Desde 2008, quando um deslizamento de terra causou a morte de 135 pessoas em Santa Catarina, na região do Vale do Itajaí, o Estado vizinho adotou uma série de medidas para que desastres naturais não voltassem a causar mortes. As ações, que ampliaram leis e fizeram a Defesa Civil catarinense se tornar uma secretaria de Estado, podem servir como exemplo para a Serra, que registrou mais de 500 deslizamentos de terra durante a chuva de maio e teve a morte de, pelo menos, 44 pessoas.
Segundo o secretário da Proteção e Defesa Civil (SDC) catarinense, coronel Fabiano de Souza, o desastre do Morro do Baú, em 2008, mostrou a falta de estrutura, principalmente relacionada a alertas, atendimentos e respostas antecipadas para os casos de desastres.
— Após 2008, foi montado o chamado Grupo Técnico-Científico (GTC), que envolvia integrantes dos diversos setores, principalmente universidades e administração pública com relação à área, não só da proteção e Defesa Civil. Esse grupo ficou dois anos estudando medidas que precisavam ser adotadas para o enfrentamento desse tipo de problema — conta Souza.
A partir dos estudos iniciais, a Defesa Civil catarinense deixou de ser uma diretoria e passou a ser uma secretaria. Medidas que precisavam ser tomadas, principalmente com relação à potencialização do sistema de monitoramento e alerta para desastres naturais, foram avaliadas pelo grupo. O GTC operou até 2010.
— Aí foi desencadeada uma série de ações com ênfase na estruturação do Centro Integrado de Gerenciamento de Riscos e Desastres, na cobertura do território por radares, antena de recepção de satélites, estações de superfície e, em paralelo, foi desenvolvida uma série de estudos para a mitigação de inundações — lembra Souza.
Além disso, integrantes da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica) fizeram estudos de mitigação de inundação para o Vale do Itajaí. Todos os estudos tinham o objetivo de ampliar a resposta aos desastres naturais.
— O foco na época foi a estruturação do Estado para o enfrentamento do problema, e os estudos da Jica com ênfase e foco para eventos de inundações. Mais tarde, entre 2014 e 2016, o Estado fez parte de um projeto piloto nacional chamado Gides, e enviou técnicos para o Japão lá para estudar medidas de prevenção de desastres do tipo movimento de massa — conta.
Ao longo dos últimos anos, tudo o que foi estudado e analisado desde 2008 contribuiu para o atual preparo da Defesa Civil catarinense. Conforme Souza, o Estado está tecnologicamente equipado e as equipes envolvidas nas operações devidamente treinadas.
— Hoje, Santa Catarina tem uma estrutura adequada, voltada para a emissão de alertas, em que temos, da parte de estruturação e a integração de sensores de órgãos federais — afirma Souza.
De acordo com o secretário, toda a estrutura está vinculada a um serviço de meteorologia que opera 24 horas, além de hidrólogos e geólogos que analisam os dados de cada equipamento e os transformam em alertas para os municípios. As medidas são voltadas não apenas para possíveis desastres de movimentos de terra, mas para inundações.
Avaliações para melhorias e ações na Serra
Segundo o tenente Armando da Silva, coordenador municipal da Defesa Civil de Caxias do Sul, desde que a chuva causou deslizamentos de terra no município, assim como em cidades vizinhas, o órgão tem atuado para melhorar os serviços.
— Os meses de maio e junho foram os mais difíceis, onde trabalhamos para dar uma resposta, que significa retirar as pessoas das áreas em risco e preservar a vida delas. A partir disso, estamos no momento de restabelecimento e reconstrução da cidade, avaliando e estudando os projetos colocados em prática e os que ainda serão feitos — conta o tenente.
De acordo com Silva, os trabalhos da Defesa Civil do município estão atrelados à Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), que está fazendo estudos geológicos e analisando o solo, para verificar se há segurança para os moradores. Caso não haja, será necessário que a Secretaria de Habitação atue na recolocação das pessoas que moram em áreas de riscos. Além disso, a Secretaria de Obras também participa dos trabalhos, executando obras de contenção nas áreas afetadas por desmoronamentos.
— Estamos atuando na cena do desastre, e, claro, futuramente faremos estudos aprofundados. Identificamos algumas atitudes que vamos ter que tomar, que é para melhorar a capacidade de dar resposta e evitar esse tipo de situação. Estamos fazendo reuniões para planejar ações que servirão para ampliar a nossa capacidade de oferecer trabalhos melhores para a comunidade — diz Silva.
Entre a ampliação da capacidade, a Defesa Civil do município prevê a contratação de geólogos e engenheiros, além de reuniões contínuas da equipe do Plano de Contingência, que reúne diferentes secretarias para elaborarem ações imediatas aos problemas, como no caso dos eventos climáticos do período de chuva.
Conforme avalia o tenente, a chuva de maio foi um evento extremo, superando estragos e perdas comumente esperados pelas forças de segurança em eventos climáticos.
— A gente sabe que Caxias tem várias áreas de risco que vão existir sempre. Porém, com a força do desastre, só temos condições de avaliar o impacto depois que ele acontece, como foi o caso de Galópolis. Não esperávamos um evento dessa magnitude, mas estamos trabalhando na região. Os geólogos estão fazendo sondagens e identificando se Galópolis ainda tem condições para que as pessoas continuem morando em determinados locais — menciona o tenente.
Contenção para driblar novos deslizamentos
Na BR-470, entre Bento Gonçalves e Veranópolis, os trabalhos de contenção de desmoronamentos estão sendo feitos pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). A região foi uma das mais afetadas em maio e ainda corre riscos de que novos movimentos sejam percebidos em razão da instabilidade do solo.
— Verificamos praticamente 100 pontos com danos e estudos de obras de engenharia para contenção e melhoria da segurança seguiram em paralelo a execução das obras, que estão sendo feitas desde maio — afirma o superintendente regional do Dnit, Adalberto Jurach.
Conforme Jurach, o Dnit trabalha na montagem dos lotes de planos de trabalho para a contratação de empresas que farão as obras de contenção.
— As obras de engenharia servirão de contenção para futuras ocorrências. Serão contratadas empresas para executar obras como cortinas atirantadas, que são muros fixos por tirantes, por grampos perfurados na rocha, e telas para contenção de fluxo de detritos. Também está prevista a fixação de telas, que são fixas nas rochas, no solo, para que o material não caia na rodovia — pontua.
Além disso, estudos sobre as melhorias da BR-470 permanecem em andamento. Conforme Jurach, na região da Casa Bucco, por exemplo, existe a avaliação de que sejam implantados dois viadutos em pontos curvilíneos.
Estudos e preparo no Rio Grande do Sul
De acordo com a chefe de Comunicação Social da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, tenente Sabrina Ribas, antes mesmo da chuva do segundo semestre de 2023, que causou estragos e vítimas em decorrência de deslizamentos e inundações, o órgão já está se preparando para qualificar a gestão de risco e desastres.
— Por exemplo, a contratação do Serviço de Monitoramento por Radar Meteorológico era uma questão anterior, prevista desde o final de 2022. No ano passado tivemos tratativas e agora teremos a instalação do equipamento. Essa medida estava prevista no plano plurianual, assim como a previsão de instalação de um Centro Integrado de Gestão de Risco e Desastres, que vai dar um importante passo com relação ao envolvimento e atendimento na parte de prevenção e na parte pós-desastre também — afirma a tenente.
Além disso, o órgão está buscando aumentar o número de profissionais de áreas técnicas capacitados para atuar na Defesa Civil gaúcha. A medida está a cargo do Estado.
— No ano passado a Defesa Civil criou o repasse de recursos na modalidade fundo a fundo. Ou seja, pegamos recursos do nosso Fundo Estadual de Proteção e Defesa Civil e fazemos esse repasse aos municípios. Também há medidas de prevenção e proteção que cada município deve adotar — conta Sabrina.
Pela modalidade fundo a fundo, até o dia 19 de julho foram repassados R$ 101 milhões aos municípios afetados pela chuva de maio. O prazo para os requerimentos de cada gestor municipal encerrou dia 15 de julho. Segundo o órgão, foram 545 requerimentos encaminhados e analisados. Alguns ainda estão pendentes de pagamentos.
— A gente já estava em tratativas com o Serviço Geológico do Brasil, onde temos o monitoramento de áreas de risco de ocorrências de movimentos de massa no Estado, que são áreas suscetíveis. Está em andamento que o serviço seja ampliado para contemplar as áreas que podem ter novos movimentos de massa — explica a tenente.
Outra medida em andamento, mas sem previsão de funcionamento, é a elaboração do Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil. Segundo Sabrina, o projeto depende de diretrizes do Plano Nacional, que também está em construção. Para a iniciativa, o órgão aguarda um documento da União para estabelecer as diretrizes e iniciar o planejamento de proteção.
Desafios para a cultura de prevenção e gestão de risco no Rio Grande do Sul
A Defesa Civil do Estado trabalha ainda para ampliar o monitoramento hidrológico e oferecer uma resposta mais qualificada aos municípios em relação à previsão e riscos. Segundo explica a tenente, a ampliação é necessária para que os moradores tenham a possibilidade de adotar comportamentos preventivos.
— Vai ser mais desafiador que avancemos na questão de gestão de risco e desastres, assim como na questão de cultura de prevenção, que vemos hoje ser uma coisa importante. Essa cultura é necessária em todos os âmbitos, assim como entre os moradores. É preciso que haja essa adesão às orientações dos agentes públicos e a conscientização para que todos trabalhemos juntos na prevenção — reforça a tenente.
A Defesa Civil do Estado trabalha ainda para melhorar a emissão de avisos e alertas sobre potenciais riscos. A iniciativa é essencial para que as informações cheguem aos moradores a tempo de que cada um possa adotar comportamentos preventivos e possa se deslocar para locais seguros, caso seja necessário.
Da mesma forma, segundo reforça a tenente, com o monitoramento e avisos necessários, os municípios poderão se preparar e organizar as próprias medidas de prestar auxílio e orientação aos moradores que estejam suscetíveis aos riscos.