos de prisão. Confira os crimes denunciados:
:: Promover, constituir ou integrar organização criminosa. Pena prevista de três a oito anos de reclusão;
:: Três vezes por fabricar, vender ou distribuir substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado. Pena de quatro a oito anos de reclusão para cada delito;
:: Duas vezes por induzir o consumidor a erro, por indicação ou afirmação falsa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço. Pena dois a cinco anos de detenção para cada delito;
:: Três vezes por vender, ter em depósito para vender ou entregar matéria-prima ou mercadoria em condições impróprias ao consumo. Pena dois a cinco anos de detenção para cada delito.
Promotoria aponta crimes contra a saúde pública e repercussão internacional
Dos seis presos preventivamente (confira a participação de cada um no esquema abaixo), as defesas de Alexandre Gedoz, Terezinha Salete Gedoz, Daniel Gnoatto e Marcos André de Bortoli argumentaram pela liberdade provisória durante a audiência de custódia na terça-feira (23). O Ministério Público argumentou pela manutenção da reclusão em razão da gravidade dos delitos cometidos contra a saúde pública, "com a comercialização intensa de carnes abatidas, produzidas, armazenadas e vendidas irregularmente sem qualquer tipo de fiscalização e acompanhamento de profissional habilitado a garantir a segurança da produção".
O promotor Bastos ressalta que todos os fatos eram praticados sem que o consumidor final tivesse a menor noção dos riscos aos quais era submetido. O clamor social fica evidente com a repercussão não apenas na cidade, mas também nacional e internacional.
Por fim, a representante do MP afirma que a manutenção das prisões preventivas é necessária para cessar o "impressionante agir ilícito do grupo" que abatia e comercializava animais impróprios ao consumo da população em geral.
Investigação reforça que todos réus sabiam dos problemas da carne
A denúncia, assinada pelo promotor Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, tem como um dos objetivos evidenciar que os oito investigados formavam uma organização e que todos sabiam das más condições sanitárias e a mistura da carne de cavalo. Neste sentido, as interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça se mostram decisivas.
No documento estão anexadas diversas mensagens de clientes (hamburguerias e mercados) reclamando da qualidade da carne. São relatos de "carne preta", de "carne com pelo", de pedaços verdes e cheiro pútrido. A presença de muita gordura e músculos também são comuns.
Um áudio descrito que chama a atenção aconteceu entre Marcos André de Bortoli e Daniel Gnoatto. Eles seriam o elo final do grupo, por ambos serem açougueiros e ex-donos de mercado conhecidos em Caxias do Sul, que usavam seus nomes com anos no ramo de carnes na cidade para negociar com os estabelecimentos. No áudio, Marcos reclama que a qualidade da carne diminuiu e que encontrou crina de cavalo. Confira a descrição presente na denúncia:
"Daniel, é o Marcos, tudo bem. O velho, hoje foi o pior dia da tua carne, tá? Não tem condições de trabalhar, guisado todo molengo, ponta de pescoço com só graxa, como é que esta ficando o guisado. Deste jeito não tem condições meu. Não sei o que aconteceu, tinha couro na carne, crina de cavalo. Tá complicado meu, hoje foi para f****, tem que melhorar esta situação, senão não tem como, né? Esta semana puxei um pouco mais de carne tua, hoje já deu problema, então quero ver o que tu me diz, para gente ver se encomenda carne para segunda ou não”.
Como era o esquema denunciado
1. Eduardo Mezzomo, 26, era o responsável pela compra, abate irregular de cavalos, descarte e auxiliava Alexandre Gedoz na desossa das carcaças. O abate ocorria na chácara da família Mezzomo, na Estrada Quinto Slomp, em Forqueta, no interior de Caxias do Sul. O depoimento de uma testemunha, que vendia os cavalos por R$ 500, aponta que Eduardo procurava por animais gordos, não importando se eram machos, fêmeas, xucros ou mansos.
2. Reny Mezzomo, 61, era dono da chácara e cedia o espaço para os abates realizados por seu filho Eduardo. Reny auxiliava na desossa, juntamente com Alexandre Gedoz, de quem era parceiro nos negócios de fabricação e de venda de carnes provenientes do abate irregular. Na chácara, foram apreendidos cerca de 200 quilos de carne de cavalo recém carneado. As práticas na chácara eram completamente insalubres, sem medidas de limpeza dos locais ou refrigeração das carnes. As carcaças dos cavalos eram enterradas em valas cavadas na chácara.
3. Sirlei Mezzomo é irmã de Reny. Segundo a denúncia, ela intermediava a comunicação entre os Mezzomo e os fornecedores de cavalos por mensagens de aplicativo. Em sua casa, eram estacionados os caminhões utilizados pela organização para transportar cavalos. Ela também emprestava o seu telefone para o sobrinho Eduardo. Durante a operação, a Vigilância Sanitária apreendeu 280 quilos de produtos lácteos vencidos (iogurtes e geleias) que, segundo o MP, eram vendidos aos consumidores em geral por Sirlei em conluio com o irmão e o sobrinho.
4. Alexandre Gedoz, 65, é descrito como o idealizador da organização, além de ajudar na desossa das carcaças na chácara da família Mezzomo. Era em sua casa que acontecia a moagem de carnes, que eram mantidas em refrigeradores e freezers, as carnes corrompidas para a venda, principalmente para Daniel Gnoatto. Na manhã da operação, Alexandre foi surpreendido moendo carnes com as vestes e mãos sujas de sangue. Os policiais relataram que as carnes estavam deterioradas, com odor pútrido e péssimas condições sanitárias. Na casa dele foram apreendidas uma máquina de moagem e R$ 96,9 mil em espécie.
5. Teresinha Salete Gedoz, 59, é a esposa de Alexandre e mantinha contato permanente com Daniel Gnoatto, de quem recebia diariamente informações sobre a quantidade de carne e de guisado que deveria ser produzido para atender a demanda do comércio clandestino. Esta demanda era repassada a Eduardo e Reny Mezzomo, que compravam e abatiam os cavalos. Teresinha também recebia o dinheiro da venda dos produtos alimentícios e os repassava a seu marido.
6. Daniel Gnoatto, 57, era o principal comprador de carnes de cavalo já desossadas. Mantinha constante contato com os demais investigados para tratar sobre quantidades a serem produzidas conforme os pedidos apresentados por clientes de restaurantes e de lancherias e, principalmente, de seu parceiro de organização Marcos André de Bortoli, conhecido por Marquinhos, que possuía uma hamburgueria clandestina.
Segundo o MP, Daniel vendia a carne de cavalo já desossada e em retalhos, sendo que seu principal cliente era Marcos, o qual adquiria em torno de 700 quilos de carnes semanalmente. A denúncia reforça que Daniel sabia que a carne vendida provinha do abate irregular de cavalos. Ou seja, sabia que se tratava de produto alimentício sem origem e corrompido. No dia da operação, Daniel foi preso com 10 quilos de carne de cavalo ensacadas no porta-malas do seu carro, prontas para uma entrega.
7. Marcos André de Bortoli, 50, conhecido como o “Marquinhos”, era responsável pela confecção dos hambúrgueres e bifes produzidos com as carnes irregularmente abatidas e que são vendidos aos restaurantes de Caxias do Sul. Os hambúrgueres eram fabricados na Rua Abramo Girardi, bairro Sagrada Família, em uma hamburgueria totalmente clandestina. No local, foram apreendidos 500 quilos de hambúrgueres e 126 quilos de carnes sem procedência e mal acondicionadas, além de maquinários e freezer.
8. Ismael Lima era funcionário de Marcos André de Bortoli na hamburgueria clandestina, fabricando hambúrgueres e bifes produzidos com as carnes de cavalo irregularmente abatidos para depois serem vendidos aos restaurantes de Caxias do Sul. Ismael recebia a carne diretamente de Daniel.
Contraponto :
:: Marcos André de Bortoli, 50 anos
É representado no processo pelo advogado Leandro Carlo Schramm, que não atendeu as tentativas de contato da reportagem nesta sexta-feira (26). Inicialmente, o defensor havia alegado que seu cliente também foi vítima de uma quadrilha inescrupulosa que vendia produtos sem condições para consumo humano.
:: Daniel Gnoatto, 57 anos
O réu é representado pelos advogados Ivandro Bittencourt Feijó e Maurício Adami Custódio, que manifestam a necessidade de se ponderar com cautela todas as acusações retratadas na denúncia. Segundo a nota divulgada, a investigação é complexa e não é admissível a formação de culpa sumária pela exposição de trechos de elementos processuais que deveriam ser tradados primeiro na instrução processual, para depois, ser examinado pela opinião pública. Também é argumentado que as interpretações dos fatos pelo órgão acusador não representam definições de autoria e existência de crimes.
Por fim, a defesa rebate qualquer ilação ou interpretação sumária de conversas, trechos de elementos processuais ou provas que foram expostos e que deverão ser apreciadas judicialmente pelo contraditório do processo em frente a um juiz imparcial e, somente ao final, se ter um veredicto sobre tais condutas.
:: Reny Mezzomo, 61, e Eduardo Mezzomo, 26 anos
Pai e filho são representados pelo advogado Vinicius de Figueiredo, que não atendeu as tentativas de contato pela reportagem.
:: Alexandre Gedoz, 65, e Teresinha Salete Gedoz, 59 anos
O escritório de Alcides Dall'Agnol, Fernando Tremarin e Fabiano Huff analisa um pedido de habeas corpus para Teresinha. Sobre a denúncia, a defesa optou por não se manifestar neste momento.
:: Airton Miguel Pires Brando, 55 anos
Airton atuava como gerente e não é proprietário da Natural Burguer Sagrada Família. Ele é representado pelos advogados Gregory Braun e Wagner Flores de Oliveira. A defesa afirma que Airton é inocente, porque jamais compactuou com a prática alegada na denúncia ou expôs à venda qualquer produto impróprio aos consumidores, ressaltando que ele também consumia os mesmos produtos. Para os advogados, se há conduta a ser apurada, esta deverá se dar no âmbito administrativo, junto à vigilância sanitária. A defesa salienta que não houve dolo e nem ação relevante de Airton nos atos praticados pelos responsáveis, que ele também foi induzido a erro pelo grupo investigado. Por fim, os advogados afirmam que confiam na Justiça para recuperar o ânimo e a credibilidade do setor alimentício em Caxias do Sul.
:: Robson Kemerich Samoel, 33 anos
O dono da Miru's Burguer é representado pela advogada Daniela Silva. Por nota, a defesa afirma que o estabelecimento foi enganado pelo vendedor Daniel Gnoatto sobre as carnes utilizadas para preparar o alimento. Daniela argumenta que, ouvido como testemunha no processo, Robson esclareceu que foi vítima deste grupo que comercializava as carnes adulteradas e, atualmente, encontra-se gravemente prejudicado e injustiçado. A advogada garante que a inocência do seu réu será provada na Justiça.
A reportagem não encontrou os representantes legais dos réus Sirlei Mezzomo e Ismael Lima. A matéria será atualizada assim que houver este contraponto.