O mutirão para abastecer um Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG) é a mais nova esperança para encontrar pessoas desaparecidas. A campanha irá coletar o DNA de familiares das vítimas e oferecer esta ferramenta para facilitar e agilizar investigações. Os registros policiais apontam que, até a manhã desta quinta-feira (27), 48 pessoas estão desaparecidas em Caxias do Sul.
O lançamento da Campanha Nacional de Coleta de DNA de Familiares de Pessoas Desaparecidas aconteceu na última terça-feira (25). A data foi escolhida por ser o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas. Os dados serão reunidos em um banco coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A coleta será realizada entre os dias 14 e 18 de junho em todos os Estados e Distrito Federal. No Rio Grande do Sul, o mutirão será feito pelo Instituto Geral de Perícias (IGP) em 11 municípios. Na Serra, a referência será Caxias do Sul.
De forma totalmente voluntária, a coleta deve ser feita, preferencialmente, por familiares de 1° grau da pessoa desaparecida, seguindo a ordem de preferência: pai e mãe; filhos; irmãos. O DNA do próprio desaparecido também poderá ser extraído de itens de uso pessoal, tais como: escova de dentes, escova de cabelo, aparelho de barbear, aliança, óculos, aparelho ortodôntico, dente de leite, amostra de cordão umbilical. Esses materiais também poderão ser entregues nos pontos de coleta.
As amostras de sangue coletadas serão processadas e os perfis genéticos inseridas no Banco de Perfis Genéticos (BPG/RS) do IGP. Atualmente, o Banco armazena o material genético de 501 corpos e de 312 famílias. O mutirão também pretende popularizar a existência deste banco de dados.
— É uma possibilidade de identificação de indivíduos ainda não utilizada no máximo do seu potencial, e que pode permitir acabar com a angústia de várias famílias que, muitas vezes, passam anos procurando pessoas desaparecidas — salienta a perita criminal Cecília Fricke Matte.
O IGP garante que material coletado será utilizado apenas com o objetivo do banco de perfis, que é a comparação genética para identificação de pessoas. A Polícia Civil também participa da campanha e estará disponível para falar com os familiares, sempre com o objetivo de encontrar novas pistas dos desaparecidos.
Maioria dos casos são desaparecimentos espontâneos, diz Polícia Civil
Dos 48 casos de pessoas desaparecidas que seguem em investigação em Caxias do Sul, o caso mais antigo é de 2018. Outros foram arquivados por falta de pistas. Segundo a Polícia Civil, a maioria dos casos é de gente que abandonou familiares e amigos por espontânea vontade e que, por isso, não desejam ser encontrados, o que dificulta o trabalho policial. O mais novo tem 17 anos e o mais velho 75.
Os casos de desaparecimentos são responsabilidade da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa. Diante da demanda de crimes graves e da defasagem de policiais, o delegado Caio Márcio Fernandes explica que sua equipe faz uma triagem inicial de cada ocorrência.
— Temos atenção maior quando apresenta enfermidade ou distúrbio de personalidade. Se há indícios de crime (homicídio ou rapto) também. Mas a maioria dos casos é de pessoas que arrumam as malas e simplesmente saem de casa. É a livre vontade de se desvincular de uma situação social ou familiar, ou até mesmo de buscar novas perspectivas de vida — relata.
Problemas com bebidas alcoólicas e drogadição fazem parte dos perfis dos desaparecidos em Caxias, mas o delegado relata que, atualmente, não são predominantes. Nesses casos, muitos fogem das clinicas de reabilitação e das famílias, que podem pressioná-los para voltarem ao tratamento. Há também, segundo o delegado, casos de pessoas que somem para fugir de um relacionamento ou para viver com um novo companheiro; e outros que desaparecem por desavenças sociais que a família nem tem conhecimento. É muito comum, de acordo com Fernandes, um sumiço não ter motivação esclarecida.
— Não existe um padrão (nos desaparecidos). São pessoas das mais diferentes idades e características pessoais. Cada uma tem sua história de vida e seus motivos para deixar o seio familiar. Quando encontramos a pessoa, só podemos fazer o registro. Se a pessoa não quiser viver no seio familiar, não temos como forçar — aponta.
A Polícia Civil salienta que uma pessoa desaparecer por livre vontade não é crime.
— A causa pode ter sido um crime, e a estes casos damos prioridade para esclarecer. Pode ser um feminicídio, como resolvemos no final do ano passado (o caso de Maria Dalila Oliveira Moura). O primeiro passo é fazer a triagem. Temos que ter esta percepção para ir mudando a forma de observar os fatos — explica o delegado Fernandes.
A mesma equipe de policiais que investiga os desaparecidos é a responsável por esclarecer assassinatos. Em 2021, Caxias do Sul já registrou 31 homicídios. Pela violência e comoção social, estes casos demandam mais atenção policial:
— É uma demanda muito grande para uma força de trabalho reduzida, temos que canalizar nossos esforços para aquilo que impacta diretamente nos índices criminais. Ficamos mais tranquilos, durante as investigações, quando ouvimos uma testemunha que falou com o desaparecido, que encontrou ele bem, só sem o interesse de voltar. Se não é um caso de desaparecimento contra a própria vontade, recanalizamos os esforços para outros crimes graves.
Polícia Civil não divulga casos para evitar ação de golpistas
Outra dificuldade enfrentada pela investigação em casos de desaparecimentos é a ação dos golpistas. Criminosos aproveitam das informações divulgadas para tentar extorquir os familiares desesperados. Eles afirmam ter conhecimento sobre o ente desaparecido, mas cobram para ajudar.
— Não vislumbramos casos em que a publicação possa ajudar (no esclarecimento). Além disso, infelizmente, temos observado que a publicação de situações de desaparecimento acabam dando ensejo à aplicação de golpes nos familiares. Criminosos buscam dinheiro em troca de supostas informações — lamenta Fernandes.
Sumiço mais antigo é de 2018
O sumiço mais antigo em aberto na Polícia Civil de Caxias do Sul é o de Douglas, 35 anos (a polícia não repassou o seu nome completo). O desaparecimento foi registrado no dia 13 de fevereiro de 2018, quatro dias após ele ter sido visto pela última vez. Ele saiu de casa dizendo que iria assinar um documento no Fórum de Caxias do Sul e nunca mais apareceu, segundo o registro.
Douglas era casado, morava no bairro Monte Carmelo e trabalhava em uma agência de veículos. A Polícia Civil confirmou que ele não tinha envolvimento com bebida ou drogas, nem transtorno mental. Foi a primeira vez que Douglas desapareceu. A única pista é que, dias antes do sumiço, ele havia mencionado uma viagem para Chapecó (SC).
— Foram realizadas quebra de sigilo de dados telefônicos, interceptação telefônica e ouvidas testemunhas, inclusive de outras cidades. Não conseguimos esclarecer a motivação do desaparecimento. Muitas vezes, a pessoa desaparece e o problema não é nem com os familiares, é com outro nicho de relações pessoais — comenta o delegado.
Em março do ano passado, 25 meses após o desaparecimento, Douglas foi visto novamente no bairro Monte Carmelo. A testemunha relatou à Polícia Civil que encontrou o homem encostado em um Chevette verde e conversou com ele. Após este fato, nenhuma outra informação surgiu. A investigação nunca conseguiu contato com ele e o caso segue em aberto.
— Tudo sugere que permanece desaparecido por livre e espontânea vontade, para não manter contato com as pessoas que antes convivia.
Sem pistas, sumiço de tradicionalista foi arquivado em Caxias do Sul
O tempo passa, mas a dor permanece. Há quase sete anos, o tradicionalista Sérgio Antônio da Silva Corrêa, na época com 47 anos, desapareceu deixando esposa e três filhas. Sem pistas, o caso foi arquivado pela Polícia Civil. Para a família, segue a dúvida, se ele ainda está vivo e, por que não, a esperança de reencontrá-lo.
— É difícil. Ainda temos esperança de que ele volte ou de que alguém nos traga algo concreto. Não sei. Só por Deus mesmo. É a angústia, não saber se está vivo ou morto. Não tem como esquecer ou superar. Todo o dia lembro dele e tento pensar sobre o que pode ter acontecido — desabafa a filha Aline Corrêa, 31 anos.
Corrêa desapareceu em novembro de 2014. Ele saiu de casa, no bairro Santo Antônio, às 18h dizendo que iria a Cambará do Sul, mas não explicou o motivo da viagem aos familiares. Apenas avisou que voltaria antes das 22h, do mesmo dia. Uma irmã de Corrêa mora em Cambará, mas ela não havia sido comunicada de uma suposta visita dele.
A família e a Polícia Civil nunca encontraram uma pista sequer do que pode ter acontecido com o antigo patrão do piquete de laçadores Potreiro Velho. Dois anos após o sumiço, o Vectra verde de Côrrea foi abordado rodando em Caxias do Sul. O motorista foi detido e prestou depoimento, mas não foi encontrada relação dele com o desaparecimento.
A investigação tentou refazer o histórico de compras e vendas, o que levou os policiais até Arroio do Sal, mas não conseguiram chegar à nenhuma informação sobre o desaparecimento. Sem pistas para seguir, a Polícia Civil arquivou o inquérito policial, por isso Côrrea não é contabilizado entre os 48 casos divulgados pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, que só considerou casos em investigação.
— Por último, falaram que não tinham mais o que fazer. Que procuraram, mas não tiveram sucesso em achar. Foi arquivado. Infelizmente, só restou entregar nas mãos de Deus. Muitas pessoas nos dizem que ele está morto. Mas, para a família, enquanto não achar nada, ainda mantemos a esperança.
Além de Aline, Corrêa tem outras duas filhas (de 17 e 23 anos). Na época, ele também deixou uma esposa. Diariamente, ele levava as filhas menores para a escola e a mulher para o trabalho. De acordo com a família, Côrrea era autônomo e vivia da compra e venda de carros.
A Polícia Civil explica que o fato de uma investigação já ter sido concluída, sem encontrar o desaparecido, não significa que ela não possa ser retomada a qualquer tempo com base em novos indícios. Quem tiver informações sobre pessoas desaparecidas pode relatar pelo telefone 197 ou pelo aplicativo WhatsApp no número (54) 98414-9840.