São duas feiras com públicos e perfis diferentes, mas com um ponto em comum: a mesma idade. Feira Ecológica de Caxias do Sul e Ponto de Safra nasceram com uma semana de diferença e completam 25 anos neste mês. A primeira foi em 9 de maio e a segunda, no dia 16. Para comemorar as duas décadas e meia da Feira Ecológica, tem festa neste sábado (20), na Praça das Feiras. A cerimônia, às 8h30min, irá contar com bênção do frei Jaime Bettega e degustação de bergamotas, uma amostra da colheita da produção ecológica das famílias do Vale do Caí.
A Feira Ecológica, na verdade, já tinha feito um teste por dois meses, em 1997, e foi apenas oficializada no ano seguinte. O sucesso da experiência animou os feirantes que resolveram torná-la permanente. Já o Ponto de Safra, que recebeu como primeiro nome Ponto de Colheita, surgiu para a venda do excedente da produção.
— A gente procurou determinar um valor e uma quantidade. Hoje, é conhecida como a feira da sacolinha. Queríamos que fosse algo de proveitoso para o público consumidor — conta Fernando Vissirini Lahm dos Reis, técnico da Secretaria da Agricultura que participou da implantação do Ponto de Safra.
— Comecei em 2000 (dois anos após a formalização da Feira Ecológica), quando criamos a cooperativa em Bom Princípio. Começamos com uma kombi e agora estamos com um caminhão fazendo a feira. Foi evoluindo — relembra o produtor Gerson Peter.
De fato, as duas feiras evoluíram. Ambas se consolidaram e mudaram o cenário e o comportamento dos consumidores caxienses. A de produtos orgânicos hoje tem 23 bancas de agricultores de Antônio Prado, Bom Princípio, Caxias do Sul, Farroupilha, Feliz, Flores da Cunha, Ipê, Nova Petrópolis, Nova Roma do Sul, Montenegro e Morrinhos do Sul e dois espaços: na Praça da Feiras e na Rua Santos Dumont, próximo ao Emílio Meyer (esta com apenas uma banca de Bom Princípio).
O Ponto de Safra, que teve a primeira edição na Rua Dr. Montaury, entre a Avenida Júlio de Castilhos e a Pinheiro Machado, em um espaço com não mais de 20 metros e oferta de maçã, a fruta da época, está espalhado pela cidade, com quatro feiras: na Praça Dante Alighieri, na Praça da Bandeira, na Rua Treze de Maio e na Zona Norte. Neste ano, de janeiro a abril, 1.203.429 sacolas foram vendidas.
Formato diferenciado e apelo popular
Entre as dezenas de feirantes do Ponto de Safra está André Rota. O produtor rural de Vila Cristina tem 52 anos e participa desde o princípio, ou seja, tem dedicado praticamente metade de sua vida ao Ponto. As primeiras vendas foram de bergamotas, fruta da estação na época. Atualmente, comercializa também uva, pêssego e caqui.
— Vendemos direto para o consumidor e recebemos na hora, não tem atravessador. O cliente vê e compra. É mais vantajoso, porque recebo direto, e agora temos pix. Para os jovens é um incentivo a continuar plantando — diz.
O contato direto com os consumidores é um ponto positivo destacado também por Fernando Vissirini Lahm dos Reis, porque o pagamento é à vista. Quando o produtor vende para redes de supermercados, por exemplo, entrega o alimento e depois passa para receber pelo que foi comercializado. Além disso, o formato — uma sacola com uma quantidade x por um valor único — e a localização ajudaram a popularizar a feira.
— O que mais me marcou nestes 25 anos foi a intenção de atendimento ao público. O primeiro ponto era perto de parada de ônibus. O objetivo era atender as pessoas que vêm do bairro para o Centro — destaca Reis.
Desde fevereiro, o Ponto de Safra está também na Zona Norte, numa ação de descentralização da feira. O novo ponto fica no bairro Belo Horizonte.
— O fato de ser popular não quer dizer que o produto não deve ter qualidade — acrescenta Reis.
O preço — R$ 3 a sacola com peso estipulado conforme cotação da Ceasa da semana — é um dos principais motivos que leva os consumidores à feira, caso de Liliane Santos, 53. Empregada doméstica, ela aproveita a sexta-feira para fazer as compras da família onde trabalha e as dela também.
— Vale a pena, é tudo fresquinho e o preço é bom — elogia Liliane, frequentadora do Ponto de Safra há 10 anos.
De fora, apenas a banana
O Ponto de Safra tem entre 50 e 60 produtores divididos em 75 associações. Ivanir Moschen é uma das mais recentes: está há três anos no Ponto de Safra comercializando cogumelos e hortifruti orgânicos (porém, ela ainda não tem certificação).
— Antes, eu trabalhava no comércio. Me mudei para o interior, para 5ª Légua, e comecei a plantar — conta Ivanir, que vende também para mercados de bairros.
Todos os produtos vendidos no Ponto de Safra são locais, exceto a banana. A fruta vem de Itati. Toda sexta, Antonio Barzan sai de casa às 2h para estar em Caxias e oferecer sua produção. Já são 16 anos de atuação no Ponto de Safra.
— É bom, sempre tem movimento. Quando a gente começou a plantar, não tinha onde vender, por isso viemos para cá — diz.
PONTO DE SAFRA
Curiosidades sobre a primeira edição, em 16 de maio de 1997:
- 1,2 mil pessoas atendidas.
- 5.014 quilos de mação fuji e golden foram vendidos.
- Cada sacola custava R$ 1.
Vendas de janeiro a abril de 2023:
- Praça Dante Alighieri: 549.036 sacolas.
- Moreira César: 461.057 sacolas.
- Treze de Maio: 138.753 sacolas.
- Zona Norte: 54.583 sacolas.
- Total: 1.203.429 sacolas.
Locais:
- Rua Treze de Maio (entre a Sinimbu e a Avenida Júlio de Castilhos): 6h às 16h.
- Praça da Bandeira (na Rua Moreira César entre as ruas Os 18 do Forte e Sinimbu): 6h às 17h.
- Praça Dante Alighieri: 6h às 17h.
- Zona Norte (Rua dos Caminhoneiros, entre as ruas dos Carteiros e Antônio Andrighetti, atrás da Escola Municipal Presidente Tancredo Almeida Neves, no Bairro Belo Horizonte): 7h às 12h.
Espaço para a Feira Ecológica crescer
Se o Ponto de Safra é conhecido como a feira da sacolinha, a Feira Ecológica é conhecida como sendo da ecobag. Com proposta sustentável, a iniciativa, desde o início, incentivou o uso de sacolas de pano e cestas e, recentemente, aboliu de vez o plástico.
— Cerca de 90% dos clientes já traziam a sacola de casa. Alguns feirantes têm para emprestar e, na semana seguinte, o cliente devolve. Não foi difícil implementar, porque já eram conscientes — conta Alexandre Luis Reche, coordenador da Feira Ecológica de Caxias do Sul.
Os clientes, aliás, são fiéis. Grande parte frequenta a feira toda semana, ou na quarta ou no sábado. Há aqueles que estão desde o início. Também tem os novos, que surgem a cada edição, provando o crescimento da feira. Segundo Rech, o aumento pelo interesse está relacionado principalmente à busca por alimentação saudável.
O último levantamento, do ano passado, mostrou que o público era de cerca de 1,5 mil pessoas por sábado. A demanda pelos orgânicos demonstra, conforme Reche, que há espaço para crescer em Caxias. Porém, não há agricultores ecológicos suficiente para atender à procura.
— A gente sente que poderia ser ampliada, mas faltam produtores. O que a gente pede é a criação de políticas públicas para quem quer produzir orgânicos, porque falta incentivo. Se tivesse mais pontos de feira, teria mais opções para os consumidores — destaca, acrescentando que, dos 23 feirantes que participam da Feira Ecológica, apenas sete são de Caxias, ou seja, mais da metade é de fora.
CURIOSIDADES SOBRE A FEIRA ECOLÓGICA
- Para poder comercializar os alimentos da safra na Feira Ecológica, o agricultor precisa ter o certificado da produção orgânica.
- A iniciativa de criação surgiu do interesse entre agricultores e prefeitura. Foi Avelino Rossi, produtor de batata da Linha 40, em Caxias, quem procurou a Secretaria da Agricultura, para propor uma forma de vender a produção orgânica.
- Com os Rossi, estavam no grupo que começou a iniciativa as famílias de Dervi Brancher e Ari Venturin, também de Caxias do Sul, e de José Tondello e Antônio Tondello, de Antônio Prado. Todos continuam vendendo na feira.
- O primeiro endereço foi o Largo da Estação Férrea. Em 2016, mudou-se para a Praça das Feiras.
- Em 25 anos, apenas em um sábado a feira parou. Foi na pandemia de covid-19 que obrigou, por causa de decreto legal, o cancelamento de todas as atividades comerciais em Caxias do Sul.
Clientes e amigos
Uma características das feiras é a proximidade entre feirantes e consumidores. Quem frequenta com regularidade, acaba criando laços de amizade com os produtores. Para os agricultores que vêm de fora, se cria também um sentimento de pertencimento à cidade.
— O que eu acho interessante é a aceitação do público e o convívio. Eu me sinto em casa, me sinto meio caxiense, porque já são 20 anos fazendo a feira. Os clientes são amigos, a gente se dá superbem. É um fator que acho determinante. Eu posso falar para o cliente: esse produto fui eu que plantei — diz Gerson Peter, produtor da Cooperativa Ecomorango, de Bom Princípio, e um dos feirantes da Feira Ecológica.
Francisco Cagliari, 71, é um exemplo das relações de amizades formadas na feira. Um dos primeiros clientes, em 1998, na Estação Férrea, gosta de bater papo e compartilhar informações sobre o processo de produção, afinal, a agricultura sempre esteve na sua história.
— Eu saí da roça, mas a roça não saiu de mim — comenta Cagliari, natural de Fagundes Varela e morador de Caxias há 51 anos.