Alguns podem considerar que é apenas mais uma estatística, mas alcançar a marca dos 100 assassinatos é um parâmetro da violência que assola Caxias do Sul. Nos últimos 15 anos, apenas três ficaram abaixo da contagem centenária: 2008 (96), 2014 (99) e 2019 (89) como mostra o Contador da Violência, ferramenta abastecida pela reportagem do Pioneiro. Por isso, ter menos que 100 mortes era um objetivo das forças policiais para 2021 como demonstração de que o trabalho está no caminho certo. Não foi possível. O dia mais violento do ano elevou a contagem para 102 mortos pela violência.
Foram cinco assassinatos em pouco menos de 16 horas, entre 5h e 21h de terça-feira (21). A última vez que tantas mortes aconteceram foi em 26 de outubro do ano passado. Naquela ocasião o número foi inflado pelo triplo homicídio de uma família no bairro Jardim Eldorado , incluindo uma criança de quatro anos. Desta vez, foram cinco mortes em locais diferentes.
— Foi um dia atípico. Estávamos em uma certa estabilidade em relação aos homicídios. São fatos isolados. O primeiro fato (a vítima) foi um usuário de drogas. O segundo foi outra ação pontual envolvendo um jovem que estava indo cometer um roubo a comércio. Depois, houve um duplo homicídio que é um revide entre criminosos. Todos (os quatro) são pessoas muito ligadas ao crime. O último, ao que tudo indica, é um crime passional. No dia anterior, a vítima tinha registrado uma ameaça da ex-companheira. O casal tinha um histórico conturbado e de agressões — aponta o major Wagner Carvalho, subcomandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM).
Dos cinco casos, em apenas um deles a identidade do envolvido não foi divulgada oficialmente. Trata-se do jovem que foi morto quando tentou sacar uma arma de fogo contra os policiais do 4º Batalhão de Choque. O confronto aconteceu quando os PMs realizavam um patrulhamento contra um possível roubo a comércio na Rua Antônio Ribeiro Mendes, no bairro Santa Catarina, por volta das 14h30min. A informação inicial divulgada pela Brigada Militar é que ele tem 17 anos, é natural de Bento Gonçalves e possuía um histórico como adolescente infrator ligado ao tráfico de drogas.
Antes, ainda na madrugada, Leandro Robson da Rosa Pessato, 26, foi morto a tiros na Avenida Júlio de Castilhos. Segundo a BM, Pessato vivia em situação de rua e possuía diversas passagens por crimes de pequeno potencial ofensivo, como furtos e arrombamentos. No início do mês, dia 2, ele foi preso em flagrante por furtar fios de energia em uma igreja do bairro Pio X. Ele foi beneficiado com a liberdade provisória no dia seguinte.
— Este é o crime que estamos mais avançados. Já temos algumas imagens e ouvimos testemunhas. Estamos em busca de novas imagens porque o local onde o corpo da vítima foi localizado não é exatamente onde se deu a execução do crime. Cremos que a vítima foi alvejada em um lugar, tentou fugir e acabou falecendo durante a fuga, em razão dos ferimentos — aponta o delegado Caio Márcio Fernandes, titular da Delegacia de Homicídios.
O terceiro homicídio aconteceu dentro de uma barbearia na Rua Bortolo Zanrosso, bairro Parque Oásis, por volta das 16h50min. Deivid Vidor Geraldo, 20 anos, foi executado com diversos tiros de pistola calibre .9mm e .380. Segundo testemunhas, dois homens invadiram o estabelecimento e atiraram contra a vítima.
A hipótese inicial é que o homicídio tenha sido motivado por um desentendimento prévio ocorrido em uma casa noturna. Segundo a BM, Geraldo era ligado a uma facção criminosa e possuía cinco antecedentes por tráfico de drogas, além de passagens por roubo a pedestre e porte ilegal de arma de fogo. Ele estava em liberdade desde dezembro de 2020.
Menos de 40 minutos depois, uma quarta vítima foi encontrada. Ederson Douglas Vieira, 25, estava no banco do passageiro de Peugeot 206 nas margens da RS-122, na saída de Caxias do Sul para Farroupilha. A suspeita é ele tenha sido baleado durante o ataque na barbearia, contudo a investigação ainda tenta entender se ele foi mais uma vítima do ataque ou se estava com os autores dos disparos.
— Os únicos casos que pode haver alguma correlação é o da vítima da barbearia e esta vítima dentro do carro. Contudo, isso ainda demanda investigação para confirmarmos a tese. Os demais, posso afirmar que não há nenhuma correlação entre eles, até pela própria dinâmica dos eventos — afirma o delegado Fernandes.
O veículo em que Vieira estava havia sido furtado na Avenida 13 de Julho no dia 11 de novembro e clonado (estava com placas de outro automóvel). No bolso da calça de vítima, os peritos encontraram um carregador de pistola .380 — mesmo calibre utilizado no homicídio. O carregador estava municiado com 13 cartuchos. Vieira possuía uma extensa ficha policial que inclui roubo a banco, assalto a comércio, roubo de veículo e organização criminosa.
— A violência é um fenômeno social de difícil controle, principalmente os homicídios. Quando uma pessoa tem o intuito de matar outra, é difícil prevenir. Conseguimos até adiar com a nossa presença (de policiais nas ruas), mas a pessoa mal intencionada irá esperar a oportunidade e cometer este homicídio. O nosso trabalho é de inteligência para monitorar as organizações criminosas, que geralmente estão ligadas a este tipo de crime. Mas, estes fatos (de terça-feira) aparentam ser isolados e não denotam uma guerra de facções — avalia o major Carvalho.
O último assassinato, de número 102 no ano, foi de Cláudio dos Santos Antunes, 47. Ele foi morto com um tiro na cabeça próximo a sua residência, na Rua Divino Mestre, no bairro Jardim das Hortênsias, pouco antes das 21h. É esse crime que a BM cogita que possa ter sido motivado pelos desentendimentos em ambiente doméstico, com uma ex-companheira.
Após os cinco assassinatos, uma prisão foi feita pelo Batalhão de Choque da Serra. Trata-se de um homem de 24 anos, que foi capturado em Flores da Cunha. A busca naquela cidade aconteceu após o setor de inteligência da BM conseguir uma informação sobre um suspeito do ataque a barbearia no Parque Oásis.
No endereço, os policiais militares encontraram uma pistola calibre .9mm, sete carregadores de fuzil .556 e dois veículos roubados. Além do suspeito do homicídio, outras três pessoas foram presas em flagrante: um homem de 30 anos, um jovem de 21 e uma mulher de 28 anos. A suspeita da BM é que todos façam parte de uma facção criminosa de Caxias do Sul.