Uma cidade instável pela atuação do crime organizado para o tráfico de drogas. É assim que as lideranças policiais definem a questão dos homicídios em Caxias do Sul, em que qualquer "faísca" pode desencadear um novo conflito entre facções e espalhar as mortes. Os últimos dois meses foram um exemplo destes extremos. Em outubro, foram apenas quatro mortes — o mês menos violento do ano. Já novembro terminou com 10 assassinatos. O motivo, desta vez, seria uma briga entre antigas famílias ligadas ao tráfico.
No total, a maior cidade da Serra contabiliza 93 assassinatos em 2021. Na comparação de janeiro a novembro do ano passado, são cinco mortes a menos. Um indicador positivo, mas que não garante um dezembro tranquilo. O que chama a atenção em Caxias do Sul, e causa incertezas, é o "eletrocardiograma" formado da variação de meses com poucos homicídios e meses com muitas mortes.
— É como se estivéssemos sentados em um barril de pólvora. Basta uma fagulha para explodir. Muitas vezes, Caxias está calma, com policiamento tranquilo e aí acontece: alguém de uma facção é morto, o que estoura uma guerra e os números elevam. Por vezes, é uma guerra particular. Foi o que vimos em novembro. Um conflito entre duas famílias que são antigas no tráfico de Caxias. Não é uma guerra entre as facções, só entre estas famílias, só que ambas são faccionadas. Mataram um de uma família, que se vingou e assim continua. Semelhante às histórias de máfia, de olho por olho. Uma morte que gera outros seis, sete homicídios — analisa o tenente-coronel Emerson Ubirajara, comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM).
A avaliação é corroborada pelo delegado Caio Marcio Fernandes, da Delegacia de Homicídios. Destes 10 assassinatos de novembro, a Polícia Civil já esclareceu sete com apontamento dos autores.
— É instável, nos homicídios, porque é um crime pessoal e de oportunidade. É fruto de dinâmicas interpessoais. Em que pese a maioria (das vítimas e suspeitos) ter envolvimento com atividades criminosas, até serem vinculados a facções, muitos casos em si são questões pessoais. Não há uma disputa entre as facções. Em novembro, o que vimos são desavenças familiares e retaliações que acontecem há gerações e que, em determinados momentos, se acirram — aponta o delegado.
Atualmente, Caxias do Sul é "dominada" por duas organizações criminosas. A estratégia destas facções é tomar posse de territórios e coagir os traficantes locais a venderem as suas drogas. Em troca de "aceitarem" estes fornecedores, os criminosos menores podem utilizar o nome das facções como uma espécie de marketing e proteção neste submundo do crime. O resultado é que a maioria dos criminosos na cidade fazem parte de uma ou de outra facção.
— Essas brigas de faccionados, por territórios pequenos, acontecem, infelizmente, porque o tráfico está muito deflagrado em Caxias. Hoje, não há uma guerra declarada entre facções, mas nessas pequenas brigas acontecem os homicídios. Ficamos apagando incêndios. Estávamos com nosso efetivo mobilizado mais para a região norte, porque era onde estavam concentrados os homicídios. Só que em novembro a preocupação passou para a zona sul, onde foram as últimas mortes. Mês que vem pode estar em outro lugar — aponta o tenente-coronel Ubirajara.
As estatísticas colhidas pela BM reforçam esta relação direta das drogas e facções com os homicídios. Até novembro, 76 das 93 vítimas de assassinato possuíam antecedentes policiais — ou seja, mais de 80% dos mortos possuíam ficha policial. Segundo o 12º BPM, metade das vítimas de assassinato possuía envolvimento com o tráfico de drogas.
— O tráfico de drogas é uma prática rentável. É o dinheiro fácil. Tem muito delinquente que migra de outros tipos de crimes para o tráfico para se incomodar menos e ganhar mais dinheiro. O tráfico tem menos riscos. Em um assalto, tem risco da vítima reagir, da vítima estar armada, de ser preso pela Brigada antes mesmo do assalto, de um confronto. Ele precisa sair da área dele e ir procurar vítimas. No tráfico, ele fica em casa, tem mais comodidade.
— O envolvimento com atividades criminosas, e o tráfico é o carro-chefe, com certeza potencializa a condição de vítima do cidadão. A grande maioria tem esta ligação com a criminalidade. Às vezes, de forma indireta. Este ano, tivemos o caso de um homem que foi morto porque o confundiram com o irmão, que tem este envolvimento com o crime — concorda o delegado Fernandes.
O titular da Delegacia de Homicídios ressalta que, neste ano, o trabalho da Polícia Civil evitou duas chacinas. Foram planos de ataques descobertos durante outras investigações. Este monitoramento é uma constante para as forças de segurança. Só que impedir homicídios é quase impossível, porque quando uma morte é "encomendada" neste submundo do crime, o assassinato não pode ser evitado, apenas adiado pela presença policial. Esta "insistência" ficou evidente durante o monitoramento a um grupo de suspeitos que a BM sabia que buscaria vingança por um homicídio recente.
— Temos este vídeo, feito por um PM numa abordagem, em que (um suspeito) reclama que de os policiais estarem abordando o grupo deles pela quarta ou quinta vez. "Vocês não param de nos abordar. Não largam do nosso pé, mas não adianta ficarem em cima da gente. Queremos vingança. Irá acontecer. Vamos matar um deles". Inclusive, esse vídeo virou uma prova, está lá com a Polícia Civil para o inquérito — relata o tenente-coronel Ubirajara.
Apesar das dificuldades, BM e Polícia Civil reforçam o compromisso no combate aos homicídios. Até porque este é um dos objetivos traçados pelo programa RS Seguro, estratégia da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP). A meta atual é ter um dezembro calmo para terminar 2021 com menos assassinatos que no ano passado, que contabilizou 101 mortes por violência. Nos últimos 10 anos, apenas dois ficaram abaixo da marca de uma centena: 2019 (89 assassinatos) e 2014 (99).