Às vésperas do início da nova safra da uva, representantes do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4) subiram a Serra e falaram sobre práticas trabalhistas e o episódio de trabalho análogo à escravidão, em Bento Gonçalves, nesta terça-feira (12). Os desembargadores Francisco Rossal de Araújo e Ricardo Martins Costa participaram do encontro com colaboradores da Vinícola Aurora, a qual fez o convite para a palestra.
Na ocasião, o desembargador Francisco Rossal de Araújo destacou que o flagrante dos 207 homens em situação análoga à escravidão, no dia 22 de fevereiro, foi um erro de falta de fiscalização das vinícolas que terceirizaram o serviço, do poder público e também do Judiciário. Araújo também reforçou que o caso deve servir de lição para que não haja repetição.
— Bento Gonçalves tem que encarar o problema que aconteceu em Bento Gonçalves. A culpa não era só das terceirizadas, mas isso não é fazer de terra arrasada. Eu não posso destruir a história econômica e abundância de Bento por causa de uma coisa errada, muito errado que contou com a negligência dos olhos fechados de todos, inclusive nós (Judiciário). O enfrentamento dos temas tem que ser feito com coragem e com o método — ressaltou o desembargador.
Na sequência, Costa, que é o atual presidente da Justiça do Trabalho gaúcha, reforçou que, ao ser feito um contrato de terceirização de serviços, uma empresa precisa compreender que sua marca passa a pertencer também para a terceirizada e, com isso, todos passam a depender da responsabilidade trabalhista.
— O episódio aqui ocorrido é fruto de um modelo precarizante, uma terceirização irresponsável, e tem como consequência o que nós vimos. É importante quando as partes pactuam no contrato o respeito aos direitos humanos e, em especial, aos direitos trabalhistas. Ouvindo o que ouvi aqui, mostrou que é muito bom que toda essa situação gerou ações que respeitam e resguardam as condutas respeitosas aos direitos humanos — comentou o presidente do TRT4.
Apresentação da Aurora
Antes da fala dos desembargadores, a administração da vinícola apresentou as mudanças feitas, desde março, para melhorar os processos de contratação trabalhista - alterando, por exemplo, de contratação terceirizada para direta, com carteira assinada - e o fim do uso de alojamentos terceirizados, como pousadas e hotéis. Ao todo, mais de 450 produtores adaptaram dormitórios, ao longo do ano, para receber os safristas. Confira as principais mudanças:
- Mecanização: nos próximos três anos, deve ser mecanizado todo o carregamento e descarregamento dos 70 milhões de quilos de uvas colhidos pela Aurora. As frutas serão colhidas por safristas no pé e colocadas em grandes caixas (os bins) com capacidade para 500 quilos, transportadas por empilhadeiras, ainda no parreiral. Hoje, 78% dos cooperados já usam esse sistema. Até pouco tempo atrás as caixas eram de 20 quilos e carregadas manualmente. “A mecanização não elimina o trabalho dos safristas, mas facilita bastante”, resume o presidente da cooperativa Aurora, Renê Tonello.
- Financiamento da automação: para incentivar a substituição do descarrego manual pelo mecânico, a Aurora busca financiamento de equipamentos para os associados. Os juros são similares aos do Pronaf, em torno de 5% ao ano com prazos de pagamento que chegam a 36 meses. Cada bin custa em torno R$ 1,3 mil e a torre (carrinho) acoplado ao trator, R$ 30 mil (cada um serve para uma propriedade inteira e dura décadas, calcula Tonello). Na própria sede da empresa, a adoção de bins retirou um terço do esforço necessário para descarregar uvas, relata.
- Boas Práticas Agrícolas (BPA): foram feitas orientações, capacitações e inspeções nas propriedades dos 1,1 mil associados, distribuídos em 11 municípios serranos. Todos estão orientados a adotar boas práticas recomendadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foram contratados escritórios especializados no assunto, ressalta Felipe Bremm, responsável pela rubrica “Boas Práticas” na Aurora.
- Carteira de Trabalho para safristas: todos os safristas terão carteira de trabalho assinada, ainda que na modalidade de serviço intermitente (temporário). Nem sempre foi assim, admitem os cooperativados, até porque muitos trabalhadores não gostam de ter descontados os benefícios sociais no salário. O pagamento é proporcional aos dias trabalhados.
- Escritórios de assessoria contábil: a Aurora tem indicado aos cooperativados escritórios que providenciam os trâmites burocráticos para contratação dos safristas. Isso evita complicações previdenciárias e trabalhistas.
- Alojamento na área rural: a Aurora garante que os safristas vindos de fora da Serra ficarão hospedados nas propriedades rurais. Para isso estão sendo construídos ou adaptados 450 alojamentos em toda a região. Banheiros químicos também estão sendo colocados em alguns pontos das lavouras. A tentativa é evitar que os trabalhadores sejam amontoados em pousadas insalubres, como o constatado no início deste ano pelos fiscais do Ministério do Trabalho. Já safristas da região ficarão em suas próprias casas ou em alugadas.
- Compliance (programa de adequação a leis e regras): consultoria da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) realiza um diagnóstico das relações entre associados e terceirizados. Ideia é melhorar as relações.
- ESG ( práticas ambientais, sociais e de governança ): um escritório de advocacia articula programas de governança social e meio ambiente, para melhoria de cuidados nas propriedades. A cooperativa conseguiu Certificado de Energia Renovável pelo fato de poupar do corte 5,9 mil árvores, em 2022. Os agricultores são estimulados a plantar vinhedos que possam interagir com as matas, sem devastação.
- Educa Aurora: promoção de educação cooperativista, profissionalização de gestão e formação de novas lideranças entre os associados.
- Aprendiz Cooperativo: profissionalização de pequenas propriedades, com preparo de filhos dos associados para continuidade na vitivinicultura.