Após um mês de ações diárias, a prefeitura de Caxias do Sul avalia que reduziu o número de usuários de drogas na subida da Rua Borges de Medeiros, no entorno do Parque Mato Sartori. A Operação Saturação realiza abordagens em concentrações de dependentes químicos de crack para enfraquecer a venda local de drogas e, talvez, finalmente liberar o bairro Primeiro de Maio da insegurança instalada há décadas pelo tráfico. A Secretaria Municipal de Segurança Pública garante que a estratégia é permanente.
Leia mais
Operação conjunta busca dispersar a maior cracolândia de Caxias do Sul
Sem reação do poder público, cracolândia se consolida na Rua Borges de Medeiros
Combinação de cracolândias e tráfico de drogas irradia muita violência, mas não gera comoção em Caxias do Sul
O balanço do mês tem poucos números: foram seis pessoas detidas por posse de entorpecente e um homem preso com uma arma de fogo. Só que a estratégia policial não mirava em apreensões, mas sim desmantelar a maior cracolândia a céu aberto em Caxias do Sul. A estimativa é que mais de 50 usuários passavam por dia pela Borges de Medeiros, onde aguardavam para comprar a droga que descia de esconderijos dentro do bairro.
— Diminuiu bastante (as concentrações). Iremos continuar atuando e acreditamos que estamos reduzindo os usuários justamente pela insistência da operação. A FAS (Fundação de Assistência Social) também nos dá apoio e equipes da Saúde Mental também têm atuado. Tivemos dois jovens que saíram da rua, que nos pediram abrigamento e apoio, o que foi conduzido pela assistência social — aponta o secretário Hernest Larrat dos Santos (Júnior).
A Guarda Municipal também notou que houve uma migração de usuários, que deixaram a Rua Borges de Medeiros e passaram a buscar drogas no bairro Euzébio Beltrão de Queiróz, que também fica nos arredores do Centro. Por isso, a Operação Saturação também passou a realizar incursões naquela localidade.
Esta operação é uma novidade no recente combate ao tráfico em Caxias do Sul. Nos últimos anos, o foco das forças policiais era em ações de inteligência, com uma coleta discreta de informações que possibilitava a apreensão de quantidades maiores de drogas. Desta forma, os dependentes químicos de crack eram pouco incomodados em suas rotinas de conseguir recursos — seja mendigando, coletando de materiais recicláveis ou cometendo pequenos furtos — e trocar pela droga para saciar o vício. Agora, as ações diárias miram a clientela para enfraquecer os vendedores e, talvez, finalmente liberar estes bairros da insegurança instalada há décadas pelo tráfico permanente. O Primeiro de Maio, por exemplo, foi palco de 21 assassinatos nos últimos quatro anos.
"É preciso aumentar as ações para melhorar o bairro", diz presidente do Primeiro de Maio
Para a presidente do bairro Primeiro de Maio , Ilves Maria Teixeira, as ações da prefeitura tiveram reflexos positivos:
— Desde que a prefeitura começou a promover operações, reduziu o número de usuários de drogas no Morro do Sabão. Até mesmo as marmitas que eram entregues para eles aqui têm sido levadas para os locais onde eles estão ficando e dormindo, em outros pontos da cidade.
Ela cobra ajuda do município para valorizar mais o bairro:
— Essas ações têm que continuar. É preciso aumentar as ações e melhorar o bairro. As pessoas têm aquela visão ruim do nosso bairro, de que no Primeiro de Maio só tem drogas, quando sabemos que essa é a realidade de diversos bairros caxienses. Nós estamos sempre batalhando pelo melhor e precisamos dessa ajuda do poder público.
Uma moradora, que tem a identidade preservada pela reportagem, conta que também percebeu que a aglomeração de pessoas reduziu:
— A impressão que tenho é que durante a semana o fluxo continua parecido em alguns pontos do morro, mas durante o fim de semana o barulho realmente diminuiu. Avaliando é essa a percepção que realmente diminui o número de usuários que se aglomeram no morro.
Ela ressalta que mesmo que a presença deles seja desagradável em alguns momentos devido ao consumo de drogas e a sujeira, ela tem uma convivência tranquila e de respeito com os moradores:
— Claro que é desagradável pela sujeira e na medida em que eles assustam as pessoas que chegam às casas do bairro para visitar. A mim nunca assustaram, não me incomodam, mas é algo, por exemplo, que desvaloriza o imóvel, caso queira vender ou alugar, que não é o meu caso agora, mas que incomoda e provoca transtornos as vizinhos.
A moradora conta que assim como alguns usuários sujam a calçada em frente à casa dela, outros fazem questão de varrer e limpar:
— Meu relacionamento com eles é de paz. Eles não me desrespeitam e eu tampouco a eles. Tenho o cuidado de não pedir telentrega de comida porque não sei se eles têm o que comer, por exemplo. Eles não querem encrenca conosco. Mesmo assim, de qualquer maneira é uma situação difícil, há reclamação, às vezes tem roubos na região. Eu sempre procuro cuidar para que eles não tenham oportunidade de entrar na casa, é bastante incomodo conviver com algumas situações.
No entanto, ela ressalta que quanto à sujeira já presenciou motoristas com carros novos e caros estacionando e descartando o lixo no morro da Borges de Medeiros, o que comprava que a falta de civilidade e de educação está presente em toda a sociedade. Ela também relembra um episódio marcante:
— Um dia eu estava estacionando o carro e uma mulher se aproximou. Ela usuária de crack e parecia um farrapo humano. Ela chegou bem perto de mim e pediu moedas, mas estava muito nervosa. Eu disse: "tu me ajuda a colocar o lixo no contêiner, que eu vou te dar umas moedas e perguntei por que ela estava braba e ela disse que tinha sido xingada por uma vizinha quando pediu moedas. Quando eu separei as moedas e entreguei para a mulher, ela beijou a minha mão. Não dava pra imaginar a sensibilidade que ela tinha e isso me comoveu porque mesmo com os problemas sinto pena da situação em que eles vivem. Por isso é importante ter um olhar diferente, mais humano e estar atento as realidades que nos cercam.