As mulheres que trabalham na Cooperativa de Reciclagem Paz e Bem, em Caxias do Sul, foram homenageadas neste mês de março pelos alunos do Colégio São José. A ideia surgiu depois de uma visita à reciclagem, como uma forma de valorizar e reconhecer a força, a garra e a contribuição das recicladoras à sociedade. Com um sorriso no rosto, encarando as adversidades de trabalhar em meio ao lixo, as recicladoras esbanjaram bom humor, charme e simpatia quando receberam os alunos na associação. Esse sentimento tocou os alunos, que resolveram retribuir e prestar uma homenagem a elas.
Antes disso, elas foram fotografadas no ambiente de trabalho e, depois, ganharam folga para ir até a escola. Lá, foram recebidas pelo grupo de jovens Amor em Movimento, compartilharam experiências e contaram histórias de vida. Em meio à timidez, algumas mencionaram que não tiveram a oportunidade de aprender a ler e a escrever e que, por isso, incentivaram os jovens a estudar e agarrar as oportunidade de ter acesso ao conhecimento para construírem um futuro melhor.
Uma dessas histórias é a da recicladora Lourdes Terezinha Santos Bonatto. Ela tem 49 anos, é casada e tem duas filhas. Caxiense, mora no bairro Vila Ipê. A recicladora já trabalhou em cafés e restaurantes e, há cinco meses, está na associação. Lourdes se emocionou com a homenagem e contou que nunca havia recebido um "obrigado" em relação à função que exerce.
— O encontro significou gratidão, carinho e amor e ficará para sempre guardado no meu coração. Nunca recebi tanto carinho e respeito. Ninguém enxergava o nosso trabalho. Também mostramos a eles as oportunidades que têm para que valorizem as chances e tudo o que tem de bom na vida deles, a chance de estudar — destacou.
O sentimento de gratidão também tomou conta do coração de Priscila dos Santos Arus, 33. Mãe de três filhos, ela mora no bairro Pioneiro e lembra muito bem a data em que começou a trabalhar na cooperativa: 7 de novembro de 2022. Antes de se tornar recicladora, ela era operadora de caixa.
— A curiosidade me levou a trabalhar com reciclagem. Eu ouvia falar sobre as reciclagens e fiquei curiosa para trabalhar com algo assim. Veio essa oportunidade e aprendi a valorizar. O mais desafiador para mim são as pequenas adversidades do dia a dia — salientou.
Ela ressalta que essa foi a primeira vez que recebeu uma homenagem:
— Fomos muito valorizadas porque, às vezes, quando falamos para algumas pessoas que trabalhamos na reciclagem, as pessoas acham uma coisa nojenta —contou ela.
As duas falaram em nome do grupo, mas também participaram do ensaio fotográfico Ondina Pavelski, 59, Lourdes Paulina da Silva, 53, Egiele dos Santos Lemos, 38, Maria Francisca Trindade Fagundes, 63, Sabrina Selvi Hofman, 19, Isabel Ramos Tobia Ferreira Maciel, 36, Rocheli Longo Ludwig, 25, Maria Patrícia da Silva, 45, Vitória Santos Bonatto, 18, Caroline da Silva dos Santos, 18, Susiele Santos de Brito, 28, Bruna Rafaela Rodrigues, 26, Tania Katlyn Miranda Silva, 20 e Camila Ferreira dos Santos, 29.
Amor em Movimento
A ação vai ao encontro da missão do Grupo de Jovens Amor em Movimento: espalhar compaixão, amor e empatia pelo próximo. Segundo a coordenadora do grupo, a professora Lorita Menegon de Souza, os estudantes voluntários estão sempre atentos às necessidades da sociedade. Ela destaca que eles buscam realizar diversas ações para promover o bem-estar de quem mais precisa.
— Estamos fazendo um trabalho com elas desde o ano passado porque trouxemos para a escola a Ecotenda. Antes disso, nesse ano, eles estiveram na reciclagem. Ao mesmo tempo que se encantaram com o trabalho, também ficaram impactados com o ambiente, pelo cheiro, pela questão do lixo, que não é um espaço que estão acostumados a ver. Mas, especialmente, perceberam que as mulheres trabalhavam com alegria e sem reclamar —afirmou a professora.
Foi aí que conversaram com o coordenador da cooperativa, que sugeriu tirar elas do ambiente do trabalho e promover a homenagem. Cerca de 20 mulheres participaram de uma tarde diferente no Dia da Mulher, em 8 de março. As trabalhadoras foram recebidas com um coquetel e assistiram a uma palestra com o músico e professor Alexandre Battisti. Ele abordou a autoestima, buscando valorizar e contribuir para o resgate do amor próprio das mulheres.
Para o estudante Vinícius Camilo Pinheiro, 17, a homenagem provocou nervosismo porque, como foi criado por mulheres, sentiu a responsabilidade de uma homenagem à altura. Ele e o colega Marco Antônio Machado, 17, ressaltam ainda que essa troca de experiências faz com que os estudantes olhem para outra realidade:
— O colégio é um lugar que, muitas vezes, precisa desse tipo de realidade, porque a gente vive numa redoma. Vivemos em um mundo muito nosso, onde a gente pensa que tudo é desse jeito e esse tipo de momento serve para quebrar essa ideia, essa zona de conforto. Ter contato com mulheres incríveis e muito valorosas, que vivem situações complicadas e fazem um trabalho difícil com um sorriso no rosto todos os dias. Isso é algo que a maioria das pessoas talvez nunca entendam — apontou Vinícius.
Marco Antônio concordou com o colega:
— Apesar de ser um trabalho árduo, elas encaram isso com felicidade. A gente pensou em tentar recompensar um pouquinho as mulheres, que são tão sensíveis e emotivas. Foi incrível porque todos nós ficamos felizes e aprendemos muito com elas, que aproveitam um momento de calma e socialização e tiveram o trabalho delas valorizado — destacou o adolescente.
Exposição fotográfica
As mulheres também foram fotografadas, voluntariamente, pelo fotógrafo Leandro Araújo. As imagens foram expostas na vitrine da loja Magnabosco, na área central da cidade. Araújo ressalta que a experiência foi enriquecedora porque ele conheceu um outro lado dessas mulheres.
— Elas têm vaidade, se cuidam, embora tenham no dia a dia uma realidade muito difícil. No final, tive uma certeza de que todos deveriam ter a chance de conhecer o trabalho delas. Não nos damos conta da importância do trabalho que elas desenvolvem. Essas mulheres, na maioria dos casos, são marginalizadas e sofrem discriminação e estigma — ressaltou o fotógrafo.