Para 2024, existe a expectativa de que a prefeitura de Caxias do Sul entregue as primeiras residências do programa A Casa É Sua. A iniciativa, em conjunto com o governo do Estado, entregará residências para 227 famílias no loteamento Campos da Serra. Apesar de atender uma parcela da demanda habitacional do município, o plano preocupa os atuais moradores da comunidade na zona leste da cidade. Eles relatam que sentem necessidade de atenção ao loteamento, especialmente em educação, saúde e segurança. O pedido dos moradores, que fazem parte das cerca de 1,8 mil famílias que moram ali, é que a estrutura seja melhorada antes de receber novos habitantes.
— Não somos contra as famílias virem para cá. Mas, primeiro, deem uma estrutura para o pessoal que já está aqui — pede a moradora Eva Fichel, 48 anos, que está há 10 anos no loteamento.
A prefeitura reconhece as demandas e diz que ações estão sendo executadas para solucionar pendências (leia mais abaixo). Na segunda-feira (12), a reportagem esteve no Campos da Serra para conversar com um grupo de cinco moradoras que vivem em diferentes condomínios do loteamento. Essas mulheres desempenham algum tipo de liderança na comunidade ou estão há mais tempo residindo no loteamento, por isso, têm conhecimento do cotidiano.
Como estrutura, atualmente, o loteamento tem os prédios de condomínios, algumas casas, uma Unidade Básica de Saúde (UBS), uma escola de Educação Infantil e quatro minimercados.
As moradoras relatam que precisam constantemente deslocar-se ao Centro para atendimentos básicos. Elas reclamam que o atendimento médico é limitado, com dois especialistas de estratégia de saúde da família para atender o loteamento e bairros vizinhos. O grupo também diz que tem dificuldade em conseguir consultas de pediatria e ginecologia.
— A nossa UBS é a única coisa que temos, e ela ainda está defasada. Nós não temos supermercado, não temos uma farmácia. Tu fica doente, tu não tem onde comprar remédio. Se tu não tem R$ 6,70 para passagem para ir comprar, tudo fica sem o remédio — diz Eva.
Educação preocupa famílias
As moradoras afirmam ainda que houve redução na coleta de lixo no Campos da Serra e que lidam com constantes atrasos dos ônibus do transporte coletivo. Porém, um dos principais problemas enfrentados por famílias é a falta de uma escola de Ensino Fundamental. A instituição é prometida pelo menos desde 2014, quando existia a expectativa de conseguir recursos por meio do governo federal.
Até o sexto ano do Ensino Fundamental, os estudantes do loteamento dependem da Escola Sete de Setembro, do bairro São Luiz. Para os pais e mães, o problema começa após o sexto ano. Paulo Giovani Dalasen, 31, que é pai de uma menina de 11 anos, e Cláudia Lisiane da Silva, 49, mãe de outra menina de 11 anos, estão encarando agora esta realidade.
Eles relatam que, no final do ano passado, receberam um termo da direção da Escola Sete de Setembro para que as duas estudantes fossem direcionadas à Escola Governador Leonel Brizola, com a justificativa de não ter mais vagas na Sete de Setembro. O problema para os pais é que a Governador Leonel Brizola funciona dentro da Escola Estadual de Ensino Fundamental Professora Ivanyr Euclinia Marchioro, no bairro Jardelino Ramos, a mais de sete quilômetros do loteamento.
— Eu não quero porque a gente é discriminado. Então, de manhã são os estudantes do Burgo, e de tarde são as crianças do Campos. Eles jogaram as crianças lá. Eles (a prefeitura) dão transporte público, mas eu não quero transporte público. Eu consigo pagar (para ir a outra escola), se for isso - lamenta Cláudia.
Os dois pais não assinaram o termo e buscaram outras opções, mas tiveram o pedido recusado. Neste momento, as duas crianças estão sem vagas.
Projeto para escola na comunidade
Em contato com a reportagem, a assessoria da Secretaria Municipal de Educação (Smed) afirma que existe uma grande demanda de estudantes do sexto ao nono ano na região leste de Caxias, fazendo com que escolas, como a Sete de Setembro, não tenham vaga para todos os estudantes. Ainda segundo a assessoria, as famílias dos estudantes dos Campos da Serra devem assinar um termo de ciência em relação às vagas desde que os estudantes entram no quarto ano ou antes.
Para 2024, a Smed prevê a licitação para a construção de duas escolas para o loteamento. Uma delas receberá o nome de Governador Leonel Brizola - encerrando assim o uso da estrutura da escola Professora Ivanyr Euclinia Marchioro. Ainda não há prazo para inauguração destas estruturas.
Integrantes de conselho questionam planos
Membros do Conselho Municipal de Habitação (Comhab) divulgaram uma nota questionando qual será a estrutura oferecida para as 227 famílias contempladas com o programa A Casa É Sua. Além da falta da escola e os desafios enfrentados, os conselheiros pedem a presença de outros serviços, como Centro de Referência de Assistência Social (Cras). Atualmente, no âmbito de assistência social, o loteamento conta com um Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, que atende oitenta adolescentes.
Em uma nota enviada à reportagem, membros do conselho descrevem ainda que falta ao loteamento estruturas como cozinha comunitária, espaços de cultura, esporte e lazer, além da ampliação do atendimento do transporte público.
Outro questionamento de integrantes do conselho é sobre os gastos que serão arcados por famílias, muitas das quais possuem baixa renda — já que um dos critérios para ser contemplado é ter renda de até três salários mínimos. Com a falta de estrutura no loteamento, o custo de vida aumenta na região.
— O transporte não está na conta, para fazer rancho, para a própria alimentação tem que sair do bairro para conseguir comprar. Se precisar de especialidade médica, precisa sair do bairro. Todos os valores que encarecem a vida das famílias não estão na conta — afirma o conselheiro Maurício Rossini.
As parcelas do financiamento, que são a contrapartida dos beneficiários, estão estipuladas entre cerca de R$ 168 e R$ 480, conforme a faixa de renda. De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação, 80% das famílias contempladas estão na primeira faixa, que pagará cerca de R$ 168 mensais. Este valor menor é para as famílias que recebem até um salário mínimo.
A conselheira Andressa Campanher Marques lembra que isso pode, consequentemente, gerar o endividamento das famílias e mais problemas sociais, como evasão escolar, por exemplo.
— Tu coloca uma pessoa em situação de vulnerabilidade tendo que arcar com todos esses custos de habitação, mesmo sendo menor o financiamento, as famílias têm que pagar IPTU. No caso dos apartamentos, tem que pagar o condomínio. Isso gera o endividamento das famílias e é óbvio que vai ser uma bola de neve. Então, tem várias famílias que estão numa bola de neve e isso vai gerando outros conflitos. Tu atende a habitação por um lado, mas depois com o tempo vai gerando outros problemas — argumenta Andressa.
"O déficit habitacional é muito grande"
O secretário municipal da Habitação, Wagner Petrini, afirma que a pasta, em parceria com outros setores da prefeitura, compreende a necessidade de melhorias na estrutura do loteamento. Porém, Petrini chama atenção para o déficit habitacional que existe no município, que é de mais de 4,2 mil famílias em espera por uma residência. Como afirma o secretário, Caxias não podia perder a oportunidade de ser contemplada pelo programa em parceria com o Estado.
— Infelizmente, passam alguns gestores e acabam não cumprindo e não fazendo o dever de casa. Mas, chegou a nossa vez. Fomos contemplados e já tínhamos os terrenos habilitados. Foi uma oportunidade que começamos a correr lá atrás e fomos a Porto Alegre para não perder esse programa. Uma que o déficit habitacional é muito grande, então não tem como perder um programa que nós fomos o município com o maior número de casas contempladas — afirma Petrini.
De acordo com o titular da Habitação, a Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade também trabalha para melhora do transporte coletivo. Além disso, a Fundação de Assistência Social (FAS) está realizando um estudo para implantação de Cras no loteamento.
— Primeira coisa, essas pessoas precisam ter um lar. As primeiras famílias contempladas são pessoas que vivem no dia a dia em situação precária. Dessas pessoas, é difícil ter uma família que não aceite, não aplauda e não comemore essa conquista que é a casa. E com certeza, temos que ir lá e cumprir nosso papel na questão da infraestrutura para o bem-estar do conjunto — diz o secretário.
Sobre a demanda da coleta de lixo, a assessoria de imprensa da Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca) explica que teve uma grande demanda de resíduos no final de 2023, o que atrasou a coleta em alguns pontos. De acordo com a empresa, o trabalho já foi normalizado.
"A coleta no loteamento é mecanizada, isto é, com contêineres. A coleta ocorre cinco dias da semana (3 dias de coleta orgânica e 2 dias de seletivo). Entretanto, além de muitos resíduos orgânicos e seletivos, há também muito descarte irregular de materiais de grande porte ao lado dos contêineres como colchões, móveis, sofás, demandando uma atenção especial da equipe da coleta. Tanto que o loteamento será beneficiado este ano com o Bota-fora (data a ser informada posteriormente), para que se reduza consideravelmente este descarte. A Codeca está à disposição pelo Alô Codeca, 3224-8000", completa a nota da Codeca.
Novos profissionais para UBS
Em relação ao atendimento na UBS do loteamento, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) explica que os médicos de Estratégia de Saúde da Família (ESF) cuidam de todos os membros da família, podendo também atender consultas de ginecologia e pediatria.
Ainda segundo a pasta, o profissional ginecologista que atendia no loteamento solicitou exoneração e o pediatra pediu transferência para outra unidade. A reposição deles, conforme a nota, depende de concurso, que foi homologado e está em fase de nomeação. A assessoria também chama atenção para as faltas de moradores em consultas, que prejudicam a comunidade.
"A UBS Campos da Serra conta com dois médicos de Estratégia Saúde da Família (ESF), que são profissionais capacitados para atender a toda a família (criança, adulto e idoso e, inclusive, saúde da mulher). Um desses profissionais está em período de férias, com retorno previsto para a próxima segunda-feira (19/02). Os médicos de Estratégia Saúde da Família são profissionais especialistas em saúde da família ou família e comunidade, logo, são habilitados para atender inclusive a consultas de pediatria e ginecologia. Em relação ao profissional ginecologista que atendia naunidade, este solicitou exoneração. Já o profissional pediatra solicitou transferência para outra unidade. A reposição desses dois médicos depende de concurso, que foi homologado e está em fase de nomeação. No entanto, como informado, essas consultas são atendidas pela Estratégia Saúde da Família.
A Secretaria da Saúde informa, ainda, que no ano de 2023 foram registradas na UBS Campos da Serra 439 faltas a consultas agendadas com médico de Estratégia Saúde da Família e 103 com médico pediatra. Ou seja, foram 542 pacientes que não compareceram e não informaram sobre a falta, impossibilitando que outros fossem atendidos, o que prejudica a toda a comunidade", diz a nota.
Funcap como prioridade
Os recursos do Fundo da Casa Popular (Funcap) são utilizados no município para os investimentos em programas populares. Atualmente, o Funcap é abastecido apenas com a contrapartida das famílias contempladas por ele. Ou seja, os valores das parcelas do financiamento retornam ao fundo para que outras pessoas sejam auxiliadas.
O Conselho da Habitação acredita que o fundo precisa de outras formas de receber recursos, para que mais famílias possam ser atendidas. Os conselheiros lembram que até 2011 a lei do Funcap exigia que 5% do orçamento municipal fosse repassado ao fundo. Desde então, conforme o grupo, o fundo foi enfraquecido sem essa receita.
Petrini afirma que o Funcap segue em pauta e que novas medidas podem ser tomadas em relação a ele:
— Estamos tentando mexer para ver o que conseguimos fazer. Na questão habitacional, vamos mexer em algumas coisas. Inclusive, em outras modalidades (de moradia). Precisamos avançar, ficou muito tempo parado nessa questão da habitação.