Um mapeamento do Nasa Disasters mostra que as cidades de Veranópolis e Bento Gonçalves foram as mais afetadas por deslizamentos de terra devido à chuva que atingiu o Rio Grande do Sul. O levantamento, que pode ser acessado pelo público em geral, foi analisado por uma engenheira civil especialista em geotecnia que contabilizou os movimentos de terra em cada município do Estado e chegou a 270 e 229 deslizamentos respectivamente ocorridos nas duas cidades da Serra entre os dias 20 de abril e 8 de maio. Com o uso de satélites, a agência espacial americana mapeia regiões afetadas por desastres como inundações, furacões, terremotos, vulcões e deslizamentos.
De acordo com a engenheira Catiucha Rehbein, a contabilização do mapeamento começou a ser feita por ela no dia 15 de maio e foi concluída na última quarta-feira (5). Para verificar as cidades mais atingidas, foi preciso contar ponto a ponto do mapa e classificar por município. Ao todo, segundo ela, 3.934 deslizamentos foram registrados em todo o Rio Grande do Sul devido à chuva. A ideia de contabilizar os dados públicos da Nasa surgiu devido aos estudos que a engenheira faz rotineiramente na área de geotecnia, em que tem especialização.
— Classifiquei por município para saber quantos (deslizamentos) ocorreram dentro da área de cada cidade do Estado. Depois separei em regiões de ocorrência. Consegui acesso às divisas dos municípios e assim fiz a contagem de absolutamente todos os pontos mapeados pela Nasa, e cheguei ao total de 3.934 pontos. Na contagem final, Veranópolis foi a cidade mais atingida e Bento Gonçalves a segunda — explica a engenheira.
A ideia da engenheira é detalhar os diferentes tipos de movimentos de terra que ocorreram no Rio Grande do Sul. Segundo Catiucha, a categorização de cada tipo será feita em um artigo científico.
— Normalmente temos deslizamentos e corridas de massa na Serra. Mas também pode haver tombamentos, rastejos e subsidências. Deslizamentos são um dos vários tipos de movimentos de massa. Então, por exemplo, os deslizamentos são um tipo de movimento de massa em que o solo e a rocha possuem uma cunha de ruptura. Já a corrida de massa é o movimento em que o solo atinge o limite de liquidez, ou seja, ele se liquefaz e desce pela encosta como se fosse uma cascata de lama e outros materiais — explica Catiucha.
Conforme a engenheira, os movimentos ocorrem devido a diferentes fatores, como a inclinação das encostas, geomorfologia dos locais, usos do solo e também o excesso de chuva, que foi o que ocorreu no Estado no mês de maio. Os movimentos de terra podem acontecer tanto de forma natural quanto por influência humana. Somente em Veranópolis choveu entre os dias 26 de abril e 16 de maio o total acumulado de 1.000 milímetros. Em Bento Gonçalves a quantidade foi de 889.6 milímetros.
— Normalmente na corrida de massa fica somente a rocha desnuda, mas também pode ocorrer uma corrida superficial. Tudo depende do local, tipo de solo e materiais, assim como a qualidade da rocha. Quando a rocha é muito fraturada próximo da superfície, ela desce junto e podemos ver que ficam "buraquinhos" nas rochas onde ocorre essa corrida de massa. Nos deslizamentos não é assim. O solo sobre a rocha forma uma cunha ou um plano de ruptura, e aí desliza somente aquele plano, mas o resto fica — explica a engenheira.
Contabilização auxilia na capitalização de recursos
Segundo o secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Veranópolis, Fernando Fracaro, que recebeu o documento com a contabilização dos deslizamentos, as informações auxiliam o município na busca de capitalização de recursos para reconstrução.
— Esse levantamento que mostra Veranópolis como a mais afetada pelos deslizamentos nos ajuda a buscar recursos. O que aconteceu está justificado, está mapeado e esse estudo nos sustenta nos pedidos de recursos para entidades maiores e o Governo Federal, assim como pedido de ações para ajudar o município a se reerguer — afirma o secretário.
Nesta semana que a chuva cessou no Estado, os trabalhos feitos em Veranópolis puderam avançar. Conforme Fracaro, algumas áreas da Serra das Antas que estavam sem energia elétrica tiveram as redes restabelecidas pela RGE. Os locais, que tinham ligação com Bento Gonçalves, foram ligados a áreas diretas de Veranópolis.
Com a limpeza de estradas bloqueadas por deslizamentos, alguns produtores conseguiram chegar aos pomares ou residências que estavam sem acesso. Ainda há pontos bloqueados e casos de moradores sem energia elétrica e água. Por causa da situação, os valores de danos causados no município ainda estão sendo gradativamente levantados.
Mapeamento por satélite
A National Aeronautics and Space Administration (NASA), que em tradução livre significa Administração Nacional Aeronáutica e Espacial, é a maior agência espacial do mundo e fica nos Estados Unidos. No local são feitas pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias e programas de exploração espacial. A Nasa tem como missão fomentar o futuro na pesquisa, descoberta e exploração do espaço.
O mapeamento do Nasa Disasters é feito quando alguma região do mundo é afetada por desastres como inundações, furacões, terremotos, vulcões ou deslizamentos. Além dos movimentos de terra, o programa também analisou as enchentes que atingiram outras regiões do Rio Grande do Sul. Ainda no Brasil, o caso de Brumadinho também foi mapeado pelos satélites da Nasa.
Segundo o site da agência, quando os desastres afetam locais específicos, o Nasa Disasters faz manualmente levantamentos com imagens, dados e avaliações dos danos relevantes para fornecer às entidades responsáveis e aos governos locais. Os dados podem ajudar nos planos de recuperação das áreas afetadas. Os pesquisadores e cientistas que atuam no local avaliam os perigos, assim como a gravidade e identificação dos impactos de cada desastre.
O mapeamento que avaliou os deslizamentos foi feito com o uso de imagens da constelação PlanetScope, composta por aproximadamente 130 satélites, que captam imagens de toda a superfície da Terra diariamente. Conforme as informações da equipe que mapeou os deslizamentos de terra, as áreas que estavam cobertas por nuvens entre o período de coleta dos dados fornecidos e que constam nesta reportagem não foram incluídas no levantamento e a quantidade de deslizamentos de terra pode ser maior. Os dados continuam em levantamento pela equipe e podem ser acessados no site da Nasa.