O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta sexta-feira (21) decretos que tornam mais rígido o controle de armas no país. Em evento no Palácio do Planalto, o presidente lançou uma série de atos sobre o tema, reduzindo o limite de armas a que podem ter acesso os caçadores, atiradores esportivos e colecionadores (CACs), além de implementar níveis de controle. O decreto assinado pelo presidente prevê uma migração progressiva do controle de armas dos CACs do Comando do Exército para a Polícia Federal (PF).
A flexibilização do acesso a armas foi uma das principais medidas tomadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O número de armas registradas por CACs de 2018 até julho deste ano teve aumento exponencial. Desde a transição já era sabido que o novo governo editaria medidas para dificultar novamente o acesso a armas.
Com a nova regra, os clubes de tiro não podem mais funcionar 24 horas. Agora, a regra prevê que esses estabelecimentos funcionem apenas entre 6h e 22h. Proprietário de um clube de tiro em Caxias do Sul, Ivanir Gasparin acredita que a nova medida não deve impactar os estabelecimentos caxienses, tendo em vista que, pelo conhecimento de Gasparin, nenhum clube funciona por 24 horas e há apenas um com essa dinâmica no Estado.
Um ponto criticado pelo empresário é quanto à distância de escolas. Esses locais devem estar a pelo menos um quilômetro de instituições de ensino públicas ou privadas.
— Qual o objetivo disso? Eu não estou entendendo, porque fechariam, praticamente, no Brasil, de 80% a 90% dos clubes, pois na maioria das cidades, pequenas ou grandes, você sempre estará perto. Mas nunca aconteceu de uma criança entrar no clube, que é totalmente fechado e, hoje, fiscalizado pelo Exército — opina Gasparin.
Os clubes de tiro terão que cumprir condições para armazenar munição e armas. Aqueles estabelecimentos que não atendam aos novos parâmetros terão até 18 meses para se adequar. Na avaliação de Gasparin, o atual modelo de controle sobre o associado é o ideal.
— O que é um clube de tiro? Nada mais do que uma construção. Porque para você ter arma em casa, você era obrigado a ter participação nos clubes — destaca o proprietário.
Conforme Gasparin, atualmente, para liberação de funcionamento, a fiscalização é de responsabilidade de militares do Exército de outras cidades, para evitar possíveis envolvimentos. O empresário, que também já foi presidente reeleito da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) Caxias, ressalta que o município não tem fábrica de armas, mas é o maior fornecedor de peças de produtos bélicos do Brasil.
Controle com a PF
Antes, era responsabilidade do Exército a normatização e fiscalização de CACs e clubes de tiro. Agora, o registro, fiscalização e definição de normas passam a ser da Polícia Federal. Esse foi um dos principais impasses na reformulação das regras. Até quinta-feira (20), o governo não havia batido o martelo sobre a medida. A decisão foi tomada pelo presidente Lula após reunião com Flávio Dino, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
A migração de responsabilidades ocorrerá a partir de um termo de cooperação entre a Defesa e o Ministério da Justiça. A Polícia Federal de Caxias do Sul e do Estado ainda não tem nenhum pronunciamento sobre a nova responsabilidade.
Impacto na criminalidade
Na visão do comandante do Comando Regional de Polícia Ostensiva da Serra (CRPO/Serra), Márcio José Rosa da Luz, uma afirmação que a diminuição da circulação de armas e munições poderia impactar na criminalidade ainda não pode ser feita, pois o comparativo só será possível com o novo decreto entrando em vigência.
— Acredito que não (terá impacto), considerando que as armas utilizadas pelos criminosos não são, na sua maioria, provenientes do comércio regular.
O que muda
Redução da quantidade de armas e munições acessíveis para civis
Defesa pessoal
Como era:
- Até quatro armas de uso permitido, sem necessidade de comprovação da efetiva necessidade, com possibilidade de ampliação do limite;
- Até 200 munições por arma, por ano (chegou a 600 munições).
Como fica:
- Até duas armas de uso permitido, com comprovação de efetiva necessidade;
- Até 50 munições por arma, por ano.
Caçadores, atiradores e colecionadores
Como era:
Caçadores
- Até 30 armas, sendo 15 de uso restrito;
- Até 1 mil munições por arma de uso restrito, por ano (15 mil/ano);
- Até 5 mil munições por arma de uso permitido, por ano (75 mil/ano).
Colecionadores
- Até cinco armas de cada modelo;
- Vedadas as proibidas, automáticas, não-portáteis ou portáteis semiautomáticas cuja data de projeto do modelo original tenha menos de 30 anos.
Atiradores desportivos
- Até 60 armas, sendo 30 de uso restrito;
- Até 1 mil munições por arma de uso restrito, por ano (30 mil/ano);
- Até 5 mil munições por arma de uso permitido, por ano (150 mil/ano);
- Até 20 quilos de pólvora.
Como fica:
Caçadores excepcionais
- Até seis armas*;
- Até 500 munições, por arma, por ano;
- Necessidade de autorização do Ibama.
*A Polícia Federal e o Comando do Exército poderão autorizar, em caráter excepcional, a aquisição de até 2 armas de fogo de uso restrito e suas respectivas munições.
Colecionadores
- Até 1 arma de cada modelo, tipo, marca, variante, calibre e procedência;
- Vedadas as automáticas e as longas semiautomáticas de calibre de uso restrito cujo 1º lote de fabricação tenha menos de 70 anos.
Atiradores desportivos — retomada dos níveis
Atirador Nível 1 — Definição:
- Oito treinamentos ou competições em clube de tiro, em eventos distintos, a cada 12 meses.
- Até 4 armas de fogo de uso permitido;
- Até 4 mil cartuchos, por ano;
- Até 8 mil cartuchos .22 LR ou SHORT, por ano.
Atirador Nível 2 — Definição:
- 12 treinamentos em clube de tiro e quatro competições, das quais duas de âmbito estadual, regional ou nacional, a cada 12 meses.
- Até oito armas de fogo de uso permitido;
- Até 10 mil cartuchos, por ano;
- Até 16 mil cartuchos, por ano .22 LR ou SHORT.
Atirador Nível 3 — Definição:
- 20 treinamentos em clube de tiro e seis competições, das quais duas de âmbito nacional ou internacional, no período de 12 meses;
- Até 16 armas de fogo, sendo 12 de uso permitido e até quatro de uso restrito*;
- Até 20 mil cartuchos, por ano;
- Até 32 mil cartuchos por ano .22 LR ou SHORT.
*A Polícia Federal e o Comando do Exército poderão autorizar, em caráter excepcional, a aquisição de até quatro armas de fogo de uso restrito e suas respectivas munições, no limite de até 6 mil cartuchos, por ano, para atiradores de nível 3.
Retomada da distinção entre as armas de uso dos órgãos de segurança e as armas acessíveis aos cidadãos comuns + Programa de recompra
Definição de armas de uso permitido e restrito
Como era:
- Armas que antes eram de uso restrito às forças de segurança, incluindo as pistolas 9mm, .40 e .45 ACP, passaram a ser acessíveis ao cidadão comum;
- Impacto na revisão de pena de condenados por posse/porte de armas de uso anteriormente restrito e que passaram a ser de uso permitido.
Como fica:
- Retomada dos parâmetros de 2018 para limites de armas curtas. Pistolas 9mm, .40 e .45 ACP voltam a ser de uso restrito;
- Armas longas de alma lisa semiautomáticas passam a ser restritas.
Importante:
- Serão garantidas a posse e a possibilidade de utilização dos acervos adquiridos sob a regra anterior, atendidos os critérios da concessão do registro e do apostilamento da atividade;
- Previsão de programa de recompra com foco nas armas que eram de uso permitido e passarão a ser de uso restrito (segundo semestre de 2023).
Fim do porte de trânsito municiado para Caçadores, Atiradores e Colecionadores
Como era:
- Garantia do porte de trânsito de uma arma de porte municiada, apostilada ao acervo de armas de caçador ou atirador desportivo, para defesa de seu acervo no trajeto entre o local de guarda autorizado e o da prática da atividade.
Como fica:
- Emissão da guia de tráfego, aos colecionadores, aos atiradores, aos caçadores e aos representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional para transitar com armas de fogo registradas em seus respectivos acervos, devidamente desmuniciadas, em trajeto preestabelecido, por período pré-determinado, e de acordo com a finalidade declarada no correspondente registro.
Restrições às entidades de tiro desportivo
Como era:
- Ausência de critérios expressos de restrição quanto à localização de entidades de clube desportivo ou funcionamento 24 horas;
- Leis municipais de zoneamento urbano não necessariamente abarcam essa problemática;
- Aumento do número de clubes de tiro e do trânsito de pessoas com arsenais nas cidades passam a suscitar preocupação sobre os impactos do funcionamento desta atividade, sobretudo nas proximidades de escolas (que, em muitos casos, também são locais de votação em período eleitoral).
Como fica:
Ficam incluídos os seguintes requisitos de segurança pública na análise para concessão de registro às entidades de tiro desportivo e às empresas de serviço de instrução de tiro:
- distância superior a um quilômetro em relação a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados;
- cumprimento das condições de uso e armazenagem das armas de fogo utilizadas no estabelecimento;
- funcionamento entre 6h e 22h (proibição dos clubes de tiro 24h). Os estabelecimentos em desconformidade com os itens I e II terão um prazo de 18 meses para adequação.
Reforço do caráter excepcional da caça — abate de fauna exógena
Como era:
- A despeito do aumento do número dos caçadores, o número de cidades com abate de javali, espécie autorizada para manejo, saltou de 698 (2017) para 2010 (2022);
- Instrumentalização do abate de fauna exógena para a prática de caça esportiva, proibida no país — fiscalizações realizadas indicam soltura intencional do javali para viabilizar caça.
Como fica:
Caça excepcional. Autorização de abate imprescindível de fauna invasora mediante apresentação de:
- documento comprobatório da necessidade do abate de fauna invasora, expedido pelo Ibama, indicando, ao menos (i) a espécie exógena; (ii) o perímetro abrangido; (iii) a autorização dos proprietários de imóveis localizados no perímetro referido na alínea b; (iv) as pessoas físicas interessadas em executar a caça excepcional; e (v) o prazo certo para o encerramento da atividade;
- especificação da arma de fogo apropriada para o abate da espécie invasora e do quantitativo de munição necessária à execução do manejo, limitada a duas armas de fogo de uso permitido e seiscentas munições.
Redução da validade dos registros de armas de fogo
Como era:
- 10 anos.
Como fica:
- Três anos para colecionador, atirador desportivo e caçador excepcional;
- Cinco anos para registro concedido para fins de posse e caça de subsistência;
- Cinco anos para as empresas de segurança privada;
- Indeterminado para os integrantes da ativa da PF, PRF, policiais penais, polícias civis, polícias da Câmara e Senado, das guardas municipais, da ABIN, guardas prisionais, do quadro efetivo do Poder Judiciário e Ministério Público no exercício de funções de segurança, dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, dos auditores fiscais e analistas tributários.
Importante:
As empresas de segurança privada e as instituições elencadas no quarto ponto deverão realizar a avaliação psicológica de seus integrantes para o manuseio de arma de fogo a cada três anos.
Migração progressiva das competências referentes às atividades de caráter civil envolvendo armas e munições para a Polícia Federal
Como era:
- Comando do Exército exerce as competências associadas a definição, normatização e fiscalização das atividades (i) de caça, tiro desportivo, colecionamento desportivos, colecionadores e (ii) das entidades de tiro desportivo.
Como fica:
- Polícia Federal passa a exercer competências das atividades de caráter civil envolvendo armas e munições, incluindo a definição, padronização, sistematização, normatização e fiscalização de atividades e procedimentos, mediante acordo de cooperação entre Ministério da Justiça e Segurança Pública e Ministério da Defesa.