Perto do início da colheita da uva, as propriedades que cultivam a fruta na Serra estão se adequando ao Pacto Boas Práticas Trabalhistas e também Agrícolas. Nesta sexta-feira (15), o representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT) José Ribeiro esteve visitando propriedades lem Bento Gonçalves.
Ribeiro passou nas localidades de Faria Lemos, Vale Aurora e Vale dos Vinhedos. Ao todo, são 1.140 famílias associadas à Vinícola Aurora — mais de 450 propriedades — que estão fazendo as adaptações necessárias para o programa de Boas Práticas Agrícolas, que guia os produtores para a implementação de trabalho digno. As mudanças incluem construção e reforma em alojamentos, mecanização do carregamento e descarregamento das frutas (que já atinge 78% dos associados) e a implementação de regras rígidas para boas práticas, relações com os colaboradores e cuidados ambientais.
O representante da OIT salientou que a experiência em Bento Gonçalves foi interessante para que se entendesse de forma prática a realidade da vitivinicultura gaúcha. E frisou sobre a importância da uva e do vinho para o país.
— Fizemos um reconhecimento de campo, entendendo algumas das dificuldades dos produtores da região. Ao mesmo tempo, vimos toda a dinâmica que envolve a cadeia produtiva. Tudo isso vai nos ajudar a ter um aprimoramento no nosso estudo para que possamos colaborar com o setor na promoção do trabalho decente — salientou.
Na avaliação do coordenador da Aurora, Felipe Bremm, todas as agendas realizadas durante a semana pela cooperativa foram extremamente produtivas, principalmente pelas explicações que foram passadas às autoridades e o feedback recebido.
— Todas as visitas nos ajudaram a entender melhor se as ações que estamos fazendo estão corretas ou precisam de alguns ajustes. Foi muito interessante ver o ministro (do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que esteve na quinta-feira em Farroupilha) entendendo os problemas que a região tem. Ficamos mais confiantes ao conseguir expor o trabalho que estamos fazendo a terceiros, que muitas vezes conseguem enxergar com um olhar um pouco diferente as ações. Tenho certeza que estamos fortalecidos para que tudo dê certo na safra 2024 e não ocorra nenhum tipo de problema com relação a trabalho — destacou Bremm.
Na última quinta-feira, Ribeiro também acompanhou a Conferência sobre as Ações Pactuadas e seus Efeitos Preventivos sobre o Setor, em Farroupilha. O encontro promovido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) debateu os resultados do pacto pelo trabalho decente, assinado em maio.
Outras ações na semana
Representantes do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4) também estiveram na Serra e falaram sobre práticas trabalhistas e o episódio de trabalho análogo à escravidão, em Bento, na terça-feira (12). Os desembargadores Francisco Rossal de Araújo e Ricardo Martins Costa participaram do encontro com colaboradores da vinícola.
Já na quinta (14), o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, esteve em Farroupilha para falar com entidades dos trabalhadores e empresas do setor da vitivinicultura antes da safra. Marinho afirmou acreditar que o setor do vinho servirá de exemplo para outros setores quanto às práticas trabalhistas.
As principais mudanças adotadas pela Aurora:
:: Mecanização: nos próximos três anos, deve ser mecanizado todo o carregamento e descarregamento dos 70 milhões de quilos de uvas colhidos pela Aurora. As frutas serão colhidas por safristas no pé e colocadas em grandes caixas (os bins) com capacidade para 500 quilos, transportadas por empilhadeiras, ainda no parreiral. Hoje, 78% dos cooperados já usam esse sistema. Até pouco tempo atrás, as caixas eram de 20 quilos e carregadas manualmente.
— A mecanização não elimina o trabalho dos safristas, mas facilita bastante — resume o presidente da cooperativa Aurora, Renê Tonello.
:: Financiamento da automação: para incentivar a substituição do descarrego manual pelo mecânico, a Aurora busca financiamento de equipamentos para os associados. Os juros são similares aos do Pronaf, em torno de 5% ao ano, com prazos de pagamento que chegam a 36 meses. Cada bin custa em torno R$ 1,3 mil e a torre (carrinho) acoplado ao trator, R$ 30 mil (cada um serve para uma propriedade inteira e dura décadas, calcula Tonello). Na própria sede da empresa, a adoção de bins retirou um terço do esforço necessário para descarregar uvas, relata.
:: Boas Práticas Agrícolas (BPA): foram feitas orientações, capacitações e inspeções nas propriedades dos 1,1 mil associados, distribuídos em 11 municípios serranos. Todos estão orientados a adotar boas práticas recomendadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foram contratados escritórios especializados no assunto, ressalta Felipe Bremm, responsável pela rubrica “Boas Práticas” na Aurora.
:: Carteira de Trabalho para safristas: todos os safristas terão carteira de trabalho assinada, ainda que na modalidade de serviço intermitente (temporário). Nem sempre foi assim, admitem os cooperativados, até porque muitos trabalhadores não gostam de ter descontados os benefícios sociais no salário. O pagamento é proporcional aos dias trabalhados.
:: Escritórios de assessoria contábil: a Aurora tem indicado aos cooperativados escritórios que providenciam os trâmites burocráticos para contratação dos safristas. Isso evita complicações previdenciárias e trabalhistas.
:: Alojamento na área rural: a Aurora garante que os safristas vindos de fora da Serra ficarão hospedados nas propriedades rurais. Para isso estão sendo construídos ou adaptados 450 alojamentos em toda a região. Banheiros químicos também estão sendo colocados em alguns pontos das lavouras. A tentativa é evitar que os trabalhadores sejam amontoados em pousadas insalubres, como o constatado no início deste ano pelos fiscais do Ministério do Trabalho. Já safristas da região ficarão em suas próprias casas ou em alugadas.
:: Compliance (programa de adequação a leis e regras): consultoria da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) realiza um diagnóstico das relações entre associados e terceirizados. Ideia é melhorar as relações.
:: ESG ( práticas ambientais, sociais e de governança ): um escritório de advocacia articula programas de governança social e meio ambiente, para melhoria de cuidados nas propriedades. A cooperativa conseguiu Certificado de Energia Renovável pelo fato de poupar do corte 5,9 mil árvores, em 2022. Os agricultores são estimulados a plantar vinhedos que possam interagir com as matas, sem devastação.
:: Educa Aurora: promoção de educação cooperativista, profissionalização de gestão e formação de novas lideranças entre os associados.
:: Aprendiz Cooperativo: profissionalização de pequenas propriedades, com preparo de filhos dos associados para continuidade na vitivinicultura.