Não é com a expectativa dos turistas que o agricultor Elton Guimarães, 59 anos, aguarda pela possível chegada da neve a São José dos Ausentes. Para o dono da primeira queijaria do município de 3,5 mil habitantes, no topo dos Campos de Cima da Serra, neve é sinônimo de pasto danificado. E isso o obriga a reforçar a compra de ração para alimentar o gado. São mais de 100 cabeças na propriedade que divide com a esposa, a comerciante Neiva Susin, 59.Também para Neiva, o frio e a umidade que prenunciam a neve não são bem-vindos:
— Esse frio é muito bom pra ficar em casa. Mas para quem trabalha fora, é de doer — reclama Neiva.
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Bom mesmo é para os netos. Alice, 5, e Ruan, 3, não vão à escola e nem à creche, respectivamente, em dias como essa sexta-feira (5), em que o termômetro marcou -1ºC, mas com sensação térmica ainda menor pela ação do vento e da umidade. Filhos de Luan, o caçula de Elton e Neiva, os pequenos brincam de esconde-esconde, assistem televisão e de maneira alguma se entediam enquanto os mais velhos tocam a lida do dia, que começa bem cedo.
É por volta das 7h que Luan chega à casa do pai. O trabalho começa com a higienização do aquecedor que irá receber o leite das vacas, extraído de forma mecânica. São 70 litros por dia, que dentro de 60 dias serão vendidos na forma de peças do tradicional queijo artesanal serrano. A produção é maior nos meses mais quentes, quando as vacas chegam a dar 200 litros por dia. O próximo passo é agregar o rebanho - cerca de 15 vacas leiteiras e seus terneiros - para a ordenha. É a parte mais demorada da manhã, embora o processo mecanizado faça com que tirar cinco litros de leite seja de uma facilidade quase ofensiva aos mais antigos, que faziam a ordenha com as próprias mãos.
— É um serviço que deixa a gente muito preso, porque tem várias etapas. Não tem como fazer em outro horário, precisa ser cedo. E não pode falhar um dia, senão prejudica a produção. É o típico trabalho que é só para quem gosta. E, normalmente, quem gosta é quem cresceu nessa vida, amando o campo e estar em meio aos animais — comenta Elton, membro da quarta geração da primeira família que povoou Ausentes.
Aposentado há três anos, o patriarca conta que construiu a fábrica pensando no filho, que deixou a faculdade de Agronomia após o primeiro ano, por preferir a vida no interior. Foi quando a queijaria deixou de ser um negócio inteiramente artesanal e ganhou ares mais profissionais, com ajuda de órgãos como a Emater e a prefeitura. A clientela, contudo, continua majoritariamente local. É o comércio de São José dos Ausentes que compra a maior parte dos queijos, para irem Brasil afora nos porta-malas dos turistas.
— O queijo artesanal é como pão. Se 10 pessoas prepararem o mesmo tipo de pão, nenhum vai ficar igual ao outro. O sabor depende muito do tempo de maturação de cada peça. A gente deixa por 30 dias, mas há quem prefira pegar um queijo de apenas dois dias, que vai ter outro sabor, menos concentrado.
Após a ordenha, Luan aplica ao leite recém-extraído o coalho. Após repousar por uma hora no aquecedor, a coalhada é retirada e colocada em prensas, onde ganharão a forma final para depois serem colocadas na prateleira, para maturação. Encerrada a lida na fabriqueta, Luan e Elton limpam o galpão e higienizam os equipamentos.As vacas são devolvidas ao pasto. Também para elas, a tarde será de merecido descanso.
A tradição do camargo
Após a penúltima vaca ser ordenhada mecanicamente, a última é a escolhida para oferecer leite aos terneiros que perderam suas mães. Também será a última vaca que irá fornecer o leite para o camargo, saboroso café da manhã campeiro.
Trata-se de um café servido na caneca de ferro, que recebe o leite tirado diretamente do ubre, sem passar por qualquer processo. Por mais que o morador da cidade possa estranhar, é uma bebida cremosa e muito saborosa.
— O camargo precisa ser feito do leite de uma vaca que esteja amamentando um terneiro já crescido, de pelo menos quatro meses. Ela irá fornecer um leite mais gordo e mais saboroso. A vaca que amamenta um recém-nascido produz o colostro, alimento que é mais apropriado para o desenvolvimento do terneiro, com os anticorpos que ele precisa para não adoecer — explica Luan.
Na casa da família Guimarães, até os pequenos Alice e Ruan saboreiam o Camargo. O caçula prefere o seu na mamadeira, com achocolatado.