A promotora Carmem Lucia Garcia, da Promotoria de Justiça Especializada do Ministério Público (MP), recomendou que a prefeitura de Bento Gonçalves suspenda o alvará de licença para a construção de um empreendimento no Vale dos Vinhedos. A decisão se baseia na autorização emitida pelo Executivo para a construção do Castelos do Vale, que teve o alvará emitido. Ao mesmo tempo, o MP sugeriu que as prefeituras de Bento, Garibaldi e Monte Belo do Sul desenvolvam um plano de gestão conjunto para melhor planejar o desenvolvimento do mais importante roteiro enoturístico do país.
No entendimento da promotora, com base em dois pareceres técnicos elaborados pelo Centro de Apoio Operacional da Ordem Urbanística (CAOUrb) e Questões Fundiárias do MP, há irregularidades na autorização do município para a construção do Castelos do Vale, resort com investimento previsto de R$ 100 milhões. Os pontos questionados são os riscos à paisagem rural do ponto turístico e também violações ao Plano Diretor de Bento Gonçalves. A decisão foi tomada após análise dos projetos encaminhados e anexados ao processo civil que foi instaurado.
— A área em que esse empreendimento quer se instalar fica em uma zona rural, que deve seguir um regramento especial, não sendo permitido instalações típicas de áreas urbanas. No caso, um empreendimento desse porte, como estaria sendo projetado, traria impacto para a região, que é um local de produção de vinhedos. Por isso, foi expedida uma recomendação para que o município anulasse esse alvará e revisasse — explica Carmem.
Ainda de acordo com o processo, o parecer técnico do Caourb constatou que a transformação do uso do solo em urbano, a partir de usos incompatíveis, pode resultar na perda de valores culturais implantados e sedimentados há mais de um século, representativos únicos no Brasil, bem como referência para a produção vitivinícola no país. No despacho, a promotora considerou que a paisagem vitivinícola da região, constituída a partir de valores históricos, culturais e naturais, pode "ruir justamente pela sua atratividade turística, caso não haja o devido controle em termos de planejamento e gestão".
Além do empreendimento citado no processo e alvo da recomendação de suspensão, outros dois estavam previstos para serem instalados na região, mas foram barrados pelo Conselho Distrital de Planejamento do Vale dos Vinhedos.
Esse comitê, formado por integrantes da prefeitura, um especialista técnico e representantes de associações ligadas à região, é responsável por analisar negócios e projetos para a região. As operações não aprovadas são um empreendimento de turismo da Vinícola Salton e o complexo com resort e parque temático de vinho feito pela Bewine.
A recomendação do MP tem caráter de orientação para que o Executivo regularize a situação. Foi aberto um prazo para que o empreendimento se manifeste sobre os apontamentos do despacho da promotora. Na quinta-feira (15), a prefeitura de Bento Gonçalves informou que desenvolverá um Plano de Gestão e Desenvolvimento da Paisagem do Vale dos Vinhedos, contando com a participação dos municípios que integram a região. O anúncio foi feito junto com a decisão do Executivo de solicitar a retirada e arquivamento do projeto que prevê a adequação da Lei 200 de 2018, que instituiu o Plano Diretor Municipal.
Segundo a prefeitura, a decisão, que, também, parte do entendimento da Câmara de Vereadores, permite que a iniciativa seja amplamente discutida entre toda a comunidade, buscando equalizar as demandas e as necessidades do município.
Contrapontos
A reportagem solicitou contraponto aos empreendimentos citados:
Castelos do Vale
A empresa informou que marcou uma reunião presencial, na segunda-feira (26), com a promotora Carmem Lucia, "para sanar as dúvidas de interpretação da legislação".
Vinícola Salton
"O projeto da Família Salton e da Gramado Parks está percorrendo todos os trâmites legais, seguindo rigorosamente todas as exigências técnicas impostas por todos os órgãos públicos regulatórios, bem como mantendo a transparência e constante contato com as associações e comunidade. As empresas aguardam a conclusão dos estudos técnicos para se posicionar e se mantém abertas ao diálogo com conselhos, entidades regulatórias e, também, comunidade local"
Bewine
A reportagem entrou em contato, mas não obteve retorno.