Entre 15 e 20 minutos. Este é o tempo médio que os motoristas aguardam até a liberação do trânsito na altura do km 181 da BR-116, em Nova Petrópolis, na Serra. A principal ligação de Caxias do Sul com a Região das Hortênsias está com restrições na circulação de veículos desde junho, quando um deslizamento de pedras provocado após a passagem de um ciclone no Rio Grande do Sul deixou o local instável e em meia pista. E é com os carros parados na rodovia que vendedores ambulantes aproveitam para lucrar.
É o caso de Evandro Portela, 21 anos, que veio de Porto Alegre e vende pen drives e mandolates no sentido Nova Petrópolis-Caxias. Ele trabalhava neste sábado (12) junto com outros quatro colegas, que se revezavam nos dois sentidos da via. Portela desempenha a função há pelo menos seis anos e viu na venda na estrada uma oportunidade de renda.
Apesar de morar na Capital, ele percorre cidades gaúchas vendendo o acessório e os doces. Ele não quis comentar quanto chega a lucrar no local, mas é o suficiente para manter o negócio.
— Não é muito simples, vender assim depende muito do dia. Motoristas que são de fora daqui compram mais do que quem mora na cidade — conta.
Os pen drives vêm com mais de 3 mil músicas e variam de R$ 8 a R$ 30. É quase o mesmo valor do mandolate: um pacote com seis unidades custa R$ 10 e se o cliente levar três pacotes consegue desconto e desembolsa R$ 25. Dependendo do dia, a cada parada, chega a se formar uma fila de 40 a 50 veículos em momentos de maior pico e todos recebem a oferta do vendedor.
— É o nosso trabalho. Se aqui não está muito bom, vamos para a cidade — afirma Portela.
Além da venda, há quem aproveite a restrição na circulação da rodovia para pedir ajuda. Claudia Regina, 43 anos, vendia uma rifa neste sábado para arrecadar recursos para auxiliar no tratamento da filha de uma amiga, diagnosticada com paralisia cerebral. Ela veio de Parobé, no Vale do Paranhana.
— Estamos pedindo ajuda em todos os lugares. Aqui acaba se tornando um local que a gente consegue atingir mais pessoas — justifica ela.
A luta é árdua: em média, a cada 50 motoristas abordados na fila de carros, um acaba comprando a rifa, vendida a R$ 10 e que premiará os vencedores com uma torradeira, um ferro de passar e um faqueiro.
Entre os motoristas, não há reclamações sobre as vendas e pedidos. Quem mora em Nova Petrópolis e Caxias do Sul, por exemplo, está acostumado a ficar um período com o carro parado no trecho e a procurar passatempos.
— Sabia que poderia ficar parada, mas precisava encarar. Eu também poderia ter tido sorte e chegar aqui em um momento de liberação, mas faz parte — conta Michele Trindade, 31 anos, moradora de Nova Petrópolis.
Para os turistas, é também um tempo a mais para planejar a viagem. O casal Thiago Carvalho e Vanessa Dancker, 33 anos, vieram de Blumenau (SC) para passar as férias na Serra.
— Me avisaram que o trecho aqui estava bloqueado, mais lento, mas não estamos com pressa — conta ele, que estava na condução do automóvel.
O trecho em meia pista funciona no sistema siga e pare, das 7h até 17h30min. Veículos de carga pesada devem se deslocar da Serra para a Região das Hortênsias pela RS-020, em São Francisco de Paula.
Vendas e pedidos de ajuda ocorrem no mesmo espaço ocupado pelos profissionais responsáveis por liberar e bloquear o trânsito a cada 15 ou 20 minutos. Tarefa para o auxiliar de serviços gerais Lucas Nunes Soares, 25 anos, que mora em Lages (SC) e ficará trabalhando na Serra até o fim de agosto. Ele é contratado por uma empresa terceirizada responsável pela sinalização no trecho da rodovia federal.
Soares trabalha na BR-116 entre 7h e 17h30min, que é o horário de trânsito liberado. Depois, ajuda a bloquear totalmente a rodovia. Ele contou estar acostumado com motoristas impacientes, que reclamam de não poder usar a rodovia à noite e de que o horário do sistema siga e pare está longo.
Segundo Soares, o operador é orientado a permitir que todos os veículos que estavam aguardando na fila consigam passar pelo trecho em meia pista — evitando que um mesmo automóvel fique parado duas vezes, por exemplo. O último veículo recebe um bastão, que deverá ser entregue ao próximo operador, comunicando que não há mais carros no trecho. Os profissionais usam rádio, mas o sinal na região é bastante instável.
— Tem uma placa bem grande ali: obedeça ao operador. E o operador sou eu. Então, querendo ou não, precisa obedecer. Se eu largar aqui e der um acidente, quem vai responder é a gente. E a gente está fazendo isso não por chatice nossa, mas pela segurança de quem usar a rodovia — explica.
Dnit admite ampliar o horário
Ao Pioneiro, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou que a previsão é de ampliar o horário do sistema siga e pare no km 181 da BR-116 ainda neste mês de agosto. A empresa responsável pela obra de contenção no trecho tem expectativa de iniciar a implantação da sinalização para a ampliação da operação nos próximos dias, dependendo das condições do clima.
A autarquia disse ainda que analisa qual será o horário de ampliação do siga e pare e a data de início. Antes da execução da obra de contenção (que dará mais segurança ao local), será feita uma reanálise técnica da estrutura, onde houve a queda de barreira devido às chuvas que afetaram a região nos últimos meses.
Desvio tem longo trecho em estrada de chão
Para quem precisa se deslocar entre Caxias e Nova Petrópolis das 17h30min às 7h ou quer evitar ficar parado na rodovia, um desvio é um alternativa para os motoristas. É a Linha Temerária, uma via rural em Nova Petrópolis, com 17 quilômetros.
Quem sai de Caxias em direção ao município encontra sete quilômetros de estrada pavimentada, com asfalto conservado e sinalização em dia. Depois, ao passar por uma ponte, é necessário seguir viagem por mais 10 quilômetros em uma estrada de chão. Há trechos com buracos, pedras e outros pontos menos danificados, mas igualmente sem infraestrutura. O trânsito de caminhões não é permitido por se tratar de uma via rural.
O local conta com plantações de uvas, uma escola e diversas casas. Uma delas é a da aposentada Eronice Knaak, 58 anos, que mora há meio século na residência, datada de 1919, e que fica nas margens da estrada.
Acostumada com a calmaria de uma via utilizada apenas pelos moradores antes do bloqueio na BR-116, agora ela observa intensa circulação no horário que a rodovia está totalmente bloqueada.
— De tarde e de noite, o movimento é muito grande. Bastante barulho de carro, de ônibus. Tem sido assim todos os dias — conta.