Neste sábado (13), o programa Esse Terreno é Meu completa um ano. Mais do que atender uma demanda de loteamentos irregulares, em cenário que se repete em todo o Brasil — o Ministério do Desenvolvimento Regional estima que 50% de todos os imóveis no mercado nacional são irregulares —, o projeto realiza um aguardado sonho para milhares de caxienses. A Secretaria Municipal do Urbanismo (SMU) estima que são quase 600 loteamentos nessa condição em Caxias do Sul, que englobam cerca de 80 mil famílias e significam 35% dos imóveis do município. Até esse momento, cerca de 530 famílias já receberam os títulos de propriedade, enquanto cerca de 1,3 mil estão com as certidões encaminhadas, devendo ser entregues nas próximas semanas e meses.
Este cenário de entrega de certidões deve se repetir com frequência em Caxias do Sul nos próximos meses e anos, trazendo uma luz para uma situação que estava em discussão há décadas no município. O secretário do Urbanismo, João Uez, comenta que o processo, levando em conta todas as áreas irregulares, pode levar até mais quatro gestões, mas que um importante passo inicial foi feito com a legislação do Esse Terreno é Meu.
Nem todos os loteamentos devem ter o mesmo processo, mas a legislação que institui normas e procedimentos para agilizar a regularização fundiária cria uma base fundamental para o andamento do trabalho.
— Todas as áreas serão beneficiadas, mas existem entendimentos diferentes porque têm, por exemplo, o tempo de consolidação, o tempo que está lá presente e o tipo de relevo (o que consta no projeto de regularização). A lei da regularização fundiária é uma grande receita, mas cada confeiteira, nesse modo dizer, se adapta a sua realidade — exemplifica o secretário.
Além da grande mudança na vida das comunidades, também pode existir um impacto positivo para o município. Se todas as áreas fossem regularizadas, Caxias teria um aumento de R$ 113 milhões em arrecadação de impostos, conforme números da SMU, com base em 2021.
O que é notado, inclusive, é que com a escritura em mãos, os moradores dos loteamentos fazem questão de pagar o imposto. Por exemplo, quase todos os residentes do Loteamento Vitória já quitaram a taxa de 2022 logo após terem recebido as certidões.
— Fazemos com que integrem o contexto de cidade, pagando IPTU, pagando as taxas, mas que também tenham os mesmos direitos de vender, de hipotecar ou de deixar o imóvel como garantia em algum empréstimo. Onde temos andado, o prefeito Adiló sempre fala que nunca escutamos alguém dizer que não quer pagar o IPTU. Querem pagar e querem ter direito a ter a escritura. E a felicidade das pessoas quando recebem, o semblante, a lágrima no olho... vale muito — declara o secretário.
Ao mesmo tempo, as regiões que são regularizadas ganham um potencial de desenvolvimento. Os patrimônios são valorizados e ainda podem dar acesso a créditos financeiros aos moradores. Além disso, abrem a possibilidade para novos negócios nestas zonas.
— A partir da regularização delas, podem ter CNPJs autorizados. Podem ter mercado, farmácia ou sacolão. Podem ter tudo que outra parte da cidade regularizada tem. Comércio, serviço e indústria podem se instalar — comenta o secretário.
O resultado do primeiro ano
No primeiro ano, a prefeitura de Caxias regularizou dois condomínios da Linha 40 (Residencial da Colina e Residencial da Montanha), praticamente todo o Loteamento Vitória e o Loteamento Marumbi (em que, neste sábado, há a entrega das certidões de 38 lotes), que totalizam as cerca de 530 famílias já contempladas. Entre as próximas áreas que recebem os títulos de propriedade estão o Centenário, o Loteamento Vila Lola e o Núcleo Habitacional Floresta II.
A prefeitura inicia o trabalho a partir de 31 áreas sociais, selecionadas a partir de condenações e acordos já existentes com o Ministério Público. Nesses locais, os moradores não terão custos (a não ser taxas cartoriais, em alguns casos), uma vez que há o investimento público de R$ 2 milhões. Mas, outras localidades também podem adiantar a regularização.
É o caso dos loteamentos Vila Lola e Aeroporto I e do núcleo habitacional Floresta II. As comunidades contrataram empresas para iniciar o projeto de regularização fundiária. Com pontos como o levantamento topográfico e ambiental concluídos, a Secretaria de Urbanismo recebe o estudo e faz o cadastramento. Até o final de 2022, os moradores das duas áreas receberão as certidões.
— É como uma parceria público-privada, dá para chamar assim. A comunidade se mostrou interessada e fez — diz o secretário.
Tanto loteamentos de interesse específico, aqueles ocupados em propriedades particulares, quanto loteamentos de interesse social, em propriedades públicas, podem seguir o modelo. No Loteamento Aeroporto I, a comunidade iniciou a mobilização ainda em 2020, antes mesmo do programa Esse Terreno é Meu, com reuniões para conseguir a regularização.
Dos 180 vizinhos da área, cerca de 55 moradores contrataram uma empresa de São Leopoldo para realizar os estudos necessários para a regularização fundiária. Com investimento de cerca de R$ 1 mil cada um, os vizinhos estão perto de, enfim, conseguirem as escrituras. Elas devem ser entregues nos próximos meses.
— Temos vários moradores que morreu pai e mãe e querem fazer inventário, mas não podem. Grande parte da primeira geração que veio para cá já morreu e tem a segunda geração que quer vender ou usar para comprar outro imóvel — explica Sara Ferreira, 61, que mora há mais de 30 anos no loteamento.
Também presidente da Associação dos Moradores do Bairro (Amob) Aeroporto, Sara conta que a outra parte dos moradores não quis o serviço, inicialmente, porque achava que não teria resultado. Com o objetivo próximo de ser conquistado, ela acredita que os vizinhos, agora, vão atrás da mesma empresa
— É gratificante. Como se tu fosse pegar aquilo que é teu, porque até agora estamos morando, pagamos, mas não tem provas de que é da gente. Então, pegando a escritura na mão, tu vai sentir que aquilo que está morando é teu e vai poder fazer o que quer — celebra Sara, que pensa em vender a casa após conseguir a escritura.
Uma conquista em família
Há quase 36 anos, Inar Paz e Zeli Ringues de Lima, 75, deixavam Alegrete, no sudoeste do Estado, com destino a Caxias, em busca de oportunidade de trabalho. De todo o período, quase 20 anos são vividos no Loteamento Marumbi, no bairro Esplanada. Uma vida foi construída ali pelo casal, que sempre lutou e esperou ter o terreno regularizado na Rua Che Guevara.
— Estou faceira. Antes, eu ficava pensando que será que um dia não vão me tirar daqui? — relembra dona Zeli.
Antes de chegar no Marumbi, a aposentada foi retirada junto com a família do antigo prédio do INSS, no Centro, e passou por moradias provisórias. No loteamento, o casal conseguiu um lugar para buscar dias melhores, com o trabalho de reciclagem e também colaborando com a União das Associações de Bairros (UAB).
No sábado, o esperado sonho se torna realidade. Para a família, é uma conquista e uma lembrança de paz. O marido da Dona Zeli morreu em 2019 e esperava ver a área regularizada. O filho do casal — que carrega o nome do pai, Inar Ringues Paz — se emociona ao lembrar do desejo do falecido pai.
— Me sinto grato porque foi tudo que o meu pai batalhou para deixar para a mãe e para mim — afirma o filho, que viu de perto toda a luta dos pais.