O descanso eterno dos entes queridos virou uma perturbação para 137 famílias de Pinto Bandeira, cujos jazigos no cemitério estão erguidos sob as linhas de transmissão da Eletrosul, empresa pública de geração e distribuição de energia. Em uma ação de reintegração de posse na qual pede a proibição de se construir novos túmulos e a remoção dos já existentes na chamada faixa de servidão, a empresa obteve decisão favorável da justiça. Desde fevereiro, famílias estão sendo notificadas da ação. E o assunto gerou polêmica e contrariedade no pequeno município.
O motivo para a retirada das sepulturas é o risco à integridade física da população que visita o cemitério na área que compreende 50 metros para cada lado do eixo das linhas de transmissão. Algo que a dona de casa Zenaide Balestrin, 56, considera um exagero. Zenaide tem o pai e a mãe enterrados em um túmulo a cerca de 20 metros de uma das torres da Eletrosul, e todo domingo ela e a irmã visitam e levam flores aos entes.
– Ninguém está de acordo com isso. Acho muito triste mexer com os mortos e não gostaria de mexer com a minha mãe. Se precisa tanto e é tão perigoso, por que não fizeram isso bem antes? Acho um exagero. O perigo maior é em dia de chuva, mas todo mundo sabe disso. Tanto que nesses dias ninguém vem ao cemitério – reclama.
A mesma inconformidade tem a aposentada Odila Provensi, 63 anos. Em um jazigo bem próximo à torre, estão enterrados seus pais, três irmãos e um sobrinho. O túmulo foi uma forma de manter a família reunida para a eternidade, atendendo ao sonho de uma das irmãs sepultadas.
_ Eu sou contra. Por que não mexem na torre ao invés de tirar todos esses túmulos? A prefeitura pode até fazer um novo cemitério, mas minha família vai ter uma capelinha feita com o mesmo capricho que tivemos? _ indaga.
Impasse remete à ditadura
Parte da discussão envolve quem teria chegado primeiro: o cemitério ou a Eletrosul. O cemitério, de fato, é mais antigo. Data de 1920, sendo que em 1925 sua administração passou da Mitra Diocesana para a recém-criada Associação do Cemitério. Em 1970, a Eletrosul passou pela área com a linha de servidão de Passo Fundo a Farroupilha, sob ordem do então presidente Emilio Guarrastazu Médici, general da ditadura.
O cemitério, então com poucas sepulturas, foi ignorado e ninguém recebeu qualquer indenização. Segundo o pároco de Pinto Bandeira, Luiz Mascarello, foi um erro o terreno não ter sido repassado para a associação ainda em 1925. A área pertence a Mitra, embora a paróquia não tenha qualquer gerência sobre o cemitério.
– Estamos nas mãos do poder público. A prefeitura acenou que ia fazer o novo cemitério, mas sabemos que não é fácil. Tem muitos trâmites envolvidos. Estamos amarrados. Sou um padre que chegou de fora em 2012 (do Rio de Janeiro) e pegou algo que está totalmente fora do alcance. A associação sequer é citada no processo. Não há nada que a igreja possa fazer, só queremos nos livrar dessa dor de cabeça – diz o padre.
Procurado pelo Pioneiro, o presidente da Associação do Cemitério, Setembrino Rubbo, um senhor de 89 anos e que ocupa o cargo há 36, diz que tem ouvido muitas reclamações de proprietários de jazigos e preferiu não se manifestar publicamente. Segundo ele, só aumentaria a polêmica.
Sem prazo para o novo cemitério
A prefeitura de Pinto Bandeira não estabelece prazo para entregar o novo cemitério, mas a área já está escolhida. Será um terreno de cerca de 1,9 mil m² no Loteamento Pompéia, distante cerca de 600 metros do centro. Alguns trâmites burocráticos ainda precisam ser resolvidos, como a desvinculação da área do município de Bento Gonçalves (do qual Pinto Bandeira foi distrito até 2012), assim como o licenciamento ambiental.
Segundo o secretário municipal de Urbanismo, Danio Nichetti, o município não tem outra forma de intervir no impasse, por não ser uma das partes envolvidas no imbróglio entre empresa, igreja e a associação que administra o cemitério.
– A única forma que o município tem de intervir é oferecendo uma segunda opção, e vislumbramos a possibilidade de resolver o impasse cedendo essa área, que é menor do que o cemitério atual, mas pode ter um aproveitamento melhor. A princípio não há empecilhos, pois não há arroio ou nascente próximas, mas será preciso um estudo de impacto ambiental junto à vizinhança. Por isso não queremos falar em prazos, pois são questões que não dependem apenas do município e não queremos criar expectativas – explica o secretário.