Ao longo da tarde desta quinta-feira (14), 58 pessoas em situação de rua buscaram orientações e encaminhamentos em uma ação realizada pela prefeitura de Caxias do Sul na Praça Dante Alighieri. A iniciativa, que integra a força-tarefa lançada em 26 de fevereiro e contou com apresentações musicais, também encaminhou 12 pessoas para um dos serviços de acolhimento institucional. Foram realizados dois encaminhamentos para retorno a cidade de origem e 53 pessoas ganharam corte de cabelo e barba. No total, foram 125 atendimentos.
De acordo com a presidente da Fundação de Assistência Social (FAS), Geórgia Tomasi, realizar a ação na área central da cidade teve o objetivo de alcançar mais pessoas que necessitem de auxílio, além de dar visibilidade ao trabalho feito pelo Centro Pop Rua.
— A Assistência trabalha sempre com ações descentralizadas e, quanto mais estivermos presente nas comunidades, melhor. Mas também sabemos que estar nas áreas centrais e chegar nessa população, que acaba não chegando nas comunidades, é importante. Pensamos nessa ação centralizada para alcançar pessoas que por algum motivo ainda não foram ao Pop ou ainda não foram atendidas pela abordagem social e também mostrar o impacto causado na sociedade com o trabalho do Pop — mencionou Geórgia.
Os fios de cabelo em tons variados do grisalho de José, 44 anos, foram cortados com precisão por um barbeiro experiente. Enquanto a máquina retirava os últimos cabelos rebeldes, o homem, que veio de Capão da Canoa para a Serra há quatro meses, falou com orgulho sobre as oportunidades que já recebeu no município desde que se deparou com o Centro Pop Rua. Pai de cinco filhas que moram no Litoral Norte, José veio para Caxias em busca de oportunidade de trabalho.
— Me explicaram que o Pop ajudava com lugar para dormir, tomar banho e eles ajudavam também a fazer documentos e currículo e era isso que eu precisava, porque os documentos eu tenho. Cheguei no Pop e tive um tratamento de ouro pelas pessoas que trabalham lá. Vi que Caxias é uma cidade abençoada, com bastante emprego e bastante pessoas que se dedicam em ajudar o próximo. Só tenho gratidão hoje em dia porque graças a eles consegui trabalhar, consegui dentista e também fui no cinema — contou José.
Entre as oportunidades que já vivenciou a partir da ajuda do Centro Pop Rua, esteve o trabalho feito durante a Festa da Uva deste ano. Nos shows de Raça Negra e Bruno e Marrone, José teve a oportunidade de pisar no palco principal do evento e acompanhar as apresentações.
— Trabalhei na montagem e desmontagem da aparelhagem para os shows. Eu perdi de passear na festa, mas eu trabalhei e assisti os dois shows sem precisar pagar porque estava trabalhando. Então, ajudei a montar toda a aparelhagem de show do Raça, quando terminou nós desmontamos e montamos a do Bruno e Marrone. Ganhei o dinheiro do que trabalhei no show e, quando acabou, juntei latinhas que estavam espalhadas por lá e com as latinhas fiz mais R$ 120 — lembrou orgulhoso.
Pensando nos objetivos que tem atualmente, José conta sobre a vontade de alugar uma casa para morar e juntar mais dinheiro do que já guardou para visitar as filhas. Segundo ele, com o acolhimento recebido pelo Centro Pop Rua, conseguiu coragem para fazer uma ligação recente a uma das meninas, que tem 15 anos, e pediu perdão.
— Consegui comprar um telefone esses dias e liguei para pedir perdão por umas coisas que eu fiz. Ela me disse “pai, eu já te perdoei faz tempo”. Agora quero fazer uma poupança para guardar mais dinheiro e ver elas de novo. Infelizmente, desde que teve aquele caso da morte de um homem aqui em Caxias, todos nós estamos sendo julgados por isso. No momento que eu saio do meu trabalho e vou para as sinaleiras vender paçoca, as pessoas perguntam se não quero trabalhar. Eu falei para um cara ontem que eu trabalho sempre que tem serviço. Se tiver um pátio para capinar eu estou lá e se ele quisesse me oferecer um trabalho, eu aceitaria — enfatizou José.
Enquanto observava o barbeiro retirar os fios perdidos da sobrancelha de José, Simone se aproximou para pedir que também fizesse o mesmo quando chegasse a vez dela sentar na cadeira. À reportagem, contou brevemente sobre a admiração e gratidão que também tem pelas ações do centro.
— Eu frequento o Pop, frequento as clínicas e a vida continua. Atualmente estou em uma casa com meu irmão, não estou ainda em situação de rua, mas vou ficar porque meu irmão pediu para eu sair. Tenho vício em álcool e admito esse problema, mas sou trabalhadora, sou soldadora. Agora estou arrumando meus dentes, tenho um emprego bom no comércio e agradeço muito o Pop Rua por estar com a gente porque é difícil a gente ter apoio e acolhimento de outras pessoas. Por causa do Pop eu não entrei em outros vícios — disse.
Para o barbeiro Marcelo Meirelles, um dos responsáveis pelos cortes de barba e cabelo, a ação é uma forma de fazer um benefício não só para eles, mas também para si mesmos.
— Estar aqui é gratificante por poder ajudar o próximo. Não podemos ser barbeiros só pela questão do dinheiro, mas também para podermos ajudar quem precisa. Eles precisam de uma conversa, um abraço e falando com o José descobrimos que fomos batizados na mesma igreja. A gente entende como as pessoas foram parar nas ruas ou nos vícios e é um ganho para a gente mesmo — ponderou o barbeiro.
Necessidade do serviço especializado
De acordo com a gerente do Centro Pop Rua, Chalisa Boeira Dalzochio Sartor, a ação desta quinta-feira pode ser chamada como Dia D e reforça a importância da necessidade desse tipo de serviço especializado e de referência no município. Além disso, a gerente pontua o objetivo de garantir o acesso aos direitos sociais da população em situação de rua e também a proteção social.
— O resultado desse trabalho e dessas iniciativas se traduz em números e dados que nos subsidiam para pensar em estratégias e ações cada vez mais assertivas e que possam qualificar e fortalecer ainda mais o serviço prestado para essa população no nosso município — conta a gerente.