Grandes conjuntos habitacionais construídos por meio do programa Minha Casa Minha Vida têm sido importantes para abrandar o déficit habitacional em Caxias do Sul e região. A solução, porém, também está potencializando ou agravando problemas sociais por diversos fatores, o que serve de alerta para projetos semelhantes.
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Em Caxias, o loteamento Campos da Serra abriga cerca de 6 mil pessoas. Afastado da área central, enfrenta desafios como a convivência entre vizinhos, falta de escolas ou creche nas proximidades, vandalismo, venda irregular de imóveis e tráfico de drogas. Acuados pelo avanço da insegurança, que nem a polícia nem o poder público conseguem frear, moradores adotaram a lei do silêncio. Também erguido para acomodar pessoas de baixa renda, o residencial Novo Futuro, em Bento Gonçalves, enfrenta situações semelhantes.
A ociosidade de crianças e adolescentes é um dos maiores desafios das autoridades. Em Caxias, o problema já havia sido apontado em 2013 pelo Conselho Tutelar. Na época, os relatos de moradores do Campos da Serra apontavam infrequência escolar, negligência dos pais, abandono de incapaz e jovens envolvidos em casos de perturbação da ordem e do sossego.
Quando o projeto de Caxias do Sul foi lançado, estavam nos planos uma escola de Ensino Fundamental, uma escola de Educação Infantil e a unidade básica de saúde (UBS). Até agora, apenas o postinho saiu do papel. Os terrenos para as outras duas construções estão designados, mas a falta de verba do governo federal trava o início das obras. Segundo o secretário municipal da Educação, Agenor Basso, os projetos estão prontos e a prefeitura já fez até terraplanagem, mas não há previsão de início.
Sem vaga por perto, há até quem estude no distrito de Fazenda Souza, a cerca de 25 quilômetros, caso de filhos de Vivanir Eliane de Souza, 30 anos. Kauê, 11, e Kauani, nove,pegam o ônibus da prefeitura às 6h40min para estudar em Fazenda Souza. A vaga na Educação Infantil para Rian, quatro, também será no distrito. Já Pietro, dois anos e meio, frequenta uma escolinha no Diamantino, cujo transporte custa R$ 165. Os outros dois filhos de Vivanir, Raíssa e John Lennon, ainda não estudam. Quando não estão na escola, geralmente as crianças estão dentro de casa, já que a área de lazer está sendo finalizada.
– Estão fazendo um parquinho, mas é muito pouco para tanta gente. E escola tão longe? Se acontece alguma coisa com a criança, a gente não tem como ir –comenta Vivanir.
Outro fator que preocupa as famílias é a depredação do patrimônio. Embora a comunidade em geral tenha zelo com os prédios, há pontos com pichações e cercas estragadas, o que dá sensação de insegurança e descuido. Moradores também lamentam o estigma de que o local não é bom lugar para morar. Por não conseguir emprego em função do preconceito, há quem distribua currículos com endereços de familiares que moram em outros locais para facilitar a contratação.
Saiba mais
:: O Campos da Serra fica na localidade da Nossa Senhora das Graças da 8ª Légua, a cerca de 40 minutos do Centro, e tem péssimo sinal de celular.Alguns moradores só conseguem se comunicar pela internet.
:: O Campos da Serra é formado por 1.340 apartamentos do Minha Casa Minha Vida, divididos em 10 conjuntos de prédios, e mais 120 unidades do Projeto Multissetorial Integrado (PMI).
:: Nos lotes remanescentes do Campos da Serra, a prefeitura quer construir de 250 a 250 casas para famílias grandes, que poderão construir um cômodo a mais. Não há previsão de início.
Filho estuda e mora longe
Sem vaga para o filho mais velho em uma escola perto de casa, no Campos da Serra, ou dinheiro para pagar pelo transporte, a auxiliar-geral Janaína Pereira, 35 anos, se obriga a deixar o filho com a avó para que ele consiga estudar. Kauã, 12, só vê a mãe e as irmãs, Tayene, três, e Aysha, oito, aos finais de semana.
– O guri quer vir morar comigo, e é claro que também quero, mas não tem como. Ele se sente excluído – desabafa Janaína.
Enquanto a mãe e as irmãs vivem no Campos da Serra, Kauã mora em Galópolis e estuda em Santo Antônio da 3ª Légua. A menina mais nova, de três anos, vai de van para a escolinha no Vila Leon, cujo transporte custa R$ 145 por mês. Já Aysha, oito, vai com transporte do município para a escola em São Luiz da 6ª Légua à tarde, mas a mãe gasta R$ 100 por mês para uma babá tomar conta dela no turno contrário. Falta dinheiro para bancar o transporte de Kauã. Ela recebe R$ 1 mil por mês de salário.
O problema já foi maior: logo que a família se mudou, a vaga para a menina mais nova foi em uma escola de Fazenda Souza. Pela distância, a mãe nunca conseguiu buscar o boletim.
O secretário municipal da Educação, Agenor Basso, diz que há um esforço para atender a todos os casos de vaga e transporte, mas a vinda frequente de novas famílias dificulta o trabalho. Ele pondera que há crianças do Campos da Serra estudando em turno integral na escola Governador Leonel Brizola, que funciona provisoriamente na UCS.
Trabalho social prepara o Rota Nova
A partir de março ou a abril do ano que vem, as 420 famílias que vão morar no residencial Rota Nova começam as mudanças. O empreendimento,que também é do Minha Casa Minha Vida, foi erguido no loteamento Mattioda para abrigar pessoas que serão removidas da Rota do Sol, entre os bairros Santa Fé e Cidade Industrial.
Contratado pela prefeitura, o setor de Reassentamentos Urbanos da UCS acompanha desde 2013 as famílias que irão ao Rota Nova, com a intenção de prepará-las para a nova situação, já que deixarão casebres para morar em prédios. São trabalhados temas como convivência coletiva. Esse mesmo trabalho começou a ser feito a partir da inauguração da terceira etapa do Campos da Serra, em 2013 – antes disso, o trabalho de pré-ocupação foi realizado por uma empresa contratada pela Caixa Federal, financiadora do programa. Para a psicóloga Tanara Cassini Vasatta, a adaptação é um processo pedagógico.
Outro loteamento que contou com o serviço social foi o Victório Trez, que recebeu 346 famílias retiradas do Valão dos Braga, no Fátima Baixo e outras 60 famílias que saíram de áreas de risco espalhadas pela cidade. Vandalismo é esporádico. Além da ajuda, a presidente, Marlene Carneiro de Jesus, acredita que o modelo deu certo porque a maioria dos vizinhos já se conhecia.