O Vale dos Vinhedos, mais importante roteiro enoturístico do país, está em meio a uma polêmica. A construção de dois empreendimentos de grande porte foi recusada pelo Conselho de Planejamento Distrital dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, em uma reunião na semana passada. A situação gerou controvérsia, inclusive com a convocação do presidente do conselho, Marciano Batistelo, para estar na Câmara de Vereadores prestando explicações em uma reunião da Comissão de Infraestrutura, Desenvolvimento e Bem-Estar Social, nesta terça-feira (29).
Composto por 10 representantes da sociedade, o conselho vetou o projeto por oito votos a dois. Batistelo garante que a decisão é resultado de uma recomendação técnica, que aponta a interferências que afetariam o roteiro. Uma delas é no microclima, devido à liberação de gases na atmosfera pelo alto fluxo de veículos. Outro aspecto é que esse movimento acentuado tende, na avaliação do Conselho, a tornar a mobilidade no Vale ainda mais complexa, não pela atração de mais turistas apenas, mas também em função do grande número de funcionários que seriam empregados.
— O conselho está pensando no Vale. Não tem foco da Aprovale (Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos), prefeitura... Todos aqui, fora a parte do Ipurb (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Bento Gonçalves), todos os outros nove conselheiros são ligados ao Vale dos Vinhedos, todos são enraizados no Vale — destaca o presidente do órgão deliberativo.
Os empreendimentos em questão são o Bewine Resort junto com maior museu de vinho do mundo e o Gramado Park (veja os posicionamentos abaixo). Conforme Batistelo, outros seis empreendimentos de grande porte tentam aprovação para se instalar no Vale. Ele diz que a posição do conselho daqui para a frente tende a ser no sentido de preservação das características do roteiro, a primeira e única região do país que tem a Denominação de Origem (DO) — essa certificação demonstra que o nome da região designa produto ou serviço cujas qualidades ou características se devem exclusiva ou essencialmente ao meio, incluindo fatores naturais e humanos.
— Hoje, o agricultor está voltando muito, o filho do agricultor quer botar uma pousada, um restaurante, um bistrô. É animador ver o pessoal sair da cidade e voltar para o interior. Esses empreendimentos (maiores) acabam inibindo isso — analisa Batistelo.
Megaestruturas
Outra preocupação é com a multiplicação da população no Vale, que hoje abriga cerca de dois mil residentes. A diretora de Enoturismo e Infraestrutura da Aprovale, Deborah Villas-Bôas Dadalt, diz que seriam três mil operários atuando nas construções, o que significariam 75 ônibus trafegando pela região diariamente. Caso os trabalhadores se instalem próximo ou no Vale, as condições de infraestrutura atuais passariam a ser insuficientes, já que haveria necessidade de readequação de acesso a saneamento básico, educação pública, serviços de saúde, segurança pública, entre outros.
Deborah pontua que esses empreendimentos apresentaram ao Ipurb projetos para a construção de hotéis, o que facilita o trâmite burocrático. Mas, segundo ela, a pessoa jurídica está errada, porque estão previstas construções que permitiriam a residência no local e uma infraestrutura que chega a ter parque aquático e shopping center. Para ela, isso tende a descaracterizar o próprio Vale, que poderia vir a se tornar uma área de resorts:
— O Vale é o Vale porque tem vinhedos, tem produção vitivinícola viva, tem pequenos produtores. Se você tirar isso, é um bairro residencial na periferia — avalia.
Entre as alternativas para a continuidade desses projetos, há duas possibilidades levantadas por integrantes do conselho. Uma é a diminuição do porte deles e outra é que eles se instalem locais fora da região de Denominação de Origem.
— A nossa proposta não é que esses projetos não aconteçam, é que eles aconteçam aumentando a área do Vale e não diminuindo. Quem imagina colocar um resort em Fernando de Noronha ou Amazonas? — questiona.
Posicionamento técnico
A arquiteta e urbanista Vanja Hertcert, responsável pelo posicionamento técnico seguido pelo conselho, se manifestou por meio de uma nota em que salienta a atuação legítima do órgão. Ela aponta que o Estudo de Impacto de Inovação é uma forma técnica de analisar e mensurar a presença de empreendimentos na região.
“Este instrumento analisa 35 parâmetros, separados em 4 grandes grupos: impactos na paisagem, no meio ambiente; no sistema de atividades e na promoção econômica. O agente interessado, através de seus técnicos, apresenta sua avaliação de impactos. O IPURB por sua vez fará sua análise. E estes documentos, parte do processo de Alvará, serão levados ao Conselho Distrital. Formado por representantes legítimos, moradores e operadores deste Distrito, munidos de uma Portaria Municipal, avaliam cada empreendimento. Quando os Impactos negativos são muitos, natural pensar que o empreendimento está no lugar errado. E pode, sim, pode, rejeitar algum empreendimento que seja potencialmente danoso para o seu território”, diz.
A nota segue afirmando que o conselho representa o posicionamento do Vale acerca do que representam esses empreendimentos:
“Proposta de Shopping center, disfarçado de “mall”, com uma centena de lojas, estacionamentos enormes, parque de águas (?), toda uma população de moradores nova e o que isto representa… será que o Vale quer isto? Uma década de obras, nossa paz perturbada, a segurança comprometida… será que o Vale quer? A mão de obra de milhares de pessoas, de onde virá? Formaremos cinturões ou núcleos urbanizados para abrigar isto? A pergunta: O Vale dos Vinhedos quer isto? Perguntado no Conselho Distrital, formado por seus legítimos representante, o V. V. disse claramente (por 8 x2) que NÃO, não queremos isto e tudo o que isto representa. Respeitem o Vale dos Vinhedos, sua trajetória, seu brilho. E permitam que ele siga com a vocação que fez dele o que é: um vale de vinhedos.”
Reunião vai debater a decisão do conselho
Uma reunião ordinária da Comissão de Infraestrutura, Desenvolvimento e Bem-Estar Social vai debater a decisão do conselho nesta terça-feira, a partir das 14h. Convocado, Marciano Batistelo disse que ainda não decidiu se irá ou não ao Legislativo. Se for, deve enfrentar questionamentos do presidente da comissão, vereador Anderson Zanella (Progressistas). Com áudios, documentos, atas, lista de presença, fotos das últimas seis reuniões do Conselho Distrital em mãos, após solicitação ao Ipurb, Zanella considera que a negativa aos empreendimentos é uma forma de barrar a concorrência por parte de empresários locais, versão que é fortemente rebatida por integrantes do conselho.
— Vou deixar da forma mais transparente possível as inúmeras contraversões possíveis que existe entre as reuniões e as reuniões que antecederam — afirma o vereador.
Zanella também diz temer pelo desenvolvimento turístico do município, porque o Vale passa por outros dois municípios – Garibaldi e Monte Belo do Sul —, e um deles já teria manifestado interesse em receber os empreendimentos.
Contrapontos
A reportagem procurou outros envolvidos com o assunto.
- O Ipurb, por meio da assessoria de imprensa da prefeitura, se limitou a dizer que fez a análise técnica dos projetos e está dentro do que determina o Plano Diretor e que o conselho faz a análise de impactos para região.
- O Grupo Salton, responsável pelo Gramado Park, decidiu não se manifestar.
- Já o Bewine se manifestou por meio de nota, em que se diz aberto ao diálogo com o conselho, defende que reduzirá o déficit de vagas na rede hoteleira — esse déficit é rebatido pela Aprovale, que diz que a média de ocupação é de 50% dos leitos — e dará impulso econômico e social à região. Confira na íntegra:
O Bewine foi aprovado em novembro de 2021 pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPURB) de Bento Gonçalves e cumpre rigorosamente todas as normas estabelecidas. Para a sua aprovação, foram solicitadas algumas adequações no projeto, e todas, sem exceção, foram executadas.
Queremos manter o diálogo aberto com o Conselho Distrital do Vale dos Vinhedos e estamos à disposição para prestar qualquer esclarecimento – inclusive reapresentando o projeto aos conselheiros.
O Bewine dará ainda maior impulso ao desenvolvimento social e econômico da Serra Gaúcha, principalmente para Bento Gonçalves e o Vale dos Vinhedos, onde será construído – reduzindo o déficit da rede hoteleira, já que dividido entre 421 apartamentos e o maior parque temático do vinho do mundo, o complexo terá capacidade de receber 1,6 milhão de público passante. Serão gerados mais de 2,4 mil empregos diretos e indiretos, em um investimento que ultrapassa os R$ 300 milhões, sendo o Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 1,3 bilhão.