A falta de notícias sobre Cíntia Tedesco, 39 anos, e Gilberto Marini, 47, que desapareceram em Veranópolis no dia 26 de julho, remete outros casos que ficaram sem respostas na Serra. São maridos, pais, irmãos e filhos que sumiram sem qualquer explicação. Sem pistas ou suspeitos, a investigação policial não consegue avançar e os inquéritos são arquivados. Sem um desfecho, os familiares sofrem.
A Polícia Civil orienta que um desaparecimento deve ser registrado o mais rápido possível. Justamente porque o tempo é um fator crucial. É mais fácil refazer os passos de uma pessoa quando os vestígios "estão frescos".
— Essa questão de precisar esperar 24 horas para acionar a polícia é coisa de filme americano. Não existe no Brasil. Pelo contrário, a orientação é que o desaparecimento seja registrado imediatamente e que este familiar repasse para a Polícia Civil o máximo de informações e características desta pessoa desaparecida. Todos detalhes são importantes e quanto mais cedo (os policiais souberem) melhor — comenta professor André de Azevedo Coelho, da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP).
O especialista em Direito Penal explica que um inquérito policial só pode ser arquivado quando foram esgotadas todas as hipóteses, após investigar todos os suspeitos e pistas encontradas. Além da conclusão policial, este relatório da investigação é analisado por um promotor de Justiça e precisa ser homologado por um juiz para ser arquivado.
— Em algum momento, se esgotam as diligências possíveis e a investigação não tem para onde ir. Sem ser constatado um crime ou uma possível autoria, a Polícia Civil faz este relatório para avaliação pelo Ministério Público. Se o promotor fica com alguma dúvida, ele requisitará à polícia novas diligências. Quando não há o que ser feito, é postulado o arquivamento — explica o professor Coelho.
O representante da FMP ressalta que este arquivamento é provisório. A qualquer momento, diante de novas pistas ou informações, esta investigação poderá ser reaberta.
— Em algum momento se esgotam as diligências possíveis. Infelizmente, o arquivamento (de investigações) é bastante comum. A maioria dos homicídios do Brasil terminam com autoria desconhecida. Podemos fazer esta analogia porque, afinal, por muitas vezes são crimes conectados — conclui.
Polícia Civil de Veranópolis se nega a comentar desaparecimento de casal
O desaparecimento de Cíntia Tedesco e Gilberto Marini completou 50 dias nesta quinta-feira (15). Os dois foram vistos pela última vez no dia 26 de julho, em Veranópolis, quando deixaram, a pé, a casa da mãe de Marini, entre 9h e 11h. A partir disso, nenhum contato, relato ou pista de para onde eles possam ter ido ou o que pode ter acontecido. Oficialmente, o caso segue em investigação. Contudo, o delegado Tiago Madalosso Baldin não fala sobre o inquérito.
Quem também relata dificuldades de comunicação com a Delegacia de Veranópolis é a família de Cíntia. Nesta semana, eles contrataram o advogado José Neto para buscar informações. O representante solicitou oficialmente acesso ao inquérito policial e aguarda uma resposta.
— Não sabemos nada. Quando procuro, dizem que não acharam ou que não tem nenhuma novidade. Só me enrolam. Uma cidade pequena, com todas câmeras que têm e não conseguem dizer nada sobre o sumiço da minha filha — desabafa Salete Peruzzo.
O que se sabe sobre os dois desaparecidos é o que foi divulgado pelas famílias. Natural de Veranópolis, Cíntia retornou para sua cidade natal no primeiro semestre deste ano após se separar do ex-marido, com quem morava em Guaporé. Deste relacionamento, Cíntia tem um filho de 13 anos, que mora com o pai, desde o desaparecimento da mãe.
Cíntia se comunicou pela última vez com a mãe, Salete, no dia 23 de julho. Na ocasião, falou que tinha pretendia ir para Florianópolis porque tinha uma proposta de emprego. Os documentos da filha, contudo, foram encontrados em um carro utilizado por ela nos dias anteriores ao sumiço.
Na época do desaparecimento, Thauana Marini relatou que seu tio Gilberto e Cíntia estavam em um recente relacionamento amoroso. Este namoro é negado por Salete, porém ela confirma que a filha morava com Marini.
Na época em que as duas famílias registraram os desaparecimentos, a Polícia Civil de Veranópolis confirmou que Marini cumpria pena em regime aberto por tráfico de drogas. Contudo, não apontou, na época, se esta era uma linha de investigação.
Sumiço de trio em Vacaria é um dos mais maiores mistérios da Serra
Um dos casos mais icônicos na Serra aconteceu em abril de 2018. Um empreiteiro e dois pedreiros, moradores de Caxias do Sul, construíam de uma casa de lazer, no interior de Vacaria, às margens do Rio Pelotas. O único acesso era por uma fazenda. Eles desapareceram sem deixar qualquer vestígio.
O inquérito policial e a análise da Promotoria de Justiça não foram capazes de responder perguntas básicas sobre o caso. Sem encontrar os corpos das vítimas ou sinais de sangue, a investigação não pode nem descartar que os três homens estejam vivos — por mais improvável que pareça após mais de quatro anos do sumiço.
O relato é que o empreiteiro Eleandro Aparecido Rodrigues Moraes, 40, contratou os pedreiros Nelson Jair Soares, 44, e Alexsandro do Amaral Corrêa, 22, e os levou até a localidade de Capela do Caravaggio, a cerca de 60 quilômetros da área urbana de Vacaria. A intenção era passar uma semana trabalhando na casa de lazer à beira do rio, sonho antigo do empreiteiro.
Para acessar a propriedade, era preciso passar pela porteira da Fazenda do Churrasco, pelas três casas da família Perotoni, proprietário do terreno e antigos amigos de Moraes, além de descer dois quilômetros morro abaixo em uma estrada improvisada até o rio. Foi a família Perotoni quem viu o trio pela última vez, no dia 3 de abril de 2018, e avisou a polícia sobre o sumiço, dois dias depois.
Foram 15 dias de buscas pelo Rio Pelotas com mergulhadores, cães farejadores e um helicóptero. Depois, a investigação cumpriu 10 mandados e ouviu 60 pessoas, inclusive oito vizinhos que passaram por detector de mentiras. Os resultados foram inconclusivos. Quebras de sigilo telefônico, mapeamento de ligações e análises financeiras foram feitas. O caso possuía 12 linhas de investigações, mas todas foram refutadas.
Durante a estiagem que baixou em 50 metros a profundidade do Rio Pelotas, novas buscas foram realizadas e, novamente, terminaram sem pistas. O inquérito com mais de 600 páginas terminou sem provas. O processo foi analisado pela juíza Greice Prataviera Grazziotin, da 2ª Vara Criminal de Vacaria, que determinou o arquivamento em 25 de agosto de 2020. Desde lá, o silêncio.
— Não mantenho contato com a polícia. Não tem motivo. Não conseguimos nada. Precisaria de algo novo (para reabrir a investigação). Nunca houve nenhuma resposta. A última informação é aquela, de que estavam trabalhando e desapareceram. Simplesmente, não sabemos nada — relata Milena, esposa do empreiteiro Eleandro.
Após quatro anos e meio, ela evita o assunto com os dois filhos. Ao refletir, admite não ter forças ou rumo, mas que não consegue evitar o desejo de que, um dia, uma resposta apareça.
— Estamos de mãos atadas. Não temos nem o que falar. A esperança é que um dia alguém fale. Em investigação, não acredito. É alguém que saiba apareça e fale algo — desabafa.
Em busca de patrão de piquete, filha fica atenta às notícias
Em novembro, completam nove anos do desaparecimento do tradicionalista Sérgio Antônio da Silva Corrêa, na época com 47 anos, em Caxias do Sul. Metade deste tempo já com o inquérito policial arquivado. Ainda assim, para a família, não é possível esquecer o caso. A filha mais velha, Aline Corrêa, 32, afirma que monitora notícias sobre o encontro de corpos e ossadas não identificadas.
— Pode ser arquivado para eles (órgãos públicos), mas para a família nunca some. Igual agora que uma ossada foi encontrada em São Giácomo. Fizeram o DNA e estamos aguardando. Onde sabemos que tem um corpo não identificado, ficamos monitorando. Nosso DNA já está no cadastro de pessoas desaparecidas, então o IGP (Instituto-Geral de Perícias) testa automaticamente no sistema, comparando com todos os desaparecidos — aponta Aline.
Sobre a investigação, a filha do tradicionalista lembra que não chegou a lugar nenhum. Ela afirma que não procura os policiais há mais de quatro anos.
— Sempre fui eu que fui atrás deles. Nunca me ligaram. A gente mantém esta dúvida, esta esperança (que leva a monitorar o noticiário), mas não que tenha algo deles (investigação). Eles sempre me responderam a mesma coisa: que não tinham provas, que não tinha corpo, que não podiam fazer ou provar nada — relata.
Além de Aline, Corrêa deixou outras duas filhas (que hoje tem 18 e 23 anos) e a esposa. Antes de desaparecer, em novembro de 2014, ele tinha uma rotina. Diariamente, ele levava as duas filhas mais novas para a escola e a esposa para o trabalho. O antigo patrão do piquete de laçadores Potreiro Velho era autônomo e vivia da compra e venda de carros.
Corrêa foi visto pela última vez em novembro de 2014, quando saiu de casa, no bairro Santo Antônio, às 18h, dizendo que iria a Cambará do Sul. Ele não explicou o motivo da viagem aos familiares, mas avisou que voltaria antes das 22h. A família e a Polícia Civil nunca encontraram uma pista do que pode ter acontecido com o tradicionalista, se ele chegou ou não a Cambará.
Dois anos após o sumiço, familiares reconheceram o Vectra verde de Côrrea rodando por Caxias do Sul e acionaram a polícia. O motorista foi detido e prestou depoimento, mas não foi encontrada relação dele com o desaparecimento.
A investigação tentou refazer o histórico de compras e vendas do automóvel, o que levou os policiais até Arroio do Sal, mas não conseguiram chegar à nenhuma informação sobre o desaparecimento. Sem pistas para seguir, a Polícia Civil arquivou o inquérito policial.