Novamente, os tumultos e a sujeira na subida da Rua Borges de Medeiros estão no foco das forças públicas de Caxias do Sul. Os moradores reclamam do barulho, brigas e queimas de fios, além da sensação de insegurança de transitar pelo local. A Brigada Militar (BM) reforçou ações de abordagem e dispersão, mas afirma que a atuação policial é limitada. Com um pensamento semelhante, a prefeitura aposta que a criação de um comitê intersetorial pode revolucionar o atendimento e ajudar as pessoas em situação de rua.
Conhecido como Morro do Sabão, o acesso do Centro para o bairro Primeiro de Maio é um problema antigo. O paredão verde do Mato Sartori serve de referência e proteção para a maior cracolândia da cidade. Mais de duas dezenas de usuários de drogas costuma serem encontrados ali, nos mais diversos horários, com picos de até 50 pessoas.
— Cada dia tem mais novatos com drogas. Ficam acumulados em sete ou oito fumando drogas. Tem sempre um oferecendo para quem chega. Não tem horário também. Às vezes, é 4h e estão queimando fios (para depois vender os metais internos). Já aconteceu também às 16h e vi uma viatura (policial) passar sem fazer nada. Todos os muros estão chamuscados e pretos de tanto que queimam fios. Que não é limpo porque é uma área de risco (para os servidores) — desabafa um idoso, que mora há 17 anos nas proximidades.
O relato é que o cheiro dos fios queimados invade as residências e prédios vizinhos. O barulho também incomoda. Por mais que a maioria destes usuários na Rua Borges de Medeiros conviva pacificamente com a comunidade local — até para evitar que policiais sejam chamados —, sempre há o medo dos moradores que um ou outro esteja mais alterado.
— Não tem problemas de assalto, é verdade. O problema é mais barulho e essa sujeira. Na madrugada, é muito barulho. Daí vou e grito na janela que irei chamar a Guarda (Municipal) e eles se mandam. Mas, é perigoso né? Podem ser vingativos. O verão do ano passado foi o pior. Depois, deu uma melhorada e agora está piorando de novo. Nas noites mais quentes vai ficar ainda pior. (Os usuários) são tudo caras novos, entre uns 20 e 30 anos — relata o vizinho da cracolândia.
A explicação policial é que, no Morro do Sabão, o tráfico de drogas não acontece (ou dificilmente é flagrado), apenas o consumo. As abordagens, desta forma, tem por objetivo encontrar drogas ou produtos de crimes e identificar foragidos. Caso nada seja localizado, só resta tentar dispersar a aglomeração.
— Abordamos, fazemos alguns questionamentos e pedimos para dispersarem um pouco, liberarem um pouco a via pública. Sabemos que realmente há perturbação (dos moradores próximos), mas, não constatando a questão criminal, não temos o que fazer. É limitada a atuação policial. É uma questão mais social e clínica — afirma o major Wagner Carvalho, subcomandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM).
Diante do aumento das reclamações da comunidade, a BM intensificou as rondas e abordagens no Morro do Sabão nas últimas semanas. Contudo, a expectativa é apenas uma dispersão temporária, e não uma solução. Pela falta de efetivo, não há possibilidade de deixar policiais militares fixos na região.
— Temos que atender toda a demanda de uma cidade com mais de 500 mil habitantes. Nos preocupamos mais à noite, até pelos furtos (na área central) que, via de regra, são cometidos para o consumo de drogas. Temos uma limitação, não podemos estar em todos os lugares que reúnem moradores de rua ou usuários de drogas — resume o major Carvalho.
Comitê poderá traçar ações mais amplas e fazer análises individuais
A Guarda Municipal também realiza rondas e abordagens na subida da Borges de Medeiros. Em agosto do ano passado, a Operação Saturação tinha a missão de dispersar a cracolândia. A Secretaria Municipal de Segurança Pública garante que a estratégia é continua, mas também aponta que a falta de efetivo dificulta a permanência no local.
O consenso é que esta "caça de gato e rato" não traz resultados duradouros. A estratégia municipal, agora, é por outro lado. Para tal, há grande expectativa pela criação de um comitê intersetorial para trabalhar políticas municipais para pessoas em situação de rua.
— Queremos cumprir aquela legislação de junho de 2019 com a criação deste comitê. Está bem avançado e deve ser lançado ainda neste segundo semestre. É muito importante pois integrará todas as forças. O que compreendemos é que o comitê poderá analisar caso a caso. Ao mesmo tempo, este olhar das diferentes forças poderá preparar um plano de trabalho — explica a vice-prefeita Paula Ioris.
A opinião da representante do Executivo chama a atenção porque ela já esteve do outro lado. Durante o seu mandato como vereadora, em mais de uma oportunidade Paula cobrou ações e estratégias que resolvessem o antigo problema do Morro do Sabão.
— Me apropriando mais do assunto no Executivo, pude ter uma visão mais ampla e ver que temos uma atuação bem importante. O que temos mais forte é na área de saúde e assistência social. O Consultório de Rua faz abordagens semanais e atende de 15 a 20 pessoas por noite ali. Segundo eles, é uma população sazonal. Não são sempre os mesmos (reunidos), mas são os mesmos que migram (de uma cracolândia para outra). São vários territórios com este problema. Mas, claro, ali é um dos mais aparentes.
A convicção é que o assunto não é apenas de polícia, ou seja, de repressão. O comitê intersetorial, portanto, poderia evoluir as políticas municipais em busca de soluções. O que inclui trabalhar nas causas, como a evasão escolar.
— A pandemia fez que muitos jovens não retornassem para a escola. Também temos que evitar que mais se percam para as drogas. Temos que atuar contra quem furta fio, que é um delito que causa muito transtorno e é custoso. Mas o problema maior é quem compra estes fios. Tem muita coisa para ser trabalhada e este comitê, acreditamos, pode ter um olhar bem complementar e mais profundo, com encaminhamentos até individuais — destaca Paula, que garante que a iniciativa não cessará as ações de dispersão, que devem continuar acontecendo pelas forças policiais para "dar segurança aos moradores".
A criação do comitê intersetorial para pensar os serviços para pessoas em situação de rua ainda está em fase de estudos. Por isso, poucos detalhes são divulgados. A expectativa era que a proposta estivesse formalizada no final de setembro, mas ainda não houve um anúncio. A prefeitura garante que o intuito é unir forças. Por isso, o convite para integrar o comitê é estendido a todas as entidades e aqueles que também desejam ajudar.