A atenção aos direitos da criança e do adolescente tem contado com um reforço na Serra gaúcha. O levantamento de números que mostram o quantitativo da violência ajuda a expor os locais com mais riscos e auxilia tanto na tomada de decisões quanto para qual órgão a demanda será encaminhada.
Em Bento Gonçalves, no segundo maior município da Serra, os dados das ocorrências foram divulgados através do Sistema de Informação Para a Infância e Adolescência (Sipia-CT), que, segundo a conselheira tutelar Silvana Lima, transformou a coleta de informações no que se refere aos atendimentos e denúncias. No período de um ano, o documento contabilizou 1.725 atendimentos e 1.566 denúncias, que resultaram em 1.669 pais ou responsáveis cadastrados. O banco de dados, que agora conta com 2.296 crianças e adolescentes no cadastro, possibilitou inclusive identificar os bairros que registraram mais ocorrências, separadas por tipo de violação.
— São várias negligências dos pais, desde a falta de atendimento médico a acompanhamento escolar. E também o direito à liberdade, respeito a dignidade, quando a criança sofre agressões físicas, verbais e sexuais. Esses também estão muito presentes — conta Silvana.
Só no bairro São Roque foram 285 violações de direito entre julho de 2021 e julho de 2022. Uma situação preocupante e acompanhada de perto pelo Conselho, que ainda elenca os bairros Vila Nova II, Borgo e Conceição como os que mais aparecem entre os locais de atendimento.
Entre as violações de direitos, a violência física, com 388 registros, e sexual (238) encabeçam a lista de ocorrências em Bento Gonçalves. O Relatório de Violações também lista o agente violador e aponta as mães como principais agressoras, em 578 casos, seguidas das instituições escolares (348), pais (324) e padrastos (52).
Para dar o encaminhamento correto às denúncias que chegam diariamente ao Conselho Tutelar, um Comitê das Violências será criado em Bento Gonçalves com o objetivo de dar continuidade ao trabalho, independente das mudanças de gestão. De acordo com o Conselho Tutelar, atualmente o atendimento às crianças e adolescentes é centralizado no Centro de Referência Materno Infantil para que os atendidos, nas palavras de Silvana, “não pipoquem por lugares diferentes”.
— As instituições, como unidades de saúde e escolas, estão fazendo a comunicação com o Conselho Tutelar com base em uma ficha padrão. Depois disso, o conselho faz o fluxo para encaminhar ao local correto, como Ministério Público ou delegacia — explicou a conselheira, que também conta com a ajuda da comunidade para ouvir as crianças e identificar possíveis violações de direito.
— Temos que prestar atenção e confiar na criança. Quando falam, alguns pais acham que é mentira, mas quando elas relatam algo que não é do seu cotidiano, como quando alguém encosta no corpo dela, então isso não é normal, a criança não vai mentir — alertou.
1.154 denúncias recebidas em Caxias do Sul
Sem contar com o mesmo sistema de gerenciamento de dados, Caxias do Sul divide os atendimentos pelos meios em que são realizados. No último trimestre, por exemplo, foram 359 atendimentos na sede do Conselho Tutelar e abertos 98 procedimentos, de acordo com o levantamento da entidade. Por telefone, entre abril, maio e junho, foram 280 denúncias realizadas pela população. De acordo com o conselheiro tutelar Maurício Abel, a negligência familiar em acompanhar a saúde e a educação das crianças puxa a fila dos casos, com 729 ocorrências registradas em 2021. Com dados compilados por trimestre, o ano passado fechou com 1.154 denúncias de direitos que estariam sendo violados.
Ao expor os números do Conselho Tutelar de Caxias do Sul, Abel revela a alta demanda do município que é atendida por apenas 10 conselheiros.
— É um trabalho bem burocrático, para cada violação de direito há uma política pública para ser encaminhada. Vem informação de todas escolas, de toda a política pública de assistência social e segurança. É muito documento para só 10 conselheiros — contou.
O desconforto do atual chefe dos conselheiros é com o volume de trabalho. Segundo ele, há para cada um deles centenas de procedimentos em atendimento. E novas demandas não param de surgir.
— Falo com frequência isso, Conselho Tutelar não é polícia de criança pobre, temos uma autonomia relativa, chega uma hora que se esgotam as possibilidades de intervenção — afirmou.
Mas, ao mesmo tempo que trabalha sob alta demanda, Abel sabe que é através das denúncias que o direito das crianças e adolescentes será garantido.
— O Conselho precisa ser provocado, a gente não tem como adivinhar que em tal bairro uma criança está sofrendo, tem que chegar a informação e será responsabilidade do conselheiro averiguar a situação — explicou.
O Conselho Tutelar de Caxias do Sul atende de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h30min às 17h30min. Os telefones de contato são (54) 3227-7150 (Conselho Norte) ou (54) 3216-5500 (Conselho Sul). O plantão atende pelos telefones (54) 98408-0066 e (54) 99104-7998.