Duas chacinas com nove mortos, em menos de um mês, fazem parte da fatura cobrada pela mais recente disputa do submundo no Rio Grande do Sul. O campo de batalha, agora, é Caxias do Sul. Não por acaso, a mais rica cidade do interior gaúcho e a mais populosa. São 410 mil habitantes (último censo), num dos municípios mais economicamente opulentos do Estado, com ofertas de emprego na indústria, agricultura e comércio. Lógico que as facções criminosas vêem isso como potencial clientela.
De um lado está uma facção com base em Porto Alegre que abriu caminho há cerca de cinco anos em Caxias do Sul e se envolveu em diversos assaltos, para depois buscar lugar ao sol entre as bocas de fumo caxienses. A região onde aconteceu a chacina com três mortos em 10 de julho era dominada por essa facção. Já a chacina com seis mortos na quinta-feira — a maior do ano — ocorreu em área sob controle da maior facção gaúcha, oriunda do Vale do Sinos, que subiu a Serra e agora se instalou de vez, sobretudo em bairros com maior circulação de bens e riqueza.
As duas facções não invadiram Caxias do Sul. Cooptaram patrões de quadrilhas locais. Em outros casos, eliminaram os resistentes. Os novos convertidos são "batizados" nos presídios, jurando fidelidade. Juntas, as duas maiores prisões caxienses, Apanhador e a Penitenciária Regional de Caxias do Sul, concentram 1,2 mil detentos. Um manancial de "soldados" para os exércitos do tráfico.
Onda de mortes
Caxias do Sul sempre foi uma cidade violenta, padrão compatível com sua opulência em negócios. Mas as últimas estatísticas ultrapassaram limites. Foram 21 mortes desde o início de julho, em um mês. A média era de oito mortes. O que aconteceu?
Os policiais buscam explicações. O delegado regional da Polícia Civil, Paulo Roberto Rosa da Silva, tem informações de que um pacto de territorialidade foi rompido por uma das facções. Ele evita nomes, mas já identificou cinco envolvidos, cuja remoção para outra parte do país é solicitada.
Mesmo se sabendo que as duas chacinas do mês envolvem as facções, vai ser difícil provas. Isso porque, os policiais já sabem, os matadores foram recrutados fora de Caxias. Subiram a RS-122 para fazer as execuções e voltaram à Grande Porto Alegre. O desafio é provar isso e identificar todos os envolvidos. Reforço policial já foi prometido.
Estudioso de criminologia, o advogado criminalista caxiense Maurício Adami Custódio diz que o fenômeno que ocorre em Caxias não é caxiense, nem gaúcho, sequer brasileiro.
— É mundial. Lugares que concentram mais rentabilidade atraem organizações criminosas mais complexas, que podem levar o nome de facções, máfias, cartéis, depende do continente. É assim na América Central, com a Mara Salvatrucha e outras Maras, em Los Angeles, com os Crips e os Bloods (gangues que dominam diversas atividades ilegais), é assim na Itália. É uma evolução natural, que começa pela afinidade cultural (muitos são oriundos do mesmo bairro ou região) em busca do enriquecimento ilícito. Agora chegou a vez da maior cidade interiorana. Gangues dos bairros têm sido cooptadas e/ou eliminadas pelos cartéis metropolitanos.
Consultor de segurança pública e privada, Gustavo Caleffi, da Squadra Gestão de Risco, concorda que o fenômeno caxiense é reprodução de um padrão que cresce em progressão geométrica no país.
— Cada vez que acontece um episódio desses parece que teve início uma onda de criminalidade e violência, pois as pessoas não percebem esse crescente constante em progressão geométrica. Mas se pegarmos um gráfico de 10 anos conseguimos visualizar esse aumento nas principais cidades do país. Caxias do Sul é uma das maiores cidades do país.
Caleffi acrescenta que os crimes crescerão também na área patrimonial, como assaltos. Isso porque a precariedade do sistema de segurança pública é um fato nacional. E as facções almejam lucros, não só do tráfico, mas com roubos. Uma das sugestões dele é que vizinhos desenvolvam grupos de aplicativos de celular para alertar sobre situações suspeitas.