Memórias da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, por meio da Força Expedicionária do Brasil (FEB), que completa 80 anos nesta quarta-feira (9), têm lugar de preservação em Caxias do Sul. O Museu dos Ex-Combatentes reúne objetos pessoais e também armas e equipamentos do 9º Batalhão de Caçadores das Forças Armadas, grupo que reuniu os jovens da região que foram enviados para o conflito na Itália, no final de 1944. O museu foi criado pelos próprios pracinhas, em 1976, após três décadas de luta pelo reconhecimento dos feitos realizados em nome do país.
O espaço, que fica na Rua Visconde de Pelotas, nº 249, vai sediar uma programação especial que marca o aniversário da FEB, em um momento que também é de retomada das atividades de preservação iniciadas pelos pracinhas, e que ganham continuidade através de seus descendentes.
Após um hiato por conta da pandemia, familiares dos ex-combatentes — em sua maioria, já falecidos — , pretendem retomar os tradicionais encontros da primeira quarta-feira do mês, no espaço de convivência no subsolo do museu, denominado "Casamata do Pracinha". Uma movimentação que a diretoria do museu considera importante para a preservação e disseminação da história que o local armazena.
— Nosso público mais forte hoje são as escolas e queremos aumentar as visitas de outros públicos. Essa reconstituição da associação é importante não apenas para os familiares, mas também para a comunidade porque se um museu não tem pesquisa, trabalhos com a educação, se torna apenas um depósito de objetos que remetem a outro tempo. É preciso criar um diálogo com a comunidade para que ela se perceba ali dentro e tenha interesse até mesmo em colaborar — afirma o diretor Itamar Ferretto Comarú.
Segundo ele, o Museu dos Ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira na II Guerra Mundial, que hoje é administrado pela prefeitura de Caxias do Sul, é um dos poucos espaços do país que ainda preservam a memória dos ex-combatentes. O local tem entrada franca com funcionamento de terça-feira a domingo, das 10h às 16h.
Reconhecimento perpetuado
Dos 121 soldados e 12 civis voluntários de Caxias do Sul e da região nordeste do Rio Grande do Sul, integrantes do contingente de 25 mil homens e mulheres enviados para a guerra, pelo menos 31 placas de identificação estão no museu, sendo este um dos itens que mais chamam a atenção dos visitantes. Outros objetos como maços de cigarro, alimentos enlatados, cantis e marmitas que foram levados às batalhas também emocionam as filhas que cresceram sabendo da dor e do orgulho de seus pais, e que também sofreram as consequências da falta de reconhecimento aos veteranos por parte do Ministério da Defesa, algo que só ocorreu décadas mais tarde.
Não receberam nada e ainda ficaram estigmatizados como "loucos de guerra"
ANA MARIA BUSELLATO, 72
Filha de Melsi Busellato, ex-combatente natural de Antônio Prado que faleceu em 2010, aos 90 anos
— Quando eles retornaram, foram recebidos nas praças como heróis, mas passado isso, não receberam mais nada e ainda ficaram estigmatizados como "loucos de guerra", não conseguiam emprego em lugar nenhum, e a gente também sofreu com isso. Somente depois, quando os filhos começaram a ir para as universidades e ter outros contatos, eles começaram a se reunir e buscar essa reintegração às Forças Armadas. Hoje, eles são tenentes, mas é algo que devia ter ocorrido assim que voltaram — relata Ana Maria Busellato, 72, filha de Melsi Busellato, ex-combatente natural de Antônio Prado que faleceu em 2010, aos 90 anos.
Dos objetos expostos no museu, ela destaca a boina e a braçadeira da FEB, estampadas com a imagem de uma cobra fumando, símbolo que foi adotado como forma de provocação aos que diziam que “era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na Guerra”.
— Era o que mais dava orgulho para eles, se tornavam heróis naquele momento —recorda Ana Maria.
Para ela, sua irmã Angela e também para filhas de outros ex-combatentes que integram o grupo de trabalho, a preservação das memórias que tanto as inspiram virou missão e as feridas, ainda abertas, vão sendo aos poucos cicatrizadas.
— A gente lutou muito pra ser alguma coisa na vida porque queria ser como nossos pais. Eu me emociono muito quando entro aqui, lembro das brigas, lembro de tudo. (A guerra) afetou a personalidade dele e a nossa. Sofremos muito e ainda estamos sofrendo. A gente gosta de vir aqui pra se encontrar com as gurias porque todas têm história pra contar, a gente se emociona e isso aqui é muito importante pra nós — comenta Idalina Maria Dal Bó, 70, filha de Angelo Dal Bó, ex-combatente de Flores da Cunha que faleceu aos 80 anos no início dos anos 2000.
Aos 102 anos, Antônio Delfes Teixeira, que mora em Vacaria, é o último ex-combatente da região ainda vivo. Uma homenagem exclusiva a ele está sendo preparada, ainda sem data confirmada para ocorrer. A sugestão foi do empresário Marcos Menegola, 35, de Flores da Cunha, neto de Mario Claudino Menegola, ex-combatente que faleceu ainda em 1991, com 71 anos. Marcos visitou Teixeira na semana passada e está envolvido com a rearticulação da associação, que também se mobiliza para modernizar o museu.
— O meu objetivo, enquanto neto, é manter a história viva e, acima de tudo, transpor isso pra próxima geração. Estamos elaborando um planejamento para visitações de escolas, para despertar a curiosidade dos jovens, de forma simples, e também vamos estruturar uma plataforma digital para para consulta ao acervo — afirma.
Celebração
A celebração aos 80 anos da FEB em Caxias do Sul é realizada pela prefeitura em parceria com o gabinete do vereador Alexandre Bortoluz, a Liga da Defesa Nacional, o 3º Grupo de Artilharia Antiaérea (3º GAAAe) e o Colégio Tiradentes da Brigada Militar. Confira as atividades abaixo:
Programação
8h - Abertura do evento com hasteamento da bandeira nacional seguido por café da manhã.
10h - Sessão do filme “A Estrada 47", baseado em fatos reais, sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A produção será exibida será no GNC Cinemas, do Shopping Villagio Caxias, com entrada franca e inscrições antecipadas pelo e-mail abortoluz@camaracaxias.rs.gov.br.
14h30min - Palestra A Participação Brasileira na Segunda Guerra Mundial - FEB a "Cobra Fumou”, ministrada pelo coronel de Infantaria Luiz Ernani Caminha Giorgis.
16h30min - Outorga de Medalhas da Vitória Interaliada concedida pela Liga da Defesa Nacional para colaboradores do projeto dos 80 anos da FEB. Também será outorgada a Medalha do Bicentenário da Independência do Brasil, para o coronel Luiz Ernani Caminha Giorgis, que é integrante da Academia de História Militar Terrestre do Brasil.
17h - Encerramento.
:: Até segunda-feira (14), a exposição “Força Expedicionária Brasileira - 80 anos: a cobra fumou”, que reúne documentos textuais e icnográficos sobre a participação dos soldados na Segunda Guerra Mundial, pode ser conferida no Shopping Villagio Caxias.